Olha, vê, repara
Pelo Novembro Azul
Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
Além das definições patológicas para as diversas formas de má visão, os
dicionários fornecem outra: quando existe a incapacidade de ver coisas que são
muito claras e fáceis de entender ou de perceber com perspicácia sobre algum
assunto. Isso é o que chamamos de má visão intelectual.
Essa característica costuma ser muito
comum na política e afeta especialmente aqueles que ocupam posições dos
extremos, seja à direita seja à esquerda. As causas dessa má visão parece ser a
postura obtusa advinda do olhar doutrinário, as convicções de verdades
absolutas que acreditam possuir, o desprezo por certa relatividade típica das
regras democráticas e uma surdez crônica face às diferentes opiniões que
consideram filhas do erro. Se junta a má visão a má audição.
Estas causas agravam-se quando, por
estados de espírito normalmente efémeros, obtêm uma grande votação como
normalmente acontece com o voto volátil e emocional que ocorre na nossa sociedade
da informação.
Foi o que aconteceu com a avaliação bem
ponderada apresentada ao Congresso Nacional na precisa alusão a Frente
Democrática que num passe de mágica e influenciado por uma ideologia da
reconstrução, para um uso falacioso da Frente Ampla alimentada por uma visão
fabulosa da heterogeneidade original. Tudo isto produziu uma formação
governamental muito tendenciosa a favor de uma visão identitária e turbulenta,
pouco afeita a negociar e dotada de uma expressividade agressiva e cansativa à
qual se submeteu certa esquerda, que faticamente caminha com passos de formiga
pelo seu viés das reformas apesar do progresso que representou para o país.
Como bem sabemos, a estória da Frente
Ampla tem oportunizado uma série de erros cometidos até aqui pelo governo como
tem reconhecido Lula bem como uma sequência de derrotas que já colocou na
berlinda o projeto de lei orçamentário de 2024 apresentado, entregue por
aqueles de nós que sabemos ser este texto não o resultado de uma epifania que
enfraqueceria a reforma do sistema tributário e colocaria em jogo a
possibilidade de retomar no futuro o caminho das reformas serenas que podem
mudar a face do Brasil como sugeriu o informe da Conferência das Nações Unidas
(ONU) para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) para nosso crescimento acima da
média mundial em 2023. É claro que os
setores conservadores dos extremos também se opuseram sem, felizmente, fazer
muito barulho.
Inicia-se então um segundo processo ora
em curso de novas dinâmicas dignas de um Angus Deaton, em preparação de forma
intuitiva, mas onde se procura uma solução consensual, uma caminhada que possa
se fazer aprovar nos moldes das três emendas constitucionais pré-natalinas de
2022. Tudo foi muito bom, impecável à época, só que desta vez estamos sem o
voto popular que só voltará à cena em 2024. O voto inconstante virá e os seus
humores ainda são insondáveis.
Na sequência ao anúncio do Fundo Monetário Internacional (FMI) da previsão de que o
país vai fechar 2023 como a 9ª economia do mundo convergindo assim com
as boas novas da UNCTAD, veio mais um alarme quando da rejeição da indicação para a Defensoria Pública da União (DPU) onde
se insinuou que a esperança se situa nos acordos prevalecentes para
gerar um contexto equilibrado, porque como bem sabemos que não foi, nem é, a
bonomia política que caracteriza a era dos extremos.
Por isso o processo de negociação
subsequente esteja sujeito a altos e baixos, idas e vindas, a despeito de
muitas promessas não cumpridas na íntegra, não se gerou desconfiança e os
posicionamentos partidários seguem firmes. Embora houvesse concessões e algumas
flexibilidades, estas foram em grande parte insuficientes.
A centro-direita está tentando
desempenhar um papel mais moderado. Está claro que não cometerá o mesmo erro
que a centro-esquerda cometeu em relação à esquerda radical, ou seja, de
abandonar a sua autonomia política e a de abraçar uma posição subordinada em
relação à direita radical. A Frente partidária no poder que precisa se assumir
Democrática, por seu lado, ainda não teve a flexibilidade necessária para
alcançar melhores equilíbrios. A combinação de todos estes fatores conduziu-nos
a uma situação desconfortável, cujo resultado não é fácil de prever e cujos
fundamentos são indefinidos.
Ainda mais numa situação mundial que
atravessa uma fase triste e tumultuada, com uma economia global de baixa
prosperidade e uma geopolítica que mostra duas guerras entrelaçadas e em
expansão, com um sistema intergovernamental deteriorado. Apesar de tudo, os
tempos do réveillon
e da folia carnavalesca estão chegando. O Brasil é obrigado pelas
suas características a conter os seus conflitos internos, a reduzir as suas
divisões, a gerar acordos que lhe permitam retomar o desenvolvimento e o
caminho do bem-estar social sem tempos de raiva.
Em todo o caso, é necessário não
dramatizar as reformas econômicas. Não há aqui nenhum perigo irreparável em
jogo que possa mudar substancialmente a democracia brasileira. Pensar assim
seria adotar mais uma espécie de fetichismo da vez nesses tempos repletos
deles. Qualquer que seja o resultado negocial, o governo deve concluir este
ciclo de reformas de acordo com o que foi decidido pelos cidadãos em 2022 e
entrar plenamente no avanço das respostas às muitas necessidades não resolvidas
da população. Acima de tudo, não fique tentado a dar ouvidos aos espectros que
gostariam de produzir um novo pandemônio (um lugar de muito barulho e confusão)
criando um habitat perfeito para o
Brasil não avançar.
5
de novembro de 2023
[1] Presidente da CEDAE Saúde e
professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
Um comentário:
Belo texto em defesa da heroica (na atualidade brasileira) conciliação nacional como o caminho, efetivo porque objetivo, de progresso social pelo isolamento da extrema direita no Brasil
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