Sobre Resistências, Resiliências e Balanços
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Embora as tendências sociais, econômicas
e políticas projetadas para 2022 no planeta não tenham sido negadas pelos
acontecimentos, a realidade foi ainda mais dura do que se imaginava.
O ano que ainda não acabou foi um ano em
que o mundo viveu em perigo houve até ameaças de uso de armas nucleares. Aos
novos medos foi adicionado o renascimento de velhos medos. Foi um ano em que a
barbárie teve mais presença do que a civilização.
Nesse quadro, porém, surgiram surpresas
que mostram uma capacidade de resistência e resiliência cidadã contra a lei da
selva, o bullying político, a
imposição de um discurso e ação violenta, o que deixa aberta a esperança de um
maior élan civilizatório e liberdades.
A maior surpresa foi à resistência da
Ucrânia à invasão russa, cujo custo tem sido terrível para aquele país e tem repercussões
políticas e econômicas em todo o mundo, mas cujo significado histórico, sem
dúvida, influenciará o curso da história.
A invasão da Ucrânia pela Rússia tem
suas raízes mais profundas na história distante, mas as raízes mais próximas
estão na Rússia pós-soviética, já que o projeto democrático não conseguiu se enraizar
naquele país e a democracia perdeu todas as esperanças com a sequência de
eleições, cuja única orientação delas tem sido a reconstrução de uma suposta potência
russa ferida e decadente. Elas se inspiraram tanto nos sonhos imperiais do
czarismo abrigados pela Igreja Ortodoxa Russa quanto na versão mais nacionalista
e anticomunista do stalinismo soviético.
A sequência de eleições russas tem combinado
em seu pensamento um estranho casamento em que coexistem alegremente o
capitalismo corrupto de raízes oligárquicas e o nacionalismo autoritário,
distante de qualquer coisa que cheire a democracia.
O que tem sido móvel é a vontade
geopolítica da Rússia em recuperar um suposto poder perdido por um imenso país,
mas que tem mostrado sérias limitações para enfrentar os desafios hodiernos,
perdendo seu papel de superpotência, concentrando sua força, sobretudo, nos
recursos naturais e nas forças armadas e tendo que abraçar com relutância de
forma subordinada uma China que em poucos anos ganhou dela uma distância irreconciliável.
Há vários anos, o caminho da Rússia tem
sido o caminho da força. Passou pela Chechênia, Geórgia, Moldávia, aventurou-se
na Síria e na Líbia, estabeleceu-se na Crimeia e está tentando fazê-lo no
Donbass. A decisão de invadir a Ucrânia em fevereiro deste ano é a
cristalização desse caminho.
A Ucrânia é um país com uma história
nacional complexa, rica em recursos, mas fraca economicamente. Com uma
democracia tão problemática quanto à russa e com um presidente do mundo do
entretenimento.
A invasão era para ser uma opção
vitoriosa e fácil, a ser concluída em poucos dias, quase uma caminhada
triunfante, que ultrapassaria as cercas da geopolítica mundial. Mas a Ucrânia foi
uma surpresa inesperada. Em primeiro lugar, apoiava-se na razão e no direito de
se manter como nação independente e democrática e na vontade de fazer todos os
sacrifícios necessários para consegui-lo.
A reconstrução da Ucrânia será um épico
no dia em que a paz for alcançada, o que sabemos bem que não está na próxima esquina.
Essa paz é necessária, mas terá de ser feita respeitando o complexo e enorme
sacrifício planetário em prol da civilidade.
O Brasil esteve do lado certo da
história neste conflito, a despeito das hesitações do governo nossa chancelaria
não titubeou e se saiu bem, mesmo com o perigoso agravamento da polarização da
sociedade brasileira numa situação mundial tremendamente incerta.
Pelos caminhos da vida a frente
democrática se fez e conseguiu galvanizar uma reação negativa dos eleitores
contra o discurso grosseiro e odioso, preferindo votar na defesa das conquistas
sociais e da convivência democrática.
Nada está resolvido para o futuro, mas a
deriva para o populismo narcisista por ora parece mais distante. Muito
dependerá da capacidade da frente democrática sobreviver a fabula da frente
ampla e o governo que se forma a represente e promova as mudanças sociais
necessárias, sem provocar desequilíbrios que abram espaço para o discurso
briguento.
É bom lembrar isso quando nos
aproximamos do final do ano. O resultado eleitoral foi uma manifestação clara e
indiscutível de bom senso, maturidade cívica, vontade de reforma e reforço
democrático. Não foi um triunfo da esquerda nem tampouco de uma frente ampla,
mas sim um triunfo da frente democrática, do caminhar sereno perante a
exacerbação das identidades e a quebra dos contrapesos no exercício do poder.
Para o Governo em formação, a sua
aceitação tem sido complexa. Mas aos poucos a realidade tende a prevalecer e
mesmo com dificuldades, contradições e repulsa dos setores mais radicais e
messiânicos, o resultado eleitoral é o embrião de um esforço real para produzir
mudanças na vida. Esperemos que isso se consolide e se gerem amplos acordos
para avançar.
Afinal, é a única forma possível de
responder aos duros desafios que o planeta e o país enfrentam.
18
de dezembro de 2022
[1] Presidente da
CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da
UniverCEDAE.