quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 030 - A EDUCAÇÃO POLICROMÁTICA DO POVO BRASILEIRO


Batalhas da Educação e os números do Censo de 2022 

“(...)“as identidades são benções ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como dizer quando um se transforma no outro.” 

Zygmunty Bauman, 2005

 

Vagner Gomes de Souza

O censo demográfico brasileiro, pelas circunstâncias do acaso, se fez no bicentenário da independência do Brasil. Foi também o centenário de Darcy Ribeiro que nos brindou com O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil (1995) – um livro que está merecendo ser lido pelos gestores do Ministério da Igualdade Racial na perspectiva de destravar a política de Frente Democrática nesse segmento.

Os números que agora vem a público informa que a sociedade brasileira se reconhece “parda” na classificação por cor ou raça. Pela primeira vez na história, o número de pardos supera aqueles que se declaram brancos naquilo que um autor polêmico, Antonio Risério (que é do estado da federação que mais se declarou de cor preta) poderia classificar como a vitória de uma mestiçagem.

Todavia, os números surgem numa época de polarizações nas redes sociais.  Muitos desavisados da “revolução passiva” sempre constante na sociedade brasileira correm para somar pardos e pretos numa ansiedade pelo reconhecimento da identidade afro-brasileira acima da pluralidade de cores de nosso país. Esse atalho pela via das narrativas faz emergir leituras mais próximas da modelagem da identidade num mosaico de grupos fragmentados. A liberdade avança sem que se reconheça uma história de políticas públicas com suas bases na educação.

Voltemos ao mesmo Darcy Ribeiro que foi senador (1 de fevereiro de 1991 a 17 de fevereiro de 1997) com suplência de Addias Nascimento. Darcy tinha uma preocupação com a formação política de seu Gabinete através da revista “Carta” que ainda mereceria estudos no mundo acadêmico. Na segunda metade de seu mandato, o intelectual-provocador de debates cede espaço para um articulador político. Assim, em 1995 assumiu a relatoria da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Era uma oportunidade de levar seus estudos para o mundo real.  O Brasil ainda engatinhava em uma nova ordem constitucional na Carta de 1988 – que merece ter uma Semana de Celebração nas Escolas Brasileira. A LDB seria o alicerce para a alfabetização, o cultivo dos jovens, a qualificação profissional, a formação superior. A assumir a relatoria do projeto de LDB, ele surpreendeu a todos com um substitutivo que praticamente reiniciava todo o debate consolidado em sete anos e foi muito criticado por segmentos de uma esquerda refém do corporativismo na educação. A LDB seria o alicerce para a alfabetização, o cultivo dos jovens, a qualificação profissional, a formação superior[1].

A educação brasileira ganhou então um pouco do perfil do pensamento social exposto no livro de Darcy Ribeiro de 1995. Está seria nossa primeira hipótese para vislumbrar que os avanços nos índices educacionais em quase três décadas da LDB nos permitiu a ascensão dos pardos nos números do IBGE uma vez que a legislação permitiu uma diversidade ao ensino brasileiro incluindo e destacando em seu primeiro artigo: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”

Na sequência, o sociólogo Florestan Fernandes, então Deputado Federal, batalhou pela mudança na LDB que fez surgir a Lei 10.639/2003 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. A lei foi promulgada em 9 de janeiro de 2003, como se fosse um presente da transição de governo do também sociólogo Fernando Henrique Cardoso (autor de Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata no Rio Grande do Sul em 1962, um instigante livro para ser lido em comparação com os números atualizados do Censo referentes aos gaúchos de onde surgiu Vargas) para o primeiro mandato de Lula uma vez que todo debate legislativo ocorreu anteriormente.  

Em mais de 20 anos dessa lei, que foi modificada pela Lei 11645/2008 em atendimento ao reconhecimento dos povos originários, não se fala mais no acerto do executivo em seu veto ao parágrafo terceiro que defendia uma “cota curricular” na disciplinas de História e Educação Artística como se lê:

“§ 3o As disciplinas História do Brasil e Educação Artística, no ensino médio, deverão dedicar, pelo menos, dez por cento de seu conteúdo programático anual ou semestral à temática referida nesta Lei."

