segunda-feira, 25 de maio de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 8

 

 
O Deputado e seu Casaco de Soldado Raso

Por Vagner Gomes de Souza
 
O filme 1917 é uma lição para aqueles que ainda não compreenderam o perigo que se avizinha na conjuntura nacional. Em plena campanha militar das trincheiras os alemães aguardam que os soldados ingleses ataquem para cair numa “armadilha”. Dois jovens soldados recebem a missão de alertar seus “camaradas” de farda da emboscada. Nesse filme aprende-se que o tempo é o inimigo. Um aprendizado que está presente na tradição política de um líder político russo que aparentemente lideraria uma Revolução naquele mesmo ano.
Essa referência a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) é muito importante para que contextualize aquilo que Eric Hobsbawn mencionou como o marco do início da “Era dos Extremos” que levou a profundas perdas para o campo democrático no século passado. Essa referência ao historiador inglês está nesse momento muito em voga diante do “chamado” feito pelo Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ) pela unidade do campo democrático desde seu afastamento da disputa eleitoral da Prefeitura carioca para se inserir num debate mais amplo desse processo.

Cena do filme 1917
 
O Deputado abriu “mão” de sua candidatura há dez dias com uma Nota em que aludia erros da esquerda no entendimento do que seja esse momento. Em entrevista ao Jornal O Globo o mesmo parlamentar citava alguns exemplos de ausência de desprendimento político de atores políticos cariocas para que se haja a abertura de um diálogo mais amplo no campo democrático. Na sequência, veio a público o artigo “Democracia Urgente” em que os limites do pensamento iluminista seriam apresentados como um obstáculo a ser ultrapassado. Uma atitude corajosa para uma liderança da esquerda que já defendeu que as eleições cariocas seriam a “Primavera dos Povos”. Pelo contrário, o Rio de Janeiro é a “trincheira” das forças políticas “termidorianas” com os “45 cavaleiros húngaros” em franca atuação na política.
Acompanhar esse “aggiornamento” político e intelectual do Professor Marcelo Freixo é muito gratificante para aqueles que sempre defenderam a necessidade de uma Frente Democrática (nada de Frente de Esquerda com disfarce de Frente Ampla em minha opinião) para derrotar o projeto de poder representado pelo Presidente da República. Entretanto, nosso Deputado parece que está pregando num deserto de ideias e lideranças políticas que ainda analisam os impactos da retirada da candidatura dele como um “bingo” eleitoral. Parece que a esquerda carioca também toma “cloroquina” numa fé no fortalecimento institucional associado a conquista de cadeiras para a Câmara de Vereadores.


Cena do filme O Resgate do Soldado Ryan
 
O casaco das ideias de Marcelo Freixo está no campo de batalha sem que haja uma postura dos partidos políticos para repensar a tática política aderindo de fato a estratégia da Frente. Todos querem a UNIDADE do campo progressista que não cresceu um milímetro desde a derrota política de 2018 para juntos caminharem para uma nova derrota. Essa é a realidade que se deve expor para muitos companheiros que não desejam abaixar o tom político em nome da Frente Democrática, pois desejam manter seu espeço num “cercadindo” no berço da esquerda infantil. Não vemos nenhuma atitude ousada para pegar o casaco do soldado raso para começar a fazer a Grande Política. Aparentemente há um silêncio combinado para que ninguém tenha que assumir a responsabilidade resgatar os diversos jovens (como se fossem Soldados Ryans) que caíram nas redes da extrema-direita principalmente nos bairros populares.
As bancadas de vereador em primeiro lugar? Melhor que a esquerda carioca deixe isso claro para os eleitores como uma opção em dar um passo adiante no legislativo municipal para recuar mais dois passos nas eleições de 2022 sob o perigo de termos a ascensão exponencial do autoritarismo. A prioridade deveria ser derrotar o principal aliado do “bolsonarismo” no Rio de Janeiro, mas ninguém parece estar levando a sério o alerta do Deputado.


terça-feira, 12 de maio de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 7



