domingo, 19 de dezembro de 2021

TEXTOS DA JUVENTUDE


 

O DEBATE SOBRE O LIVRO Lindolfo Hill: um outro olhar para a esquerda

Por Micaela Luz

 

Um dos temas caros para a política brasileira no cenário que nos encontramos é aquilo que o pensador florentino Maquiavel escreveu na sua mais célebre obra, O Príncipe, quanto à necessidade de uma boa governança a partir da aliança entre a virtú e a fortuna. De maneira bastante superficial, destacamos que a virtú seria os posicionamentos, ações, cálculos do ator político e a fortuna, bem, a fortuna seria aquilo que não depende do ator, mas que com uma virtú bem afinada seria capaz de trazer a má sorte em um cenário benfazejo. Os homens e mulheres não criam a fortuna, mas podem ser capaz de dominá-la. Quando apontamos que esse tema nos é inerente é por conta da necessidade urgente de uma virtú potente que alie um programa político e econômico para o país – que vive uma derruição de suas instituições republicanas e democráticas – a partir de um programa voltado ao futuro. Ao que parece, parte da sociedade que se opõe ao atual estado das coisas prefere a face de Jano voltada para um passado, dias de um futuro esquecido pela juventude que não a viveu. No caso do nosso folclore, precisamos fugir da tentação de sermos um Curupira

Tendo isso em vista, se é do passado que se pode extrair algo para um ano de difícil eleição – que terá uma mudança no plano federal e estadual, tanto no executivo quanto no legislativo (ponto central que muitos esquecem), é bom tirar da cultura política brasileira algum ensinamento para o olhar quanto ao futuro. Dessa forma, resgatar as trajetórias ziguezagueantes do PCB enquanto partido político mais longevo da república e com presença ativa na cultura brasileira do século passado pode ser uma lâmpada para nossos pés caminharem.

O PCB, fundado em 1922, marcha rumo ao seu centenário. Juntamente a isso, a biografia de uma figura ilustre para o partido é lançada. Lindolfo Hill tem sua trajetória imortalizada por Alexandre Müller Hill no livro Lindolfo Hill: um outro olhar para a esquerda, livro esse que foi discutido no encontro online que contou com a participação do autor e de professores, jovens do bairro de Campo Grande na Zona Oeste do Rio de Janeiro, além de remotamente, várias pessoas de diferentes idades tantoto em Minas Gerais quanto no Rio de Janeiro. A proposta do encontro teve como norte discutir o livro e também o Brasil como anunciou o mediador Vagner Gomes.


Inicialmente foi apresentada pelo autor uma pequena síntese de quem foi Lindolfo Hill e como seu pensamento e sua ação dialogariam com o contexto atual do país. No livro, como comentado pelo professor Ricardo Marinho, foi trazida a questão das perseguições, das prisões e das torturas que o biografado sofreu pelo Estado brasileiro, o que justifica o medo, ou melhor, o receio, de muitos familiares de Hill a se esconderem e não participarem de relatos para  o livro. O professor ainda divaga sobre os desafios enfrentados pela democracia atual, de modo a que ela se aplique verdadeiramente no país, visto que, em um período da trajetória de Hill, a cassação dos políticos comunistas eleitos democraticamente na década de 1940 acabava por revogar os papéis políticos desses indivíduos.

O posicionamento de Lindolfo acerca da eleição de Juscelino Kubitschek em 1955, trazido em forma de pergunta, é ainda uma incógnita, de certa forma, pois Hill não teve apenas seus direitos políticos cassados, mas também muitos documentos que revelariam mais de seus posicionamentos e a ação política foram ou destruídos ou escondidos, o que dificulta muito uma funda investigação de seu papel e posições no partido e fora dele.

Em síntese, o encontro se fez de grande importância para a abertura de uma discussão, mas, principalmente, para a implantação de uma pesquisa mais aprofundada acerca da personagem central do debate. Ademais, como afirmado por Ricardo Marinho, ainda há muito a ser descoberto sobre Lindolfo Hill, sobre sua trajetória e posicionamentos, assim como de outros quadros pecebistas. Ainda há, infelizmente, muitas limitações de informações devido, sobretudo, à cassação supracitada, dificultando um total entendimento dessa tão importante figura para o PCB e para Juiz de Fora, mas essa tarefa cabe a nós, evoé, jovens à vista.

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA Número 1


 

Paolo Sorrentino Sem a Renúncia da Casa

Por Vagner Gomes de Souza

"É o que digo, se for... Existe é homem humano. Travessia"

Guimarães Rosa - Grande Sertão Veredas

 

Uma semana de estreia na NETFLIX de mais um filme do cineasta italiano Paolo Sorrentino (ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro por Grande Beleza em 2014). A Mão de Deus (2021) é o desafio de um cineasta em atrair a juventude para o gosto pela sétima arte. A produção cinematográfica de um italiano atrair uma nova geração pela via da globalização do streeming é uma hipótese desde que o roteiro trabalhe muito bem os sentimentos humanos como a memória.

Faz parte de esse desafio pensar sobre os impactos da Pandemia da COVID19 nas relações humanas e suas sensibilidades quanto à dramaticidade da dor. Em primeiro lugar, o Gramsci, que escrevia em Il grido del popolo (9 de fevereiro de 1918), poderia ser convocado por conta do tema agregador da família. “A família é, essencialmente, um organismo moral. É o primeiro núcleo social que supera o indivíduo, que impõe ao indivíduo obrigações e responsabilidades.”[1] As lembranças do personagem principal do filme partem desse núcleo nos anos 80 do século passado, o que faz muitos críticos se limitarem a ver uma influência de Frederico Fellini (1920 – 1993) por conta do filme Amarcord (1973).