A mensagem de veto é uma aula de gestão pública nos princípios republicanos e democráticos ao se referir num base nacional curricular “o referido parágrafo não atende ao interesse público consubstanciado na exigência de se observar, na fixação dos currículos mínimos de base nacional, os valores sociais e culturais das diversas regiões e localidades de nosso país” (extraído da mensagem de veto).

Portanto, em dois momentos de mudanças na educação brasileira, em que temos a presença de intelectuais com contribuição ao pensamento social brasileiro, podemos perceber avanços nesse território que permitiu o reconhecimento da ascensão dos mencionados pardos. Não foram as mudanças gramaticais e muito menos as polêmicas em torno de temas linguísticos que teriam moldado esse ponto de inflexão no censo demográfico de 2022. Nesse momento, temos que seguir atentos para o resgate da educação depois de anos deixada alheia de um debate que se faça ouvir aquilo que ainda restou de intelectualidade na vida pública. Pois, as leituras hipermodernas poderão ser usadas contra nossa democracia. 


[1] Fonte: Agência do Senado https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/09/darcy-ribeiro-o-legislador Consultado em 26 de dezembro de 2023. Reportagem: Guilherme Oliveira

 

domingo, 24 de dezembro de 2023

COLUNAS DA CASA VERDE - ARGENTINA & CHINA

Argentina e China - Pela superação do atraso!

A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. -  Karl Marx.

Por Lucas Azedias

 

Para os supersticiosos, passar por baixo de uma escada traz consigo uma sentença de azar. Para outros, isso é apenas uma crendice. No entanto, não é a mesma coisa que dizem quando trocamos o "passar por baixo" para "chutar a escada". Nesse caso, o que poderia acontecer? Respondo: chutar a escada pode nos render alguns dedos quebrados ou, no pior dos casos, uma economia quebrada. Parece confuso, meio cômico e trágico, e de fato é. Deixe-me, portanto, dar alguns passos atrás para avançar alguns outros.

Publicado no ano de 2002, o livro "Chutando a Escada - A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica", escrito pelo economista sul-coreano Ha-Joon Chang, traz algumas reflexões sobre os processos históricos que culminaram na hegemonia dos países industrializados no Ocidente. No desenrolar de sua pesquisa, Chang continua questionando a forma como os economistas dos países altamente desenvolvidos fomentaram, nos países emergentes, políticas econômicas neoclássicas, quando, em seus países, seguiram por outros caminhos, como ilustra em "23 Coisas que Não nos Contaram sobre o Capitalismo: os Maiores Mitos do Mundo em que Vivemos". A ortodoxia econômica denunciada por ele, neste contexto, refere-se ao anacrônico laissez-faire (com o fim decretado por Keynes desde 1926) e às ditas teorias liberalizantes que o cercam.

O que, então, tal tema tem a ver com o vozerio da Presidência da Argentina? Vejamos: a obra de Chang pode colaborar para esclarecer os possíveis destinos para a Argentina ao adotar as palavras de Javier Milei em sua última campanha presidencial. No entanto, a história é feita de processos, e aprender com eles é fundamental para aqueles que partem deles para fazer a política acontecer. As primeiras medidas adotadas por lá não são ipsis litteris as da campanha.

Atualmente, o governo argentino, que adota agora um tom mais concreto em suas ações e discursos, já começa a ver o mundo real descortinar à sua frente. Após as recentes e inúmeras controvérsias envolvendo a China, um dos principais parceiros comerciais do Sul Global nos últimos anos, dá alguns sinais de que as tratativas diplomáticas podem ajudar a retirar o entulho ideológico que nada tem a ver com a vida real. Nosso país vizinho pode até chutar a própria escada, mas dá sinais de que não o fará, haja vista sua delicada situação. A China, por outro lado, que nada tem a ver com isso, tem em mãos a possibilidade de ajudar a não se chutar a escada para não dinamitar as esperanças do povo argentino.