A Fortaleza Narrativa de Bolsonaro

Dedicado à memória de Flávio Migliaccio
Por Vagner Gomes de Souza

Há dois meses muitos Governadores e Prefeitos adotaram medidas de distanciamento social para reduzir o impacto da pandemia do COVID19 no sistema público de saúde. O temor de um colapso generalizado da saúde sensibilizou muitos brasileiros naquilo que poderia representar um momento de unidade nacional. Contudo, já destoando com o então Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a Presidência da República começou uma gradual narrativa de minimizar a situação da crise de saúde diante do perigo de um caos econômico social a ser gerado pela paralisação da economia.
Muitos ingênuos analistas que acreditaram num Presidente mais próximo da “ética da responsabilidade” no decorrer de um mandato presidencial ao contrário do Deputado de Extrema-direita de uma “ética da convicção” se viram decepcionados, pois não teriam ainda percebido que a “alma” da gestão de Bolsonaro é a política ultraliberal do Ministro da Economia Paulo Guedes. O silêncio do Ex-ministro Sergio Moro relativas aos Decretos dos Governadores e Prefeitos sugere que a fratura do núcleo governista ocorreu nesse processo em que o mandatário federal faz a escolha de uma política econômica em nome dos “empresários da morte” que marcharam em direção a uma constrangedora reunião com o Presidente do STF.
A crise da Pandemia seria acompanhada pelo aprofundamento da crise econômica (não esqueçam que o PIB de 2019 foi menor que o de 2018 mesmo com as liberações do FGTS). Ninguém poderia contar com a opção de um Presidente “cruzadista” medieval. Um cavaleiro que vestisse a “armadura” de uma narrativa de defender empregos sem nunca convocar a sociedade para um “pacto social” em favor da ampliação do investimento público no pós-pandemia. Muito pelo contrário, a gestão do Ministério da Economia foi “covarde” (na falta de um termo mais acadêmico) ao propor um auxílio emergencial no valor de R$ 200 (a ampliação para as faixas de 600 e 1200 foram resultados da atuação do Congresso Nacional que emergiu como uma instituição relevante apesar da baixa qualidade de muitos de seus integrantes).
 


Além disso, o Ministro da Economia se preocupou com insinuações de um novo “funcionário público” marajá com a geladeira lotada de alimentos sem dar alternativas para que os Governadores e Prefeitos façam uma gestão da crise com maior folga orçamentária. Enquanto isso aumentava o desemprego e o Governo Federal (com certeza com orientação do Ministro Ultraliberal) encaminhou a MP da redução da jornada de trabalho com redução salarial e não criou uma linha de crédito em condições de beneficiar os micros, pequenos e médios empresários. Um profundo silêncio sobre a eminência da precarização do mercado de trabalho à medida que a narrativa continuava na “tecla” da defesa da economia. Uma economia que já estava muito desigual não se pode defender. Deveria começar a adoção de uma nova política econômica o que implicaria numa outra “alma” para governar.

 O ultraliberalismo de Paulo Guedes não se sente maculado com as políticas de ampliação de assistência social uma vez que elas contribuem para a desorganização da classe trabalhadora. A política econômica ultraliberal não tolera é o investimento público que organize a expansão econômica menos dependente do sistema financeiro. Portanto, os analistas de plantão da política nacional cometem um equívoco ao avaliarem que Paulo Guedes caia por qualquer ampliação do chamado “assistencialismo”. Muito pelo contrário. Essa seria a linha de argumentação para aprofundar as chamadas reformas econômicas. Nesse sentido, a ascensão dos grupos políticos do “Centrão” não seria uma contradição no quadro da política federal. De onde surgiu o Senhor Presidente? Quem o levou para a boa prática de frequentar os templos religiosos como “burgos” eleitorais? Quem é Onix Lorenzoni? Aliás, o “Centrão” tem seu DNA também na gestão do “malufismo” em plena Ditadura Militar muitas vezes apresentada como refratária as práticas da corrupção.