Entretanto, há um diálogo memorialístico com outros cineastas italiano que pedirá ao leitor um pouco de curiosidade e responsabilidade para se tornar mais um familiar desse mundo fascinante do Cinema. Digamos que A Mão de Deus também celebra a memória de Ettore Scola (1931 – 2016) que hoje seria patrulhado pelos “cancelamentos” das redes sociais por conta de seu filme de estreia (Fala-se de mulheres, 1964). Mas Scola muito bem visitava a memória do passado em seus personagens para espelhar um momento histórico. Fez uma produção cinematográfica da Casa Comum que muitos achavam ser de “vermelhos”, porém eram os humanos valores encantando muitos jovens nos anos 80/90 ao assistir seus filmes e formar uma geração.

Paolo Sorrentino se globaliza pela NETFLIX sem que renuncie a essa Casa Comum. Está muito mais de volta ao lar como se fosse um herói da Marvel a dar saltos e mais saltos em referências cinematográficas do cinema italiano para a alegria dos “Eremildos” de plantão. Se as teias da memória estariam em Nápoles, não podemos deixar sem menção a Nova York do “aracnídeo” David  Aaronson que também voltou ao seu lar no Brooklyn ao som de “Yesteday”. O diretor faz referência a Era uma vez na América constante pela fita em VHS, o que reforça ainda mais sua pluralidade familiar nessa Casa de cineastas nessa homenagem a Sergio Leone (1929 – 1989).


O personagem/cineasta Antonio Capuano praticamente berra ao jovem Fabietto Schisa que há muito que se inspirar na realidade de sua cidade. Há um interessante debate se a dor justificaria a fuga da realidade. Não se poderia fazer da fantasia uma fuga, mas a manifestação da interpretação em outras vias dessa realidade. Como essa pandemia que fez muitos ficarem sem volta para casa. A juventude é convidada a persistir no reencontro de caminhos que mantenham a memória desses tempos sombrios. Portanto, o roteiro transita muito bem da comédia para um drama sentimental. E forte fica a frase que ecoa: “São tempos de se pensar no futuro!”

Consequentemente, Giuseppe Tornatore (ainda em atividade) é como se fosse um “irmão” mais velho nesse lar de interpretação da memória no cinema que se fez presente na Itália por conta da “Questão Meridional” assim como a música dos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil povoam as lembranças dos anos 80 de uma geração. Um compromisso histórico entre as forças políticas através da música brasileira poderia estar em paralelo a esse ensaio de A Mão de Deus para o cinema italiano nesses tempos pós Ennio Morricone (autor de uma brilhante parceria com Tornatore).


Entretanto, não é um cinema que mais sensibiliza o jovem Schisa, mas o Estádio de futebol.  Nada como a passagem de 1984 a 1991 de Diego Maradona (1960 – 2020) no Napoli para explicar a mudança do nome do Estádio de São Paulo em dezembro de 2020. Afinal, a referência ao gol de mão na vitória da Argentina na Copa de 1986 (qual brasileiro torceu contra a Argentina nessa final!?!) é uma ponte do título para esse Estádio. “Foi uma vitória contra anos de exploração” diria o tio Alfredo do filme, provavelmente leitor de Eduardo Galeano, hoje nos grupos de Zap das famílias.

Por fim, o que poderemos dizer sobre A Mão de Deus (2021) para a juventude que enche os cinemas para assistir Homem-aranha Sem Volta para a Casa? As linhas acima já seriam um bom desafio para que se pense no futuro. Esse se faz com respeito a memória de uma tradição que fez o mundo melhorar com os valores humanos vinculados a República e a Democracia. A memória das vítimas da COVID19 exige dos jovens um 2022 que se faça com autocrítica em relação a 2018. Todavia, 2026 está logo ali.

[1] Gramsci, Antonio. Escritos Políticos. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2004, p. 141.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 11


 Mazer Runner: Trabalhar ou morrer

 

Por Lucas Soares 

 Qual horizonte está reservado para o futuro trabalho? Como sobreviverá a mesma sociedade que, invertendo a ordem natural da identificação do ser social, não trabalha e, portanto, não se humaniza? São essas as questões que saltam os olhos de quem, na tentativa de entender e transformar a realidade que o cerca, se propõe a analisar os processos históricos que nos fizeram chegar até elas.

Partindo destes questionamentos iniciais, constata-se que, quando da chegada do poder que até então lhes era estranho (mercado capitalista), transformaram-se as formas pelas quais os homens se ligavam a sua condição natural. Com isso, o homem que outrora fazia do trabalho a necessidade básica do ser social, agora enxerga nele o meio de satisfação de suas realizações. Para isso, ou seja, para alcançar suas satisfações, transforma-se também a própria condição natural do ser, fazendo dele uma mercadoria.

Apontemos, portanto, os problemas desse processo:

A precarização do trabalho pressupõe a precarização das condições de subsistência humana, evidenciando, dessa forma, o processo de estranhamento do homem para com seu próprio corpo, sua consciência, sua própria classe, seu papel fundamental na base de sustentação do capitalismo.

 Exposto o fato, imaginemos a pior das hipóteses: O que resta ao ser que, vivendo em um estágio avançado sobrevivente desta conjuntura onde as relações de trabalho se liquefazem em medidas cada vez mais velozes, sequer tem acesso ao trabalho? A mão de obra ociosa, seja ela jovem ou de mais idade, na realidade brasileira, forma um exército de reserva que torna o plano de fundo perfeito para a passagem de reformas e mais reformas que cada vez mais a desumaniza. Tal como a conhecida frase de Darcy Ribeiro sobre o sucateamento da educação, fica claro o projeto de desmonte dos vínculos de emprego, assim como suas finalidades.