A forma como o governo argentino resolverá seus impasses certamente será observada na geopolítica global; e o Brasil tem a missão de observar atentamente o desenrolar desta história, estreitando, na esteira disso, ainda mais os laços com a China para colaborar com o parceiro do MERCOSUL.

 

 

 

 

 

 

sábado, 23 de dezembro de 2023

SÉRIE ESTUDOS - WONKA NOS 90 ANOS DO LIVRO CACAU DE JORGE AMADO

Wonka e a Utopia em Chocolate

Giovana Freire, Valença-Rj

 

 Com toda a cor, encanto e nostalgia que Willy Wonka o lúdico e ilustre dono da fábrica de chocolates, trás a nós que fomos criados assistindo as diversas releituras do personagem clássico de “A Fantástica Fábrica de Chocolate de 1971 estrelando Gene Wilder”, visto que já havia o encanto e ensinamentos em torno de “A Fantástica Fábrica de Chocolate de 2005 estrelando Johnny Depp”, e até a participação de “Crispin Glover em Deu a louca em Hollywood em 2007”. Leituras cinematográficas que, muitas vezes, nos faz esquecer o livro do galês Roald Dahl, escrito em 1964.

 Já o atual filme “Wonka” - estrelado pelo jovem talentoso Timothée Chalamet - estreou nos cinemas no dia 07/12/2023 com uma nota verde, ou seja, positiva, e aclamado pela crítica como em Entertainment Weekly foi publicado que “Wonka lembra que a vida se torna mais doce pelas pessoas com quem a compartilhamos”. A ideia de Richard Sennett em valorizar o encontro entre os sujeitos humanos se faz presente nesse compartilhar e sonhar.

Tendo tudo isso em mente, vamos direto ao ponto que nos interessa um filme infantil por assim dizer que faz amplas e concretas críticas sociais intensas ao capitalismo e ao monopólio empresarial e financeiro. O humor ácido e até constrangedor quase que como se fins dos “filmes musicais” mascarassem o trabalho análogo a escravidão, o trabalho infantil e até a alta taxa de analfabetismo “sim, o clássico Willy Wonka criador da maior e melhor fábrica de chocolates do mundo do cinema; não sabia ler”. Lembremos como a literatura infantil enfrenta hoje a concorrência do mundo digital na educação.

Na “Galeria Gourmet”, onde se passa todo o enredo do filme, e que também é dominada pelo “Cartel do chocolate” são os três caricatos mestres-chocolateiros, que monopolizam o império dos chocolates e assim como vivemos constantemente em nossa sociedade de desiguais.  O Jovem Wonka planejando mostrar seus chocolates voadores ao mundo. Cena impecável e nostálgica que poderia ser revista por horas e não seria pesado aos olhos. Uma vez que a leveza da cena nos inspira em projeções para um futuro.

Willy almeja que sua mãe o encontre e cumpra uma antiga promessa, pois ela nunca passou a receita secreta do chocolate como se fosse uma necessária doutrina. O filme, a todo momento, demostra que, de tão diluído os produtos de “Wonka” mal se qualifica como chocolate, pois tudo que seria sólido se desmancha no ar. Com suas invenções mágicas e coloridas, criadas a partir de ingredientes multiculturais e até impossível para o mundo de um adulto mas que causam fixação a nossa criança interior, muito mais nos sentimentos que causam ou evocam, o jovem Willy é uma ameaça porque pode mostrar aos clientes da “Galeria Gourmet” que eles poderiam ter algo a mais.


Após Wonka se encontrar falido em uma cidade é abordado e levado até um “hotel” onde é enganado ao assinar um contrato sem “ler as letras miúdas” fica trancafiado e trabalha em uma lavandeira onde cantam o que [particularmente é a música que não saiu da minha cabeça], “esfrega, esfrega”, lá ele encontra a Calah Lane que interpreta Noodle, uma órfã que que era a verdadeira herdeira do “Império chocolateiro”, porém para isso peço que assistam ao filme e sintam todas essa emoção que conta também com uma semana dos dois ordenhando uma girafa para uma das crianças do chocolateiro mágico.