A fortaleza narrativa do Jair Messias Bolsonaro segue mobilizando a grande cavalaria medieval da elite econômica dos ultraricos com apoio de uma ampla margem de “escudeiros” à margem das relações sociais de produção por causa do “mito”, que uma parcela de intelectuais de esquerda teria vendido para um segmento liberal mais progressista, da chamada “nova classe média”. De fato, emergiu uma “ralé social” ressentida em diversos aspectos (incluindo o psicossexual) que se alimentou na desqualificação da política e de uma postura de desmoronamento da muralha do “centrismo político democrático”. A crítica ao “presidencialismo de coalizão” nasceu na academia que hoje é tachada de “comunista” pelo bolsonarismo ideologizado. Diante disso, o caminho a se construir é para que haja uma repactuação das forças de esquerda com o campo do “centro político” já na apresentação de alternativas para as classes populares nesse grave crise que enfrentamos.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

RIO DE JANEIRO E A COVID19 - Entrevista com o Professor Marcelo Burgos


 Rio de Janeiro atravessa uma profunda crise no combate a pandemia da COVID19. Diante da omissão do Governo Federal, o colapso da saúde pública é um problema que poderá proporcionar outras ondas de crises. A hegemonia do conservadorismo e das posições de extrema-direita desorganizam as ações em defesa das populações mais vulneráveis. Portanto, há a necessidade de termos intelectuais refletindo e atuantes para a melhor intervenção dos atores políticos na superação democrática desse momento. Portanto, a seguir, teremos uma  entrevista como professor Marcelo Burgos (PUC – RJ) que, pela segunda vez em dois anos, atende positivamente aos desafios de nosso BLOG VOTO POSITIVO.
O professor Marcelo Burgos é Doutor em Sociologia pelo IUPERJ (1997) e tem trabalhado em pesquisas de sociologia urbana, com ênfase em territórios segregados e periféricos. Exerce docência na PUC-Rio de janeiro. Está na linha de frente na apresentação e acompanhamento de Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas.
 
1)      Estamos em meio a uma crise apocalíptica da saúde pública no Rio de Janeiro relacionada a “Pandemia do COVID19”. No seu entender, como as comunidades periféricas vem enfrentando essa situação?
Do jeito que podem! Na verdade, se considerarmos somente a cidade do Rio de Janeiro e suas mais de 700 favelas, o que se observa é uma mobilização de suas lideranças e organizações comunitárias, em busca de cestas básicas e outros insumos, cada qual mobilizando suas próprias redes de apoio. O poder público municipal não tem colaborado na organização e otimização de esforços e recursos, e isso gera sobre trabalho, desperdício e o que é mais grave, desigualdades também quanto ao acesso a esse tipo de apoio social, já que as favelas mais centrais acabam sendo mais contempladas. Onde existem organizações comunitárias mais estruturadas, como é o caso da Redes da Maré, tenta-se fazer um trabalho mais abrangente, de assistência social, gestão da informação e de apoios mais focalizados. Mas é pedir muito dessas organizações que façam um trabalho que precisaria ser, no mínimo, mais compartilhado com o poder público.
 