Vamos ao próximo ponto: o crescente desemprego e a mão de obra ociosa e ansiosa por um vínculo empregatício contrastam com a supressão de médicos, professores, enfermeiros, guardas municipais, policiais, assistentes sociais, etc... A conta que deveria ser básica, sequer é cogitada. Por outro lado, a burguesia nacional que chancela a política neoliberal de Paulo Guedes e sua trupe, quando se depara com a possibilidade de preencher os postos de trabalho em falta, aproveita-se disso para opor as soluções. Dessa maneira, a população sem emprego é encurralada a fim de precarizar mais ainda o emprego de quem já o tem. O ponto de barganha, para isso, é justamente o índice de desemprego que bate a casa dos 14,6%, tendo como premissa de aceitação a lógica do seguinte dito popular: “É melhor pingar do que secar”. Portanto, agradeça a Deus pela oportunidade de trabalhar metade do seu dia e gastar 1/3 do que te resta no transporte público. Não aceitando tal imposição, existe um oceano de miseráveis que topariam estar no seu lugar.


Diante disto, voltemos para o debate inicial: entendendo o ritmo de aceleração  do neoliberalismo que agora está sem capuz[1], qual será o futuro de uma humanidade que cada vez menos tem acesso ao trabalho? A era da Indústria 4.0 bate à porta. Nela, diferente da fábrica cujas peças são os homens, o homem é substituído pela Cyber Tecnologia, e o que antes era feito por 400 trabalhadores, agora pode ser realizado por 40.A maneira com que se esboça o desenvolvimento tecnológico, embora de forma insustentável, está prestes a devorar mais uma geração.

Por outro lado, a juventude trabalhadora e periférica que vislumbra a oportunidade de participar do Round 6 que se tornou o mercado de trabalho brasileiro tem, na melhor das hipóteses, as seguintes opções: parcelar a vida via FIES, na esperança utópica de se empregar após a formação; ou aventurar-se na desigual concorrência entre escolas públicas e privadas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Quanto às relações diretas de emprego entre a juventude, para além do já exposto caminho via universidades, nota-se o apagamento de incentivos como o Programa Jovem Aprendiz, enquanto o segmento aproxima-se de formas precarizadas de trabalho, como as oferecidas nas plataformas de entrega. Este último sequer é entendido como vínculo empregatício, transformando o já distante caminho até a aposentadoria em um verdadeiro Maze Runner.

De imediato, é evidente que houvera uma transformação no que outrora era uma preocupação com as condições emergentes de trabalho do século XVIII. Somou-se ao trabalho de condição alienante o tsunami de desemprego que atinge sobretudo quem tampouco sabe da existência do debate teórico acerca de suas condições de trabalho. A constância de idealizações sobrepujando a realidade apenas dificulta a mobilização de massa necessária para a superação (via política) dos problemas. A atual situação laboral traz à tona, nesta primeira metade do século XXI, uma era de romantização do empreendedorismo dissimulado, onde a solidez dos vínculos de trabalho dá lugar a plataformas virtuais que dificultam a formação de uma relação concreta entre emprego e empregado. Vencem, desta forma, as formas mais abstratas do trabalho. Naturaliza-se, portanto, a fome, a miséria, o desemprego e a banalização da vida.



[1] Ver Boletim do Roma Conection/Edição Extra – Estado e Round 6 – Por Pablo Spinelli.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

ESQUERDA PELAS CANELAS (NÚMERO 2)


 

Hill na Busca de uma Nação: um novo olhar para a Esquerda 

Por John Lennon Pereira

 

Há dias fui surpreendido, numa conversa com um professor de História a resistência dele em assistir o filme Marighella, muito comentado nas redes sociais. Trata-se do filme dirigido por Wagner Moura que ficou famoso por ser um Ex-Capitão (no caso, do BOPE) num dos filmes mais assistidos pelo público brasileiro antes da ascensão da personagem Dona Hermínia. Ele respondeu que sim, mas que iria me apresentar um COMUNISTA mais interessante, cujo nome é Lindolfo Hill.
Pensei quem seria esse Lindolfo Hill? Nunca ouvi falar, mas curioso, fui pesquisar. Achei pouquíssimas matérias falando sobre tal personagem. Até ser convidado para assistir a uma apresentação do livro Lindolfo Hill: um outro olhar para a esquerda escrito pelo seu sobrinho neto Alexandre Müller Hill Maestrini.
E assim fui à tarde de sábado 04/12/2021 ao lançamento híbrido do livro com transmissão da RCW canais (TV e Rádio) de Juiz de Fora[1]. Ao lançamento estavam o autor, em Juiz de Fora, o professor Ricardo Marinho do Instituto Devecchi e da Unyleya Educacional e também representante da FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA, mediado pelo professor Vagner Gomes. Lamentamos a ausência da vereadora Tainá de Paula (PT), por problema de agenda. Local foi apropriado: Coletivo Casa Comun em Campo Grande.