 Nesse meio tempo Willy conta a Noodle que recebe a visita do “Homezinho laranja de cabelos verdes” que é estrelado por Hugh Grant no papel de Oompa-Loompa, que atrás de pega chocolate por vingança pela perda de seu “cacau”. Esse personagem que desde sua aparição e reaparições repentinas e sem aviso prévio causam boas risadas e ótimas musicas que lembram justamente os clássicos.

Após diversas e continuas tentativa. Finalmente Wonka e sua frente ampla vencem o monopólio financeiro, porém lembra-se da “Wonka mom?” Wiily passou o filme inteiro segurando uma barra de chocolate feita por ela, e esperando sua presença. Então finalmente o protagonista resolve abri-la e encontra um bilhete onde descobre que nunca houve nenhum segredo no chocolate e sim que o importante era que o mesmo fosse compartilhado.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

SÉRIE ESTUDOS - 90 ANOS DE CASA GRANDE & SENZALA


Rumo ao centenário de Casa-Grande & Senzala

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em dezembro de 1933, publicava-se no Brasil obra fundamental para o conhecimento que até então se tinha sobre a formação da nossa civilização: Casa-grande & Senzala - formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, do intelectual pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987). Para marcar os 90 anos deste livro que revolucionou os estudos sobre nós brasileiros, a Global Editora lança uma edição especial comemorativa limitada com capa dura desta obra icônica.

Além de trazer os elementos já presentes, a versão atual traz também a apresentação de julho de 2003 do professor e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e dois cadernos iconográficos. A nova edição brinda os leitores com um conteúdo adicional especialmente produzido para ela: um posfácio de julho de 2023 escrito pela professora e historiadora Mary Del Priore e um terceiro caderno iconográfico, o qual oferece um passeio imagético pelas obras de pintores e desenhistas que contribuíram para as diversas edições de Casa-grande & senzala publicadas ao longo de nove décadas.

A pintura que estampa a capa desta nova edição é de autoria de Cícero Dias (1907-2003), pintor pernambucano reconhecido internacionalmente e que foi amigo de Gilberto Freyre. A obra pertence hoje ao acervo da Fundação Gilberto Freyre. É também de Cícero a famosa pintura do Engenho Noruega que vem encartada nas edições de Casa-grande & Senzala da Global Editora.

Ancorado em ampla pesquisa realizada em bibliotecas e arquivos brasileiros e estrangeiros, Gilberto Freyre construiu uma poderosa análise sobre os traços e desafios fundamentais da formação da civilização brasileira. As virtudes e os vícios da nossa colonização predominantemente ibérica no Brasil, a enorme contribuição das diversas populações indígenas e africanas na formação da identidade brasileira, tudo reconstituído a partir de uma perspectiva inovadora: lançando luzes sobre os aspectos cotidianos que estiveram presentes nas permanências e transformações de uma civilização caracterizada pela miscigenação.

Nesses vinte anos entre a apresentação do livro perene de 2003 e o posfácio do castelo de mil portas de 2023, mais de uma grande quantidade de obras, cuja grande maioria corresponde à trajetória também internacional dessa obra, foram publicados sobre Casa-grande & Senzala e o pensamento de Gilberto Freyre. Sobre sua ação como político, constituinte e deputado ainda a uma longa avenida a ser percorrida. Poucos anos depois do trigésimo aniversário da sua partida e poucos meses antes dessa edição comemorativa, buscamos aqui numa série de textos por essa efeméride, aludir ao interesse renovado e sempre ampliado, nacional e internacionalmente em estudá-la, seguir encontrando e reencontrando seu lugar e seu significado no desenvolvimento do pensamento social brasileiro na contemporaneidade, para o qual, como todos reconhecem, deu contribuições originais e duradouras.

