quinta-feira, 22 de abril de 2021

OSCAR 2021 - ENTREVISTA COM O PROFESSOR PABLO SPINELLI

A  entrevista que se segue com o Professor Pablo Spinelli mantem uma iniciativa desse BLOG de alguns anos em trazer uma opinião sobre o OSCAR para motivar que novas gerações observem nas produções cinematográficas o registro de uma época. 


1) Em sua opinião,  quais foram os impactos da Pandemia da COVID19 que teriam influenciado nas indicações do Oscar de 2021?

O primeiro e mais óbvio, a falta de público. Os filmes não passaram pelo olhar do público e aí temos o segundo impacto. A elitização daqueles que podem fazer o tradicional “bolão” – pelo menos para os mais velhos -, pois os filmes estão circunscritos ao mundo do streaming, portanto, quem tem acesso à Netflix ou Amazon Prime sai na frente nas apostas. Creio que um terceiro impacto seja a escolha por produções mais autorais, diferentes de um Pantera Negra ou Corra! que casaram bilheteria com autoria.

 

2) Na categoria de indicados a Melhor Filme de 2021, haveria algum filme que foi “esquecido”? Qual seria o favorito e o “azarão”?

O favorito é geralmente aquele escolhido pelos Sindicatos de Produtores, Atores, Diretores e Roteiristas que têm em inglês o sugestivo nome de guildas. Saiu na frente o filme “Nomadland”, que está em algumas sessões de cinemas para os mais corajosos, que é dirigido por uma chinesa. A China está em alta. Um filme que os jovens deveriam ver pensando não só nos avós, mas no que pode ocorrer aqui e alhures para quando chegarem aos 60 anos. A diretora, Chloé Zhao, é uma jovem chinesa, filha de um executivo rico em Pequim, uma geração dos anos 80, que cresceu fazendo mangás e se formou em Ciência Política. Creio que ouviremos falar mais de Zhao.

Azarão é o filme “Meu Pai”. Um filme que apesar de muito bem interpretado pelo Anthony Hopkins, uma atuação verdadeira como ele nos deu em “O Silêncio dos Inocentes” e em “Os Dois Papas”, não tem chance.

Dois filmes foram um pouco esnobados. “Relatos do Mundo”, com Tom Hanks e “Uma Noite em Miami”. Poderiam estar na lista de melhores filmes.

 

3) A tendência ao multiculturalismo continua nas indicações desse ano para atender a quem?

A todos. Uma cerimônia que tem uma marca interessante. A primeira com uma vice-presidente negra e que tem duas diretoras indicadas – uma chinesa e uma negra. Um ator negro falecido que vai ganhar o Oscar. Seu colega de “Pantera Negra”, forte favorito para ator coadjuvante. Um comediante inglês que tem uma das melhores comédias dos últimos anos indicado a roteiro adaptado. Um dinamarquês muito talentoso indicado a diretor. Agora, o ponto é que o limite entre aquilo que tem que ser representado na cerimônia e o que realmente deveria estar lá é tênue. Arte não é corrida de cavalo. Oscar é uma aposta da indústria. Cannes, Berlim, Veneza são mais artísticos. Não adianta ter 150 minorias indicadas e 50 000 filmes sem elas. Mas acho que isso vai mudar pelo tempo do mundo e não pelo tempo das imposições. 


Cena do filme Os 7 de Chicago

4) Além da Pandemia, 2020 foi marcada pelo movimento do “Vidas Negras Importam”. Quais indicações ao Oscar 2021 tem uma melhor contribuição para esse debate?

Temos “Judas e o messias negro”, sobre um infiltrado nos Panteras Negras, quase um complemento ao filme do Spike Lee sobre a Klan; “A voz suprema do blues” que fala de uma diva negra e seus músicos com personalidades distintas em uma época muito complicada, cerca de um século atrás, mas quem sai na frente é o filme da Regina King, “Uma noite em Miami”. Creio que as personalidades envolvidas, as discussões, as diversas camadas dos personagens tenham muito a nos dizer. Não à toa que o ator que fez Sam Cooke foi o indicado. O xadrez verbal e a excelência das atuações mostram que todos ali importam muito na construção do tema racial, só que há opções entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade.

5) Na categoria Melhor Direção, não seria estranha a ausência de Spike Lee?

A Academia pune. Spike Lee tem um gênio difícil. Não se esqueceram do que ele fez ao não ter vencido o Oscar pelo filme anterior. Ele fez um filme brilhante, o primeiro sobre algo jamais abordado, a participação negra no Vietnã; o negro que vota no Trump, o peso do passado; a miscigenação que a guerra gerou – e as consequências para os filhos dos invasores americanos. É um dos seus melhores filmes, mais maduro. Mas pagou com a língua.

Chloe Zhao

6) Esse será o primeiro ano de Cerimônia do Oscar após o falecimento de Ennio Morricone. A relação entre a música e o cinema ganhou força para o Oscar 2021?