Os problemas técnicos para garantir a transmissão híbrida do evento levaram a um atraso que me beneficiou. Eu me atrasei por conta do trânsito. Houve um reencontro com os companheiros do CERDEZO (Centro de Estudos Republicanos dos Democratas da Esquerda da Zona Oeste), que estavam sem se encontrar devido a pandemia da COVID19. Com toda a gestão de risco realizada, pudemos realizar o lançamento. Observei que tinha logo de cara uma folha com o Titulo "Cassação de mandatos de comunistas" de Gilberto Freyre, tinha tudo a ver com o personagem citado Hill. Assim começou a apresentação, o autor do livro, contando que a ideia dele foi resgatar a história do seu tio-avô, esquecida por muitos e até abafada pela família. Abafada segundo o autor por medo, mesmo depois de anos após sua morte, ainda se tem medo e compreensível numa conjuntura de ameaças do autoritarismo.



Militante do PCB, Hill foi um vereador de Juiz de Fora (MG) nos primórdios da Guerra Fria. Segundo mais votado, mas em uma época de cassação aos comunistas, seu mandato foi cassado, entre prisões, exílios, censura é o medo da morte, contudo nunca deixou de lutar pela liberdade, mesmo clandestinamente como atuava o PCB, sempre teve um papel importante no partido, o mesmo que deixou sua família passar dificuldades quando esteve exilado na União Soviética, na volta para o Brasil, fez tal questionamento aos dirigentes partidários.

Hill, provavelmente, foi ofuscado pelos companheiros de partido, cujo personagem muitos já conhece, Prestes e Marighella entre outros. Todavia, há a necessidade nos historiadores se debruçarem sobre esses personagens que assumem cargos em legislativos municipais, pois atuam a política universalizada no “mundo real”. Afinal, ele deixou um legado, a luta social e trabalhista que sempre carregou consigo na vida partidária, tem muitas coisas a se descobrir sobre tal personagem, tem que expor tal combatividade em um momento tão difícil. Lembremos que teremos o aniversário de 100 anos do PCB que ficou conhecido como “Partidão”, celebrando o aniversário junto com o Bicentenário da Independência do Brasil, está tudo ligado, e esse legado do Hill não pode ser apagado. Pois a busca de uma Nação poderá contribuir na reflexão programática do legado de uma Esquerda Democrática.

[1] O vídeo do lançamento está no canal RCWTV Youtube no link a seguir  https://www.youtube.com/watch?v=WaJPeihsYy0&t=4s 


ESQUERDA PELAS CANELAS (NÚMERO 1)


 

Por uma estratégia de Interiorização da Migração republicana e democrática

 

Por Pacelli Henrique Silva Lopes

 

La tierra giró para acercarnos,

giró sobre sí misma y en nosotros,

hasta juntarnos por fin en este sueño,

como fue escrito en el Simposio.

Pasaron noches, nieves y solsticios;

pasó el tiempo en minutos y milenios.

Una carreta que iba para Nínive

llegó a Nebraska.

Un gallo cantó lejos del mundo,

en la previda a menos mil de nuestros padres.

La tierra giró musicalmente

llevándonos a bordo;

no cesó de girar un solo instante,

como si tanto amor, tanto milagro

sólo fuera un adagio hace mucho ya escrito

entre las partituras del Simposio.

 

La tierra giró para acercarnos (1986)

Eugenio Montejo (1938-2008)

 

Neste último trimestre de 2021 a Escola Estadual Fazenda Paraíso, juntamente, com a instituição de transformação social Teia de Saberes tivemos conhecimento da construção do I Plano Estadual para Migrantes, Refugiados, Apátridas e Retornados de Minas Gerais. Tal evento tem sido promovido pelo Governo Mineiro através da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE). Nosso envolvimento surgiu por termos na comunidade escolar famílias de migrantes venezuelanos que estão sendo alocados na região através da Estratégia de Interiorização da Migração promovida pela Operação Acolhida.

A Estratégia de Interiorização iniciada em fevereiro de 2018 é uma parceria do Governo Federal, Forças Armadas e ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). O seu objetivo é a inserção da população venezuelana e aliviar o impacto dessa crise humanitária no estado brasileiro de Roraima. Seus três principais eixos de ação são, a saber: 1 – ordenamento de fronteira e documentação; 2 – fornecimento de assistência humanitária, e; 3 – interiorização.

De acordo com o Subcomitê Federal para Recepção, Identificação e Triagem dos Imigrantes através do seu Informe de Migração Venezuelana de outubro de 2021 entre janeiro de 2017 e outubro de 2021 tivemos um número total de entradas de 652.322 e uma movimentação de saída de 364.465, sendo que, 36% foram para outros países e 20% retornaram para a Venezuela. Dados da UNICEF Brasil apontam que em média 31.943 migrantes venezuelanos vivem em Boa Vista, Roraima, sendo que, 9.583 crianças estão em situação de vulnerabilidade.

Os dados educacionais demonstram que os venezuelanos tendem a ser mais velhos que seus pares brasileiros nas séries iniciais, causando uma distorção idade-série que reflete na inclusão no mercado de trabalho onde os venezuelanos têm colocações inferiores à sua formação profissional e trabalham mais horas que os brasileiros na mesma situação. Dentre outros problemas educacionais analisados, podemos destacar: a falta de acesso à internet; falta de acesso ao material escolar, problemas como transporte, faltam informações suficientes disponíveis, xenofobia e o principal e mais comum problema encontrado, a barreira do idioma.

No artigo intitulado Integração de Venezuelanos Refugiados e Migrantes no Brasil que é parte do programa “Building the Evidence on Protracted Forced Displacement: A Multi-Stakeholder Partnership” que foi estabelecido pelo Escritório de Negócios Estrangeiros, Comunidade e Desenvolvimento do Reino Unido (FCDO), Banco Mundial e ACNUR, são apontadas as seguintes soluções para a crise humanitária analisada:

Facilitar o processo de verificação e validação de diplomas e habilidades que irá minimizar o rebaixamento desnecessário educacional e ocupacional para o mercado de trabalho formal.