Mas, o que significa isso? O que significa hoje refletir sobre Casa-grande & Senzala? Nas esferas brasileiras e ela no planeta é, sobretudo, o testemunho irrefutável do reencontro, cada dia mais profundo, depois de nove décadas, entre o movimento democrático de uma civilização que avança para a conquista de sua maturidade política e a direção das lutas dos outros brasileiros pela sua república, e a memória de mulheres e homens a quem deve a contribuição fulcral para o nascimento das suas primeiras organizações civilizatórias, societais e políticas brasileiras, e a ainda fecunda matriz de uma teoria e de uma orientação estratégica democrática e republicana na civilização brasileira.

É nesse sentido que o debate decenal rumo ao centenário de Casa-Grande & Senzala exige repensar nossas perspectivas e contribuições, confrontando as tendências atuais globais e as opções civilizatórias planetárias. Porque é no movimento de reflexão de Gilberto Freyre onde estão, sem dúvida, contidos alguns dos elementos decisivos da renovação do debate epistêmico, teórico e político que está em curso. Isto não significa, obviamente, que deixou de ser relevante e importante seguir com o que já se conquistou anteriormente, mas ao explorar o território continente Casa-Grande & Senzala sobretudo em relação à história teremos novas projeções futuras alicerçadas nas anteriores de conhecimento no caminho de um mundo plenamente democrático.

 

Rio, 20 de dezembro de 2023



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

SÉRIE ESTUDOS - QUESTÃO MERIDIONAL CARIOCA


Era uma vez o Jogo do Bicho 

Pablo Spinelli 


Há um raro e incomum interesse por parte de um setor da classe média carioca acerca de um tema que tem um corte transversal na política, na economia, na cultura e nas agruras do Rio de Janeiro, seja a cidade ou o Grande Rio. É a série documental lançada em novembro pelo streaming Globoplay: 'Vale O Escrito - A Guerra do Jogo do Bicho”, a respeito de personagens do mundo da contravenção e outras coisinhas mais. O mesmo streaming lançara em 2021 com muito sucesso o documentário “Doutor Castor”, acerca de Castor de Andrade, aquele que seria considerado o Capo di tutti capi (chefe dos chefes) termo contrabandeado da organização siciliana “Cosa Nostra”, vulgarmente chamada de máfia nos EUA e aqui - que não é exclusiva dos italianos, pois há a irlandesa e a judaica, representadas pelos filmes Os Infiltrados (2006) e Era Uma Vez na América  (1984) - fora as mais diversas espalhadas por todos os continentes.  

Nessa toada, Vale o Escrito pode ser visto como o desdobramento de “Doutor Castor” (ver antes essa série e ler o livro Os porões da contravenção: Jogo do bicho e Ditadura Militar: a história da aliança que profissionalizou o crime organizado) por onde somos guiados por viva voz pelos sobreviventes da Velha Guarda – o ex-capitão do exército Aílton Guimarães e o José Scaffura, o Piruinha e adentramos no universo da nova geração, com foco no que restou da Família Andrade – especialmente o sobrinho, Rogério e da Família Garcia, as netas gêmeas de Miro Garcia, filha do intempestivo “Maninho”. Ao longo de sete episódios temos um flerte com a história recente do país e com a sociologia e antropologia urbanas. Percebe-se que a presença do ex-capitão do Exército foi fundamental para dividir a cidade do Rio de Janeiro em áreas de influência como a Partilha Afro-asiática do Imperialismo. Antes que detratores da formação do país associem com as Capitanias Hereditárias vemos na série que a hereditariedade não é posta como algo de consenso sem coerção.  