Morricone (“Os oito odiados”; “Era uma vez no Oeste”, “Cinema Paradiso”) fechou uma geração. Só falta o John Williams (compositor de “Tubarão” e “Star Wars”, dentre outros). Temos ainda Danny Elfman em suas colaborações com Tim Burton; Hans Zimmer, Alan Menkel. Mas acho que se perde aquela trilha que sobrevive ao filme, que tem vida própria. Bernard Hermann deu vida à Psicose. Morricone era o Oeste dos italianos. O que seria de “O Poderoso Chefão” sem Nino Rota ou dos filmes do David Lean, como Lawrence da Arábia sem Maurice Jarre ou Missão Impossível sem o argentino Lalo Schifrin? Os jovens não sabem, mas antigamente havia uma coisa chamada disco e se vendia disco só de trilhas sonoras. A trilha dos filmes da Disney ou a da Marvel são inesquecíveis? Não estou pessimista. Coisas boas surgem, mas a relação que você citou se diluiu. Tudo o que era música desmanchou no ar.

 

7) Por que Itália, França, Espanha e Alemanha estariam ausentes nas indicações de Melhor Filme Estrangeiro?

Não foi a pandemia. É triste para mim, amante do cinema italiano, ver o que os anos Berlusconi geraram naquela cultura. Eu dou aula de Cinema & Sociedade para os meus alunos e quando falo do Neorrealismo eles captam imediatamente a mensagem, alguns ficam curiosos, sabem que aquilo nos diz algo. Imagine um ladrão de bicicleta fazer um furto em um entregador do Ifood? Esse filme é perene. A Itália e a França – e nós, que você não perguntou – seguiram um caminho determinado pela TV (Fellini previu em “Ginger e Fred”) e o riso fácil. Comédias picarescas que temos que espremer com muita generosidade para dali sair algo. Uma França que perdeu um Truffaut e ganhou um François Ozon é muito duro. Espanha depende da criatividade do Almodóvar. Veja o catálogo da Netflix. Eles estão lá, dentro da fórmula que atenda os metadados. “A Casa de Papel” é uma série cheia de referências dessas escolas, os jovens desavisados, acham que tudo é Tarantino, mas Tarantino vem de Godard, de Sergio Leone, de Einsenstein. Porque os espanhóis não arriscam? A Alemanha é a mais feliz no seu cinema, tem seu festival, investe. Mas chamo a sua atenção. Assim como os romances policiais, o cinema dos escandinavos só tem melhorado. Dinamarca está lá merecidamente. 


 Maria Bakalova

8) Quais seriam suas “apostas” para Melhor Ator e Melhor Atriz seja na categoria principal e na coadjuvante? Por que?

Chadwick Boseman ganha por uma questão afetiva. Ele fez um belo trabalho, percebe-se que está doente, mas vai até o fim. Mas ele fez melhor em “Pantera Negra” e “Destacamento Blood”. Acho a atuação do Hopkins melhor, mais difícil, mais cheia de camadas. A bolsa de apostas coloca o jovem Daniel Kaluuya como o ator coadjuvante. Ele é muito bom, vimos isso em “Corra!” e em outras produções. Vejo um sucessor do Denzel Washington. Frances McDormand tem vencido tudo, deve ser a terceira vez a ganhar o prêmio, mas vejo poucas nuances de suas últimas interpretações. Uma excelente atriz. Basta ver Fargo ou Três Anúncios para um Crime ou Mississipi em Chamas para ver isso Viola Davis está no páreo, mas o trabalho mais difícil, na minha ignorância, foi o da Vanessa Kirby em "Pieces of a woman". A atriz coadjuvante deve ser um dos poucos Oscar de “Mank”, a Amanda Seyfried, que é uma aposta e ainda não fez harmonização facial, o que lhe dá mais tempo para fazer outras interpretações dignas. Minha favorita é a cara-de-pau Maria Bakalova, de Borat. Saber que essa jovem só entrou porque o Sacha Cohen tinha sido reconhecido e a entrada dela resolveu o filme, merecia. Agora, posso estar ranzinza pela pandemia, mas foi uma das piores seleções dos últimos anos, especialmente se há alguma pretensão em renovar o público. Tem filmes bons (“Os 7 de Chicago” é o meu favorito), mas os jovens vão preferir o Tik Tok a ver duas peças filmadas; um filme sobre aborto; outro sobre alcoolismo; a Hollywood dos anos 1940; os sem-teto nos EUA; ou ainda sobre Alzheimer ou outro sobre surdez. E a animação favorita é kardecista. Faltou leveza, mas há esperança. É ainda o rescaldo do último ano da gestão Trump.


5 comentários:

Unknown disse...

Ótima opinião sobre os filmes, inclusive me deu muitas referências dos que quero assistir 👋👋👋

Junior disse...

Ótima idéia e iniciativa!

Junior disse...

Excelente idéia e iniciativa!

Unknown disse...

Adorei!!

Unknown disse...

Gostei legal. #ciro2022