Ampliar a oferta de treinamento em idiomas para ajudar as crianças a se inscreverem na série de acordo com sua idade e que também pode promover maior empregabilidade para os adultos.

Garantir o apoio contínuo do ACNUR e da sociedade civil no fortalecimento de esforços do governo federal na realocação voluntária para áreas com mais oportunidade de geração de emprego e renda.

Desenvolver estratégias de intermediação de mão de obra focados com uso de conselheiros especializados que conhecem empregadores para os quais o idioma é menos importante ou procurem conjuntos de habilidades específicas.

Ampliar a capacidade das escolas, por meio da introdução de turmas matutinas e vespertinas, poderia ajudar a aliviar a superlotação em escolas e a reduzir o tamanho das turmas.

Fortalecer os programas de ativação do mercado de trabalho, que incluam a intermediação de empregos e treinamentos de habilidades e do idioma para ajudar a superar as dificuldades de colocação no mercado de trabalho.

Continuar a assistência aos venezuelanos no acesso a informações sobre emissão de documentos, acesso a serviços de educação, saúde e assistência social, e também sobre seus direitos sociais e garantias de acesso.

           

Através de nossa conferência livre para a construção do I Plano Estadual para Migrantes, Refugiados, Apátridas e Retornados de Minas Gerais chegamos as seguintes indicações para a criação da política pública:

 

Proposta 1: Criar um cadastro estadual que possibilite a realização de uma triagem que seja utilizado como processo legal de integração junto ao governo federal, forças armadas e ACNUR sobre a entrada dos migrantes no estado via estratégia de interiorização da migração. Permitindo melhor conhecer e alocar os públicos migrantes em regiões que possibilite um melhor uso das suas habilidades profissionais e facilidade de adaptação ao território.

Proposta 2: Capacitar os migrantes sobre os processos básicos de acesso as políticas públicas brasileiras.

Proposta 3: Capacitar os profissionais das escolas que receberão os migrantes através de formação continuada em trabalho.

Proposta 4: Ofertar a contratação de um professor para língua portuguesa para aulas extras aos migrantes alunos e seus familiares.

Proposta 5: Ofertar a contratação de professor da língua pátria dos refugiados para facilitar e mediar o processo de integração dos migrantes e facilitar a comunicação.

Proposta 6: Priorizar e ofertar cursos de capacitação profissional e técnico nas escolas que recebem públicos migrantes dando acesso e capacitação a essas famílias.

Proposta 7: Fomentar a criação nos municípios de uma rede de atenção básica e apoio a migração, sendo essa multidisciplinar envolvendo representantes das políticas públicas locais, poderes políticos e judiciários, sendo os envolvidos, capacitado previamente sobre a temática.

 

Para além das propostas citadas acima, o principal e mais preocupante problema de todo processo de interiorização da migração é sua falta de integração republicana e democrática com o poder público local. Ficou claro que a tentativa de inclusão é débil, seja via mercado de trabalho como aludimos acima, seja produtiva e quiçá financeira, o que em última análise levará a uma condição típica que sugere perigos presentes ao filme 7 prisioneiros.

Tal problemática que envolve a complexa relação entre Democracia e República que se evidenciou na ausência de comunicação e preparo e disponibilização aos poderes públicos locais da cidade de Espera Feliz dos instrumentos necessários para a boa consecução dessa política. Claramente, faltam República e Democracia nas ações propagadas na Estratégia de Interiorização, levando em algumas situações a sérios problemas que dificultam o alcance da cidadania tão almejada para os refugiados, migrantes, apátridas e retornados que procuram no Brasil a realização de um sonho e a concretização da esperança de uma vida melhor.


sábado, 4 de dezembro de 2021

LIVRO EM DEBATE: EM BUSCA DA NAÇÃO por ANTONIO RISÉRIO

NOTA PRÉVIA 

VOTO POSITIVO abriu um espaço para que leitores debatam suas interpretações sobre o livro Em Busca da Nação de Antonio Risério (Ed. Topbooks, 2020). Leitores que se interessarem pelo debate podem enviar seus textos. Sugerimos limite de 2 páginas (800 palavras) em Word para vgsouza@bol.com.br

O Editor.


EM BUSCA DA NAÇÃO

Por Ana Beatriz Camarinha[1]

 

A aproximação do ano de 2022 nos provoca a reflexão sobre uma temática centrada em um conceito que hoje vive o processo de desconstrução e esfarelamento: nação. Diante do bicentenário de nossa Independência, logo, do início de um debate acerca da criação de um projeto nacional fora dos controles portugueses, e de eleições – principalmente, de nível federal –, o tema “nação” e a posição da mesma na contemporaneidade brasileira se tornam pautas necessárias para serem postas em discussão.

Reunindo uma coletânea de ensaios, o livro Em Busca da Nação de Antônio Risério (Editora Topbooks: 2020), antropólogo, ensaísta, historiador brasileiro, herdeiro da Tropicália e peça presente nos governos Lula e Dilma Rousseff, particularmente no Ministério da Cultura do novo imortal Gilberto Gil, propõe questões fundamentais a serem analisadas. O título revela seu principal objetivo: encontrar, ou reunir meios para encontrar, a nação brasileira. E esse movimento acontece através da exposição crítica à posição em que a mesma foi colocada, distante do campo social e político, os desafios que a envolvem e os seus usos atuais. A ausência contemporânea – ou negação – dessa noção no espectro sociopolítico e até mesmo cultural tem sido, segundo o autor, gerada pela precariedade e o pouco avanço das discussões sobre democracia social e cultural, conjuntamente com o avanço agressivo do movimento de “fragmentarismo identitário-multicultural”.