Nas palavras do criador da série, Fellipe Awi , o interesse foi despertado a ele porque "Sempre me impressionou que, em pleno século XXI, uma atividade ilegal funcionasse ainda à luz do dia em qualquer esquina da cidade e, principalmente, mantivesse uma estrutura típica de máfia. Além da divisão de territórios, existe essa tradição quase monárquica da liderança dos negócios passada de pai para o filho mais velho"i. A despeito dos fatos narrados na série contradizerem a “nostalgia imperial” do criador pois, nem sempre rei morto será príncipe posto, cumpre destacar que a hereditariedade é marca das mais diversas esferas de ação, seja à margem da lei, como patronos da cultura carioca que permitiu com o mecenato do poder paralelo aquilo que já foi subvencionado pelo Estado Varguista – ou seja, a margem da lei não é tão diversa da cultura política do Estado – seja também em áreas como música, futebol, política, teatro, igrejas,  universidades e, claro, jornalismo. Antes que um universitário cheio de USP no sangue diga que isso é do “homem cordial” como a sarcástica narração de Pedro Bial faz supor na série, lembremos dos Kennedy (EUA), Fujimori (Peru), os Mendes Godinho (Portugal), Luksic (Chile), Grosvenor (Inglaterra). A tradição vem das monarquias e entrou no mundo empresarial, portanto, aquilo que é visto como mafioso na esquina da cidade é uma ponta do espírito empreendedor e do self-made man por aqui. O que seria somente nossas raízes ibéricas tem muito de americanismo, basta ver que a grande referência valorativa para um representante da nova guarda é um filme americano, O Poderoso Chefão.  

Sobre a Nova Guarda há um paralelo com a diacronia no mundo da política e das ações societais da juventude. Paradoxalmente, os mais novos são mais ibéricos que os pais. Nasceram em rico patrimônio, nascidos na Zona Oeste Mall, não tem pudor em ostentar marcas ou a si mesmos. Sem juízo de valor é como se Abel, Moisés, Adílio fossem substituídos por Gabi, Kaká e Yuri Alberto, ou ainda, saem Monarco e Almir Guineto para entrar Silva e João Martins.  Um certo ar gourmet. Sai o talonário de apostas e entra o game. A virada do século XXI parece que goumertizou essa “garotada”, o que implica numa atomização - que gera mais violência, mais fragmentação - com a perda do centralismo democrático da “Cúpula” ou Comitê Central no “Partido dos Trabalhadores do Bicho”, metáfora usada pelo “Capitão” Guimarães, cuja eficácia é a presença de “diretórios” em todos os municípios do Estado.  


A série, com um episódio dedicado a um perfil do mundo da contravenção com mais ênfase no sangue do que nas rosas, representadas pela fala de Neguinho (ainda pode ser chamado assim?) acerca do libanês Aniz A. David. É muito bem editada, com depoimentos importantes, e põe luz à metástase societal carioca na relação entre milícia, mundo do bicho, política e, mídia, numa discreta autocrítica a mostrar a relação da Globo com os patronos do Carnaval. Por fim, mas não menos importante, como diria o engenheiro Leonel Brizola, o Rio de Janeiro é a “caixa de ressonância” do Brasil, logo, vemos a ex-juíza Denise Frossard como o experimento laboratorial da toga da velha UDN no mundo da política. O resenhista não sabe explicar a causalidade, mas curiosamente, foi ali que o Rio faliu. E jovens, uma indagação: como aguentam assistir a 7 episódios de 50 a 60 minutos de uma só vez, mas não vão ao cinema ver um filme de 2h30? Respostas para o autor desse VOTO POSITIVO.  

sábado, 16 de dezembro de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 029 - UM BALANÇO SOBRE A EDUCAÇÃO

Educação e Futuro da Democracia

Vagner Gomes de Souza

 

Estamos num ano de encerramento do ano letivo no país. Valeria um balanço do primeiro ano de gestão do Ministério da Educação no Governo Lula – Alckmin. Como em diversos segmentos do governo, observamos que a Frente Democrática ainda se encontra desafiada pelas mazelas da pandemia no qual o antecessor nada fez como se a sociedade estava aprisionada a um “Game”. Essas seriam, em breves linhas, nosso balanço para que a educação tenha um trabalho contínuo para que o futuro da democracia não esteja sob ameça.

Os números das avaliações indicam o retrocesso na educação brasileira em apenas quatro anos. Esse retrocesso colaboraria com o negacionismo científico em inúmeras situações. Por exemplo, se um aluno do ensino médio explica com naturalidade que as chuvas caem porque há nuvens acionadas pelos raios, observamos que estamos no limiar do “fundo do poço”. Imagine os olhares de desconhecimento para temas da saúde, por exemplo, a diabetes.

