terça-feira, 22 de junho de 2021

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DO CIDADÃO CARIOCA - 6


Desconstrução do Eu

Por João Sem Regras

 

Eu falo para vocês que não muito fácil aceitar que não estava mais no meio da realidade. Na verdade, nunca estive presente na vida real e nos seus debates de forma concreta. Fui alimentando meu ego na medida em que se foi passando o tempo. Tentei seguir a carreira militar, pois tinha me inspirado num Ministro do meu país. Ele ficou um bom tempo respondendo pela Saúde sem nada compreender sobre esse tema. Achei que eu poderia desempenhar essa ou outra bela função de Estado com essa característica de evasivas constantes.

A sociedade adoeceu antes mesmo que eu pudesse perceber de meu desencarnar. De meu desconstruir. Todavia, não fui aprovado na avaliação médica ao Colégio Militar, pois tinham descoberto que eu era daltônico. Para mim o mundo era todo vermelho e só as cores verde e amarela de nossa bandeira que eu conseguia distinguir. O diagnóstico foi uma frustação em meus desejos em nada continuar fazer algo pelo meu país. Meus sonhos frustrados foram alimentando mais e mais outras iniciativas empreendedoras. Na fase da rebeldia juvenil fui um forte debatedor nas redes sociais. Tudo deveria ser destruído nesse sistema podre mesmo que tivéssemos que escolher um carro que se descarrilhe em direção ao abismo.

Não sei muito bem mais se era opinião, porém dizia ser minha liberdade. Ser livre era pensar só em mim e no desejo de estar aninhado em alguma função no qual eu seria o menos capacitado a exercer. Para isso, era simplesmente necessário se aproveitar do  profundo desprezo dos concidadãos pela leitura e aprofundamento do conhecimento. Nada como as teorias simples para se fixarem nas mentes das pessoas.  Falar em liberdade como se fosse se defender de minha incompetência em ter argumentos. Só dizer que a liberdade estava sendo ameaçada porque outros queriam ter a chance em sobreviver.

Fui muito bem acolhido por uma legião de ressentidos. “Esse é o meu país.” “Todos são canalhas!” “Aqui é mundo dos espertos.” Eram frases que repetia em meus comentários políticos para, aos poucos, naturalizar todas as escolhas políticas que eu fui assumindo. Meu narcisismo alimentava um ódio na política e pela política. Nada de democracia, mas sempre era bom citar sobre as instituições que estariam vendidas ao sistema. Tudo sob controle das “forças ocultas”. Não é novidade na história de meu país o uso dessa retórica. Não assumi nenhuma função no “Gabinete do Ódio”, pois esse sentimento já estava naturalizado em mim pelos inúmeros reveses em minha vida que depois percebi que foram frutos por não me dedicar a estudar.

Eu tinha um profundo ódio quando alguém citava Machado de Assis que deveria ter sido bruxo em vida. Como entender um país que tivesse um escritor como referência de uma época distante. Novas tecnologias. Escrever num Twitter era minha poesia. E teve um momento de meu desempenho na assessoria em que sugeri para um Senador a fazer uma emenda com inúmeras palavras sem uso da vírgula simplesmente para dificultar a possibilidade do chamado veto parcial. Essa postura me valeria uma cadeira na Academia Brasileira dos Canastrões. Então, foi muito difícil perceber que a compaixão estaria desconstruindo meu mundo. E fui aos poucos me dedicando a reações mais nervosas e mais destemperadas. Até que sucumbi no chão em plena via pública.

3 comentários:

RAFAEL MOIA FILHO disse...

Excelente texto, com uma ótima oportunidade de reflexão. parabéns

Gato Conectado disse...

Gostei demais, parabéns. #ForaBolsonaro

Unknown disse...

Que texto completo , simplesmente perfeito . Meus parabéns .
#Forabolsonaro