Definir o conceito de nação é uma atividade complexa. Risério apresenta-a como uma criação histórica moderna, produto de misturas e diversidade. Diferentemente do Estado que se apresenta por um sentido político, a nação é identificada como uma entidade antropológica, cultural, que transcende os aspectos definidores comuns (bandeira, língua, território), abarcando uma comunhão de destinos. Isso não significa similaridades sociais, uma homogeneidade, mas a sintonia do modo com que os processos foram vividos por aquele grupo. Essa integração é dada por questões objetivas e pelo reflexo subjetivo sobre a consciência coletiva, de acordo com a apropriação teórica feita pelo autor do historiador Miroslav Hroch, em que a componentes como a memória, integração nacional e laços culturais são importantes. Nesse sentido, é igualmente interessante visualizar a aproximação do conceito como um universo simbólico, uma entidade imaginada responsável por promover a relação e a coesão social, quando o autor se apoia no pensamento de Benedict Anderson.

No entanto, com a fragilidade e perda do debate conjuntural e das agendas políticas partidárias, que se proporiam a pensar a categoria de povo além das separações identitárias, mas como agentes sociais presentes em um sistema complexo, cria-se um esfarelamento da concepção nacional e da identificação social que essa noção se propõe a gerar. O universo nacional se encontra cada vez mais inclinado à direita, não só pela fragmentação das esquerdas no campo político em face do crescimento da direita extremista, como através do processo do globalismo neoliberal que se apropria cada vez mais do movimento identitário realizado pelos grupos minoritários brasileiros em prol de seu mercado. Porém, se esse universo é, então, imaginado, criado, abre-se a possibilidade de reimaginarmos, repensarmos coletivamente e no campo democrático a nação brasileira.

Essa guinada, no entanto, não acontecerá como nos demonstra o autor, sem uma revisão histórica em nível sociocultural do Brasil e dos partidos políticos quanto as suas trajetórias. Faz-se necessário, logo, em meio a comemoração do bicentenário, retornar o olhar à Geração de 30 pós-centenário, em que a meta central dos artistas engajados se baseava no conhecimento da história nacional, a temática da mestiçagem no sentido da defesa da diversidade, com propósito de afirmar a nação.

Nademos contra a corrente que nos divide e caminhemos em busca da nação, em um sentido democrático e pensando a sociedade como um todo, ultrapassando as pedras do meio do caminho. Sim, em todo caminho há uma pedra – ou mais –, parafraseando Drummond, mas cabe a nós sabermos como permanecer em movimento, levantando a bandeira do povo: o agrupamento social e político dotado de agência e múltiplo em sua composição.



[1] Graduanda de História na Universidade Federal Fluminense (UFF).


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 25


 Senadores Getúlio Vargas  e Luiz Carlos Prestes  num comício (1947)

Olhai o “chuchu” no campo

Por Vagner Gomes de Souza

 

A história da reconciliação está muito próxima aos princípios do cristianismo anunciados no “Sermão da Montanha” nos quais muitos atribuem o título “Olhai os Lírios do Campo”. Nos anos 30, Érico Veríssimo escreveu um livro em que Olhai os Lírios do Campo atribui ao personagem Eugênio a tensão entre a ambição e a consciência de uma aliança social. A ascensão das camadas sociais deveriam ter “atalhos” numa década posterior a crise de 1929 ou bem aventurados seriam os pobres na Era Vargas.

O Estado Novo (1930 – 1945) foi um período de construção de uma nacionalidade pela via de um programa que se distanciou da possibilidade democrática após 1937 com apoio da grande oficialidade das FFAA (Forças Armadas). Esse eixo programático constitui está no subconsciente da sociedade brasileira na sua formação como Nação. Getúlio Vargas foi, e continua sendo, um personagem controverso em nossa História pelas nuances das alianças de cunho político e social que se fez na garantia, para mencionar um famoso exemplo, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que certa vez foi confundida metaforicamente como o Ato Institucional 5 da Ditadura Militar (1964-1985).

A volta de Getúlio Vargas a presidência da República na vitória eleitoral de 1950 poderia ser atribuída a uma busca de reconciliação nacional que analistas políticos se deixam levar pelo desfecho da tragédia do suicídio. Todavia o programa de um grande salto na economia pela via da industrialização é uma lição quanto ao debate programático nas campanhas eleitorais. Nesse momento as contradições entre as classes dominantes e subalternas foram eclipsadas pelo nacional e pelo popular. A democracia foi deixar de ser uma figuração como programa justamente pelas mãos dos comunistas do PCB, mas somente após 1958.

Isso exposto nos demonstra o quanto as linhas de nossa história política não se fez por linhas retas ou curvas. Nossa vida política está com inúmeros exemplos de ir e vir numa constante ziguezaguear o qual demonstra que ser prisioneiro de narrativas fará de muitos ativistas/militantes mais um           “negacionista” da natureza da Frente Democrática. A ideia de Frente não se aplica aos limites de uma disputa eleitoral, mas se constitui a partir da avaliação de uma conjuntura política. Há diversas naturezas frentistas (Única, Popular, Ampla, de Escquerda, Conservadora, Democrática, etc.) que ganham força na sociedade pela sua base programática.

