sexta-feira, 11 de setembro de 2020

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DO CIDADÃO CARIOCA - 3

 

De Secretário por um dia

Por João Sem Regras

 

Numa noite distante estava eu num retiro na minha distante casa de campo. Recebi um telefonema de um antropólogo que não tinha ido para a Amazônia com teria sugerido um Ex-presidente para que considerasse uma possibilidade de alianças eleitorais. Nem mais me lembrava de como seria o Rio de Janeiro após uma semana distante. Ele estava muito jovial, pois teria visto uma possibilidade de mudança no cenário eleitoral. Estávamos em tempos de eleições e sempre gostavam de ouvir minhas opiniões para seguir caminho contrário.

Tempos de curiosidades e ternura para se falar ao telefone. Mas eram dias de operações da Justiça, Ministério Público, Polícia Civil e tudo que houver direito. Tão esperançado! Meu amigo pensou que os números eleitorais seriam somente a soma das intenções de voto em pesquisas feitas por telefone. Tinham esquecido que um Ex-Juiz, agora em desgraça nas linhas dos Pasquins Liberais, saiu do quase anonimato para a glória por causa dos grupos de Zap! Fingi muito interesse pelos argumentos, mas estava deveras cansado para meditar sobre a situação.

Numa semana agitada pelas operações de “limpeza da política” eu muito temia que aquilo tudo pudesse gerar uma monstruosidade. Ninguém parece ter lido os ensinamentos do autor de Liberalismo e Sindicato no Brasil que brincava com o a cidade do Homem Morcego. Uma pandemia teria surgido por causa de um morcego, mas a doença carioca já tinha muitos anos. Minha esposa olhava para mim com expressão de ansiedade. Sempre temia que eu descesse para a Capital como um “coronel de Esquerda” típico de alguns seletos parlamentares. Todavia, estou mais para um peão nesse tabuleiro vazio de programas.

Eu poderia estar saboreando um iogurte que por ter a marca em diminutivo poderia parecer um apelido em tempos da Universidade. Girava minha mente. E minha amorosa companheira de passeios, cada vez mais interrogativa. Então ouço a frase ao telefone.

- O pior – falava meu ilustre amigo e articulador político – é que ainda não achei secretário.

- Não? Mas secretário de que?

- Secretário para o Governo de Salvação do Rio de Janeiro.

- Ainda nem começou a campanha. Como pode pensar nisso?

- Ah! Precisamos mostrar que estamos capacitados para assumir esse barco sem “Capitão”.

- “Capitão”!?! Esse tem... Mas está no outro lado do navio. Muito bem à extrema direita.

Risos de meu interlocutor. Ele muito estava animado com a situação. Achava que abria uma janela de oportunidades numa cidade que majoritariamente teria votado num reacionário dois anos anteriores. Fui ouvindo os argumentos pensando nas conversas que eu tinha num fim de tarde com os camponeses da cidade. Até que um grito me alertou para voltar a realidade.

- Tenho uma brilhante ideia... Quer você conversar com o nosso Deputado?

Não sei o que lhe retruquei.

- Você tem perfil de “frentista” – continuou ele -, não precisa estar na cota das forças políticas. Você poderia ser um bom Secretário Municipal.

Minha alma saiu de minha matéria terrena muito mais explicitamente como estou hoje. Pensei no perigoso devaneio dessa proposta num momento de tamanha delicadeza para o Rio de Janeiro. Encarei a situação fixamente. Respirei aquele ar serrano, e não tive ânimo para dizer um “não”. Até porque nada se concretizaria nas próximas horas diante das pouca capacidade de termos notícias animadoras da cidade maravilhosa. Perderia tempo em perguntar sobra a formulação do programa ou se estavam levando em consideração os impactos de quase uma década da pandemia. Muito menos teríamos um orçamento flexível e uma hegemonia fiscalista na imprensa me assustava. Na verdade, desconfiava que de um “nada” na política um nadador poderia acabar surfando na “antipolítica” ou que por “WO” os fantasmas dos praieiros de 1848 rondariam aquele pleito. Mas fui premiado por uma pergunta.

- Você terminou seu Doutorado?

- Não. – foi minha resposta.

- Puxa! Agora ficou difícil ganharmos algo. Estávamos que essa eleição no “papo”.

De fato, fui Secretário nem por um dia, mas por algumas horas. E a Esquerda Carioca perdeu por minha culpa.

7 comentários:

Rosi Pontes disse...

Excelente texto.

Unknown disse...

Parabéns excelente texto.

Unknown disse...

PERFEITO

Lucas Justino disse...

Perfeito texto!!!

Zenno Wellington disse...

Sinceramente incrível o que esse texto realça

Unknown disse...

Maravilha. O cenário é a metade do século 19, mas os personagens e o enredo estão no futuro, nas primeiras décadas do Século 21. Parabéns!!!

Anônimo disse...

Rapaz. Passou um filme na minha frente essa narração. Parabéns