Seriam dois temas em que suas habilidades estariam abordadas no ensino fundamental. Aliás, diversos especialistas em educação adoram enumerar que a situação do ensino fundamental estaria melhor que no ensino médio. Dependeria dos parâmetros a quais se referem. Muitas vezes usam os números de evasão escolar e de aprovação nessas opiniões comparativas. Muitos se silenciam sobre os impactos de uma “aprovação automática” disfarçada e, sem critérios pedagógicos, uma fantasia de relatórios que ficarão a ser lidos pelos “ratos da História”.

A manutenção do gestor no Ministério da Educação, ainda que haja ajustes a serem feitos, seria um desafio no comparativo a gestão anterior. Aos poucos, a Secretaria de Ensino Superior consolida um perfil mais expansivo na abertura de novas vagas no ensino universitário público. Todavia, assim como os alertas sobre o ensino básico, devemos estar atentos a descaracterização do ensino EAD que seria mais complementar, porém está assumindo força sem um balanço. No nível do Ensino Básico, a necessidade de uma melhoria na articulação política do Ministério com os entes da federação seria urgente.

A inserção das mudanças ao projeto original de ajustes ao Novo Ensino Médio, relatado por um parlamentar de um partido da base do Governo, não pode ser visto como se fosse um revanchismo político ou com a nova onda do neoliberalismo pedagógico. Números de aulas aula não são critérios para serem polarizados num debate político sobre a Educação. Ser mais criterioso nas ofertas de ensino presencial se faz necessário uma vez que a juventude pobre tem todas as cores e o princípio da universalidade do acesso a educação pública deve atender todos os segmentos sociais. Os ajustes necessários no Novo Ensino Médio devem agregar esse princípio político republicano e democrático.

Apesar dos deslizes sobre as manifestações de alguns assessores sobre o ensino nas escolas civil-militares, devemos sempre estar abertos a inclusão de todas e todos. Vejam um exemplo do governo de Centro-esquerda da capital carioca para perceber que a ascensão do Partido dos Trabalhadores a gestão municipal não foi condicionada a suspensão desse projeto em algumas unidades escolares. Esse amadurecimento deveria se espalhar para outras esferas do Governo Federal.

Ainda temos o desafio da leitura e escrita numa sociedade cada vez mais digitalizada. O Ministério da Educação, com auxílio de especialistas da educação e da saúde, precisa promover uma campanha de esclarecimento aos pais e a juventude sobre o uso excessivo dos canais digitais em celulares. A ansiedade na juventude provavelmente cresceu nas últimas décadas e a educação está se adaptando com o problema ao contrário de ser um espaço para fazer valer a orientação educacional. Se um professor não pode criar suas regras de convivência com as novas tecnologias na unidade escolar, tudo é fruto da ausência de uma parceria com a família. Esse debate deve incluir os responsáveis para que tenhamos uma melhor valorização do uso do tempo livre para o lazer e a leitura. Todavia, faltam espaços públicos federais apresentados uma diversidade de programação cultural. Enfim, está faltando diálogo entre os Ministérios da área social. Esse seria o papel de um Ministro da Casa Civil promover.

Um Brasil de livros se faz com leitores motivados nas escolas e nas famílias. Não se cria mais leitores com disciplinas como “Circulo de Leitura” ou “Rodas de Leituras”. Essas iniciativas são sinalizações de estimulo pedagógico que precisam ser acompanhadas por outras iniciativas, por exemplo, “Caravanas dos Livros” (levar bibliotecas móveis em comunidades da periferia). Por fim, diante de um Governo que deseja ter a marca na busca da igualdade de gênero, não podemos ter ainda um enorme déficit de creches públicas no país. E Creches que estejam abertas até 18 horas, pois temos as creches que encerram suas atividades às 15 horas diante do silêncio de parlamentares até do campo da Esquerda.