Uma vez que a face política de uma Frente nasce de um debate de um programa político, as possíveis confusões de nivelações políticas seriam superadas até nas negociações dos atores políticos. Por exemplo, em Política, um diálogo amplo com inúmeros atores políticos não significa ser a realização de uma “Frente Ampla”. O debate “frentista” sem conteúdo programático é apenas uma “sopa de letrinhas” que recai na americanização das disputas eleitorais com cálculos de ganhos ou perdas de votos. Programa e sociedade em segundo plano o que coloca também a Democracia em perigo por mais que se derrote só eleitoralmente um candidato claramente autoritário nas urnas. Uma vitória de uma Frente Política precisa ser uma nova fase no processo político de um país.

Portanto, todos os nomes do campo democrático seriam bem vindos numa Frente Democrática com vistas as Eleições Presidenciais/Parlamentares e Regionais de 2022 no Brasil. A ideia de “Campo Democrático” necessita ter uma fundamentação programática a partir do que se inscreve na Constituição de 1988, o que não implica em simplesmente defender atos revogatórios de Emendas Constitucionais já debatidas e aprovadas. Democratizar não se faz sem exposições de justificativas políticas muito bem fundamentadas. Essa seria o melhor entendimento para que o “Campo” pudesse ter um pouco de “Chuchu”. A “invenção” na política brasileira é uma qualidade que alguns atores políticos souberam conduzir, mas sempre com uma linha programática. Caso contrário a política brasileira continuará na perigosa trilha da negação da política (diálogo/conciliação/reconciliação) que é o antiprograma desse Governo sem gestão.


sábado, 13 de novembro de 2021

POLÊMICA - NICARÁGUA NA COVA DOS LEÕES

O Sorriso do Jaguar

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em julho de 1986 Salman Rushdie, atendendo a um convite, viaja para Manágua (capital da Nicarágua). Várias semanas depois da viagem, ele ficou tão afetado pelo que vira que não conseguia parar de pensar e de falar sobre a Nicarágua. Como literato a forma de lidar com essa sensação era escrever. E assim nasceu O Sorriso do Jaguar: uma Viagem pela Nicarágua (Editora Guanabara) publicado em 1987.

Para Salman, os melhores momentos ocorreram ao ser entrevistado por Bianca Jagger, uma nicaraguense, para a revista “Interview”. Toda vez que ele se referia a um nicaraguense conhecido, de esquerda ou de direita, Bianca comentava, vagamente, em tom neutro: “Ah, sim, a gente namorou, faz tempo”. Essa era a verdade a respeito da Nicarágua. Era um país pequeno, com uma classe dominante minúscula. Os combatentes, dos dois lados, tinham todos frequentado a escola juntos, eram membros daquela classe dominante e um conhecia a família do outro, ou até, quanto aos Chamorro, vinham da mesma família; e todos tinham namorado uns com os outros. A versão de Bianca dos eventos, não escrita, seria mais interessante (e, com certeza, mais picante) do que a dele.

Por ocasião do lançamento do livro nos Estados Unidos da América, um apresentador de um programa de entrevistas, a quem desagradara sua oposição ao bloqueio contra a Nicarágua e ao apoio de Reagan aos “contras”, que tentavam derrubar o governo sandinista, perguntou-lhe: “Senhor Rushdie, até que ponto o senhor é um inocente comunista útil?”. Com uma gargalhada — o programa era ao vivo —, Salman aborreceu o apresentador mais do que com qualquer outra resposta que tivesse dado. Mas aqui começa o espinhoso problema da definição de crimes e presos políticos.

Na grande maioria dos países onde houve, há ou haverá presos políticos, existem leis que criminalizam certos atos políticos. No México existe, em Cuba idem, e as normas hoje vigentes na Nicarágua punem qualquer conexão com financiamento externo a organizações não governamentais (ONGs), um crime tipificado na lei desse país.

Se voltarmos às ditaduras na Ibero-América nos anos 1970 e 1980 ou às leis — incluindo as de Nuremberg — da Alemanha nazista, veremos que o problema não é o fato de um comportamento político violar a lei ou não, porque as ditaduras tendem a ter leis que proíbem certas atividades políticas, principalmente aquelas que buscam acabar com a ditadura.

Portanto, não é apenas o crime em si que define o caráter do preso político. Um preso também pode pertencer a esta categoria se violou uma lei perfeitamente formulada e/ou cometeu um ato contrário a uma ditadura sem violar nenhuma lei, como aconteceu várias vezes na História. Em outras palavras: a definição de “preso político” é sempre movediça, pois, de acordo com o regime, amplia-se seu entendimento para incluir outras tipificações, quiçá várias, “ad infinitum”.

Nesse sentido, até a imprensa nicaraguense foi, é e será presa politicamente, além de pré-candidatos, estudantes, dirigentes rurais e defensores dos direitos humanos. Tanto ela quanto outros atores podem ou não ter cometido crimes. E aí surge o problema do Poder Judiciário e do devido processo legal com condenações e absolvições. Mas não se pode responder às acusações em liberdade?

Aqui no Brasil se usou de tudo para prender os mandatários eleitos no período 1945-1950, bem como outras pessoas, a despeito da autoridade ter ou não a certeza (outro terreno de difícil sondagem, o que versa sobre a formação da convicção) de que cometeram os crimes de que eram acusadas. Em vez disso, trata-se de razões, motivações e impulsos políticos por parte dos governantes. É por isso que a experiência das eleições nicaraguenses em curso é especialmente escandalosa.

