domingo, 26 de novembro de 2023

SÉRIE ESTUDOS - SOBRE A DIABETES E O CINEMA


Pela Saúde da Lua das Flores

 

Para a Amiga Nísia Trindade Lima

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

No último dia 14 de novembro aconteceu a edição de 2023 do dia mundial de prevenção e controle da diabetes. No filme lançado em outubro passado Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese a partir do livro de igual título de David Grann de 2017 e aqui em 2018, o diabetes é apresentado com destaque: a protagonista Mollie é membro da tribo Osage baseado principalmente no condado de mesmo nome em Oklahoma na década de 1920. Os Osage são um povo indígena dos Estados Unidos da América que pode ser encontrado em toda a América do Norte. Os Osage geralmente morrem antes dos 50 anos de idade de uma "doença debilitante", Mollie morreu (como Gramsci) em 1937 devido a diabetes aos 50 anos. Aqui entre nós estamos desde janeiro na Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da desassistência à população Yanomami. Se entre nós a desnutrição é a principal mazela dos Yanomamis, os Osage e os demais indígenas norte-americanos têm algumas das taxas mais altas de diabetes em todo o mundo.

Fruto de uma ampla pesquisa o livro e o filme, ao lançar luz sobre o diabetes que acomete os Osage trazem a oportunidade de observarmos as últimas duas décadas, onde estudiosos atentos às lições do saudoso Giovanni Berlinguer quanto aos fatores sociais e culturais que moldam as interpretações e experiências das doenças têm voltado cada vez mais atenção para as experiências comunitárias de diabetes, particularmente entre grupos, incluindo as populações indígenas, que correm um risco particularmente elevado para esta condição.

A antropóloga Margaret Pollak, pesquisadora e professora da Indiana University NorthWest, em sua pesquisa ricamente contextualizada Diabetes in Native Chicago: An Ethnography of Identity, Community, and Care (University of Nebraska Press, 2021)[2] estuda o diabetes em comunidades nativas urbanas como mostra o filme de Martin Scorsese.


Embora a maioria dos estudos antropológicos sobre diabetes em comunidades nativas tenham se concentrado em ambientes de reservas (como acontece com a Missão Yanomami em curso), Pollak volta a atenção para um ambiente urbano, documentando a experiência, o cuidado e a compreensão do diabetes nas comunidades nativas. Com base em meses de pesquisa etnográfica com a população indígena entre 2007 e 2017, Pollak considera a relação recíproca entre cultura e saúde, dando uma contribuição admirável.

Ela mostra como o diabetes é determinado pelo que os membros da comunidade observam nas experiências da doença entre familiares e amigos, e não é tão somente uma doença física, mas social. A relação entre a cultura hominídea e biológica é recíproca. Na comunidade indígena pesquisada descobriu-se: os elevados custos financeiros e de tempo dos cuidados de saúde; falta de reconhecimento e/ou resposta aos sintomas agudos aos níveis elevados de glicose; priorização de outras responsabilidades cotidianas; desconfiança na medicina praticada; e, visões fatalistas sobre o desenvolvimento e prognóstico da diabetes.

Para reduzir as taxas de diabetes e suas complicações relacionadas a essas populações nativas, ela aconselha que reformulemos nossa visão de quem são os povos indígenas e o que a epidemia de diabetes significa nessas comunidades, e considerar a partir daí como desenvolver as melhores soluções para o cuidado dessas populações.

Um ponto forte que ressalta é a atenção às práticas aparentemente mundanas de cuidado que ela encontrou durante a pesquisa de campo com a comunidade nativa, por exemplo, de comparecer a consultas, fazer compras, cozinhar, administrar medicamentos (um nó explorado em Assassinos da Lua das Flores por Martin Scorsese), fazer exercícios, fazer dietas para diabetes quando não diabético, lembrando os pacientes sobre os alimentos, observando os sinais de hiperglicemia em outras pessoas, fornecendo educação e aconselhamento e considerando as necessidades de dieta para eventos comunitários maiores, e seu consistente destaque às vozes das pessoas. O envolvimento da pesquisa com os estudos históricos e antropológicos existentes (como no livro e no filme Assassinos da Lua das Flores) também destaca como as perspectivas e experiências das comunidades não existem isoladamente, convergindo de forma significativa com as comunidades indígenas de outros lugares. Em última análise, a pesquisa oferece um estudo etnográfico matizado e profundamente contextualizado sobre o diabetes com nativos e nativas, que será de interesse para a cidadania que procura aprender sobre a Missão Yanomami e a relação dinâmica entre saúde, doença e os mundos sociais e culturais em que vivemos.

 

23 de novembro de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

[2] Agradeço ao amigo biólogo espanhol José Félix Rodríguez Antón que me apresentou essa referência.

2 comentários:

PACELLI HENRIQUE SILVA LOPES disse...

Um excelente texto que demonstra a necessidade das pesquisas históricas contextualizadas na realidade para servirem de embasamento para construção de políticas públicas. Uma inspiração para nossas universidades saírem da torre de marfim e irem para realidade.

BLOG DO IVANOVITCH 2 disse...

Uma doença letal; fiquei sabendo ontem que, um amigo perdeu as duas pernas.