domingo, 28 de agosto de 2022

SÉRIE ESTUDOS - A TROPA e a Democracia no divã

A Tropa e o Complexo de Édipo mal resolvido

Por Vagner Gomes de Souza

 

A Tropa é uma oportunidade para uma diversidade de brasileiros façam um balanço sobre o papel da democracia em nossa História. Ameaçada muito mais pelo desafio de superar uma crise econômica pouco debatida ainda nessa campanha eleitoral. Apesar dessa nossa percepção brechtiana, texto de Gustavo Pinheiro demonstra uma inspiração shakespeariana ao colocar um pai hospitalizado diante de seus filhos que lidam com o passado e enfrentam dilemas em relação ao futuro. William Shakespeare foi o dramaturgo da transição do feudalismo para o capitalismo e a peça se insere num momento de descoberta de novos textos que contribuam para uma percepção positiva da nossa “revolução passiva”

O conteúdo dramático dessa peça não impede que o público tenha muitos momentos de risos, pois está diante de seus olhos também as linhas tortuosas de nosso país. Faz-se no riso a nossa resistência como ensinou o saudoso Paulo Gustavo que criou a “Senhora dos Absurdos”. Afinal, fica evidente que esse pai centralizador, preconceituoso e autoritário faz parte de segmento da sociedade que ganhou força no cenário eleitoral brasileiro. Ele é a versão masculina da personagem do ator citado.

O pai, numa interpretação magnífica de Otávio Augusto (fazendo justiça aos 60 anos de carreira), é um coronel reformado que atuou na Ditadura Militar. Os detalhes sobre suas responsabilidades nesse momento histórico do país não são de todo revelados. Cada um na plateia faça seu juízo. Fica um espectro a rondar de forma cinzenta que serve de convite para mais saber sobre esse período que foi de 1964 até 1985.

Afinal, o drama maior está na família e ganha força no decorrer dos diálogos da peça à medida que os quatro filhos aparecem para visitar esse moribundo. A entrada de cada um seria uma bela metáfora sobre os governos militares. Não há a necessidade de conhecer certos detalhes como os descritos nos livros de Elio Gaspari[1]. Bastaria conhecer o básico das habilidades referentes aos estudos desse período para se conferir as características dos mandatários da Presidência da República nos perfis dos filhos: contemporização com o conservadorismo, “grande capital” enriquecido pelo Estado, a distensão nos relacionamentos e a dependência de uma busca de afeto.

Foto: Tariq Bastos de Souza

Além disso, os atores que interpretam os filhos inseriram determinados tiques nervosos na sua atuação ao palco que poderiam mobilizar a leitura da psicanálise freudiana diante da morte de um dos irmãos num acidente que é um tabu.  Abre-se um debate sobre a sua responsabilidade. Revelam-se atributos do conservadorismo que muito se evidenciam no complexo de Édipo mal resolvido. Uma instigante sugestão que a crítica teatral brasileira poderia apresentar ao debate desse texto para se rever nosso papel no mundo democrático em sua universalidade. Além disso, a doença do pai atinge sua mente e não se sabe o tamanho dessa gravidade e suas motivações.

Isso nos permite as percepções sobre novas posturas autoritárias de grupos sociais fraturados na sociedade brasileira como se o Rei Sol estivesse presente em cada um. A soberania de só querer falar, mas sem saber ouvir. Entretanto, ainda não nos desfizemos da memória positiva de um “pai dos pobres” que deixou um legado forte de sentimento nacional e ainda mobiliza o carisma em política.

Todavia, o narcisismo social colocou segmentos sociais numa “camisa de força” por busca frenética pela soberania dos lugares de falas enquanto o país tem o neto de Roberto Campos (citado da peça) como Presidente do Banco Central na mesma faixa etária do primeiro filho. Neto de um Ministro do Planejamento do primeiro governo após o Golpe de 1964.

Consequentemente, A Tropa muito bem nos instiga a pensar sobre se nossa democracia imperfeita teria condições de evitar os fantasmas golpistas. A Peça é uma grande terapia em grupo que poderia partir da questão: “Quais seriam os melhores críticos a pensamento econômico da Ditadura Militar nos dias atuais?” Ela é uma ficção que faz um convite para que o público saia da camisa de força ideológica no seu cotidiano e na formulação dos debates programáticos uma vez que teremos eleições gerais em que há o importante desafio da  democratização do perfil dos novos representantes do Congresso Nacional.

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FICHA TÉCNICA – A TROPA:

Texto: Gustavo Pinheiro
Direção: Cesar Augusto

Assistente de Direção: Gabriel Albuquerque

Elenco: Otavio Augusto (Pai), Alexandre Galindo (Artur),Alexandre Menezes (Humberto), André Rosa (Ernesto) e Daniel Marano (João Baptista)
Assistente de interpretação: Mar Martins
Iluminação: Adriana Ortiz
Figurinos:Ticiana Passos
Fotos e Vídeos:Elisa Mendes e Fernandovisky
Assessoria de Comunicação: Alessandra Costa
Produção Executiva: Luciana Zule
Direção de Produção: André Roman
Coordenação Geral de Projeto: Alexandre Galindo
Realização: GêneseProduções e AR Produções

SERVIÇO:

Teatro PetraGold (Rua Conde de Bernadote, 26 - Leblon) - Rio de Janeiro


[1] O jornalista Elio Gaspari escreveu uma série de quatro volumes sobre a História da ditadura militar brasileira aonde só os títulos contribuem para pensar nos filhos do Coronel. A ditadura envergonhada ; A ditadura escancarada; A ditadura derrotada, A ditadura encurralada servem como sugestão de leitura para as curiosidades despertadas após assistirem a peça.

8 comentários:

Pablo De Las Torres disse...

Excelente análise, parabéns. Pena que a peça terminou agora. Parabéns ao Otávio Augusto!

Anônimo disse...

Que maravilha. Obrigado Vagner Gomes!

Andre Roman disse...

Obrigado Vagner Gomes!

ALEXANDRE MENEZES disse...

Vagner, que olhar maravilhoso sobre o espetáculo. Obrigado por ajudar a ampliar tudo isso! Vamos andando e viva o teatro!

Anônimo disse...

Vai continuar mais 3 semanas!

Anônimo disse...

Um lindo artigo, dar vontade de ver essa peça e explorar essa arte desses grandes atores.

Anônimo disse...

Excelente texto e uma peça que vale a pena ser assistida, especialmente depois dessa análise. Parabéns Vagner.

Anônimo disse...

Parabéns...Vagner!