O fato de os juízes terem negado mais de uma vez as fianças da oposição nicaraguense mostra claramente a intenção política de suas prisões, bem como a impossibilidade de estes atos serem corrigidos antes de existirem condições políticas — não jurídicas — para uma retificação. Por isso é que, apesar das ilusões e dos equívocos de certos entusiastas e suas notas sobre o processo eleitoral nicaraguense, está claro que os aspectos jurídicos que o envolvem são praticamente irrelevantes.

O estranho é que um governo desse tipo recorra a tais práticas depois de ter visto o que aconteceu no seu passado. Poucos países na Ibero-América têm um histórico tão longo — a contar do período colonial — de presos políticos. Mas onde manda o capitão não manda o marinheiro. Esta é a Nicarágua de Daniel Ortega: idêntica ou pelo menos semelhante à Nicarágua da grande maioria dos governos daquele país bicentenário.

 

Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2021



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

domingo, 7 de novembro de 2021

BOLETIM ROMA CONECTION/NÚMERO 10 - QUE FAZER COM A EDUCAÇÃO?

Anísio Teixeira


Apagão Educacional

 

Tiago Martins Simões[1]

 

Apesar de decorrido já algum tempo desde o início da pandemia, ainda há que se falar abertamente sobre a crise educacional. Não é uma crise exclusiva da pandemia porque esta é mais ampla e porque existe um tanto de mau caratismo em creditar a ela boa parte dos problemas atuais. De toda forma, ela agrava o problema e cria tantos outros.

Existe algo de muito nítido que a pandemia revelou, ao menos à maioria dos educadores e estudantes: o ensino remoto não é e não funciona, nem de perto, como substitutivo ao presencial (não devemos jamais cair no equívoco de aproximar essa situação ao conceito de ensino híbrido; são coisas completamente distintas). Quando muito, ajuda a potencializar uma educação que acontece dentro de algum espaço onde as alunas e alunos se encontram, quando estes possuem recursos físicos (internet e computador com definições mínimas) e humanos (alguém com tempo e formação mínima), o que não é a realidade da maioria dos estudantes brasileiros. Este é um problema que a pandemia colocou porque, com isso, ela estancou o processo educacional de milhões de crianças, jovens e adultos.

Outro ponto importante é que a(s) crise(s) possuem efeitos distintos, a depender da região, faixa etária, sistema de ensino, dentre tantos outros fatores. Precisamos resistir e não realizar generalizações sem discutir aspectos regionais e circunstanciais. Ainda não temos um diagnóstico bem definido na política; pelo contrário, existem nuvens de fumaça, quando não há miopia. Mais grave ainda é o fato disso acontecer no nível da gestão educacional.



 Um jovem russo em 1887

A começar pela condução do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação, que voltaram suas energias para salvar os anos letivos, criando continuidades entre os anos de 2020 e 2021. Suas resoluções e pareceres[2] mencionaram constantemente a avaliação da aprendizagem das alunas e alunos como critérios norteadores das subsequentes políticas. Pois bem, as políticas educacionais estão à deriva, tocando o barco para cumprir a legalidade do currículo, seja em dias ou horas letivas.

Além do problema das matrículas (democratização do acesso), Anísio Teixeira apontava já em 1952, pela ocasião de sua posse no INEP[3], a inadequação da educação pública básica e superior às necessidades do país à época. Pauta importante e tão cara quanto outras a personagens progressistas, que fora colocada por ele ao lado de temas estruturantes como o da reforma agrária. Naquela época já se falava na importância da formação educacional para processos industriais e tecnológicos. Hoje, vivemos dois fracassos: o de, quase 70 anos depois, continuarmos completamente inadequados às necessidades do país, inclusive em termos tecnológicos; e o da profunda carência de uma diagnose do apagão educacional (agravado pela pandemia).

A gestão (não só do Governo Federal) não está encarando a crise de frente. Abrir escolas sem traçar diretrizes para a recuperação do déficit de aprendizagem[4] joga o problema pra frente que, para muitos, está logo ali (como na questão hodierna dos alunos e alunas que farão o ENEM ou estão para terminar os segmentos de ensino). É insuficiente a política de recursos humanos e formativos dos profissionais (não regulamentação de auxiliares para Fundamental 1; incompletude da transformação das escolas em turno único/integral e sua consequente incompatibilidade com a atual carreira de professores de educação infantil e Fundamental 1 são alguns pequenos exemplos), assim como é insuficiente o direcionamento da reorganização curricular e da carga horária. Não há previsão ou orientação da recuperação do déficit (qual déficit?) dos alunos e alunas mais afetados pelo apagão - eles e elas estão no mesmo bolo dos demais, e cabe às escolas criarem estratégias a partir de um desenho pouco favorável, se assim desejarem. A municipalização do ensino, defendida inclusive por Anísio Teixeira, que também deixou legados como o da educação integral, tem autonomia para colocar remos contra essa maré liberal. Vai depender de quais compromissos vão assumir.



1 Professor do Município do Rio de Janeiro - Segmento Fundamental I. Doutor em História pela FGV/CPDOC.

2 Em especial o Parecer CNE/CP N.º 15/2020 do Conselho Pleno Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação.

3 Teixeira, Anísio. A Educação e a Crise Brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. Também disponível eletronicamente em http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/discurso2.html.

4O déficit sequer está sendo revelado - as avaliações diagnósticas do Município do Rio de Janeiro estão completamente mal calibradas (para baixo) com relação às expectativas de aprendizagem de suas séries correspondentes, até mesmo se tomarmos como parâmetro a priorização curricular traçada pela Secretaria Municipal de Educação.