2)      Qual sua avaliação sobre a atuação dos gestores públicos (Governos Federal, Estadual e Municipal) no atendimento das demandas das comunidades periféricas no combate ao COVID19? O que falta ser feito?
O governo federal está quase completamente paralisado pela desorganização do Ministério da Saúde, especialmente após à demissão de Mandetta. Os recursos inicialmente prometidos pela pasta não estão chegando; por outro lado, a disponibilização da renda mínima de R$600 está demorando a contemplar justamente os segmentos mais vulneráveis, para não falar que o acesso a esse recurso tem sido ele próprio gerador de contaminação.
Quanto ao governo estadual, tem tido uma atuação mais estruturada, mas ainda sinto falta de uma concertação mais forte e organizada com os municípios da região metropolitana, incluindo é claro a capital. Sei que essa é uma construção difícil mas seria fundamental o estado chamar para si essa responsabilidade. Além disso, acho que o estado deveria elaborar algum tipo de programa de renda mínima para os moradores mais pobres da região metropolitana. Quanto ao município, tem sido muito pouco responsivo. Dele dependem os serviços de atenção primária de saúde e a assistência social, e para nenhuma das duas áreas foi realizado um plano capaz de proteger esses serviços e esses profissionais, em especial nas áreas mais populares da cidade. O resultado está aí, postos de saúde e UPAs  entrando em colapso, e muitos profissionais doentes. Quanto a outras ações que poderiam mitigar o cenário de colapso e de crise social e de confiança, até onde sei, a única iniciativa da Prefeitura foi o programa de hospedagem em hotéis para indivíduos considerados dos grupos de risco. Mas a iniciativa não tem sido senão muito parcialmente utilizada, não alcançando o impacto social que poderia ter.
3)      O Prefeito Marcello Crivella teve novas adesões de vereadores a bancada de seu partido, Republicanos, para a disputa eleitoral municipal. Essa adesão política sugere que a política eleitoral está deslocada da realidade dos problemas das camadas populares?
Infelizmente, ao que tudo indica, parte da máquina pública da prefeitura está fortemente capturada exclusivamente pelo cálculo eleitoral e pelo projeto da reeleição do atual prefeito, não sendo capaz de perceber que estamos diante de uma iminente tragédia humanitária, de que o quadro de Manaus já é um alerta. Nossa situação exigiria, ao contrário, um poder público realmente preocupado em participar de forma ativa na coordenação, organização e execução de ações voltadas especialmente para as populações mais pobres. Pois o Rio é uma cidade muito complexa, e se não forem consideradas as especificidades de suas favelas, e de seus bairros populares, não teremos feito o necessário para evitar uma catástrofe ainda maior. É por isso que nos mobilizamos, na criação de uma rede envolvendo lideranças comunitárias, universidades e a FIOCRUZ. E a partir dessa mobilização elaboramos um Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas. O Plano foi entregue no dia 1º de maio, às secretárias de saúde do estado e do município, e no dia 4 de maio foi objeto de uma reunião com diversos parlamentares da ALERJ, capitaneados por seu presidente, André Ceciliano e pela Deputada Renata Sousa. O documento já é de domínio público, e seu principal objetivo é o de aglutinar forças na defesa da criação de um gabinete de crise reunindo estado, município, organizações comunitárias, universidades e entidades de classe e científicas, sempre com o respaldo técnico da FIOCRUZ. 
4)      Como estaria a atuação das Igrejas Evangélicas nas comunidades periféricas no combate ao COVID19? O “fundamentalismo neopentecostal” ganhou ou perdeu força?
Difícil avaliar. Acho que não tenho fundamento para responder a essa pergunta. A única pista que temos é a de que, se assumimos que a zona oeste tem sido uma área de forte predominância do neopentecostalismo e que muitos de seus bairros têm sido campeões na disseminação da covid, isso sugere que muitas dessas igrejas possivelmente não devem estar trabalhando de modo mais intensivo a necessidade de distanciamento social, entre outras medidas preventivas. Sabe-se, inclusive, que muitas seguem fazendo cultos. E aqui, o alinhamento com o bolsonarismo pode estar sendo o fator determinante. Infelizmente, um presidente irresponsável como este que temos faz um enorme estrago na vida de pessoas que estão muito sujeitas às redes de sustentação de seu projeto, que no Rio articula algumas igrejas neopentecostais a grupos de milicianos, fortemente dominantes em vastas regiões da Zona Oeste. A mesma hipótese valeria para regiões da Baixada Fluminense como Caxias, por exemplo, que se apresenta como a região com maior percentual de letalidade nesse momento.
5)      O Rio de Janeiro é uma das Capitais mais atingidas com números de casos e óbitos por COVID19. Mesmo assim a “família Bolsonaro” aprofunda uma atuação de negação da situação com o famoso “E daí?”. O Senhor acha que essa postura renderá muitos votos nas próximas eleições municipais?
Como respondi anteriormente, antes de pensar nos votos, estou pensando no estrago que essa postura tem feito na defesa da vida. Quanto ao impacto eleitoral, não tenho como prever, e acho que ninguém tem, qual será o efeito eleitora dessa estratégia criminosa. Uma coisa é certa, ela isola muito seu eleitorado, e vai tornando seus seguidores membros de bandos. Isso faz lembrar em muitos aspectos a forma como Hitler se relacionava com seus seguidores antes de chegar ao poder.
6)      Diante desse cenário político, como avalia a tentativa de aproximação entre o PSOL e o PT para uma disputa eleitoral para a Prefeitura carioca? Haveria chances para uma candidatura mais ao centro político?
Não me considero um analista político, até porque não estudo a fundo uma série de questões relacionadas à aritmética da competição política. Mas vejo a aproximação dos dois partidos como um movimento importante, no sentido de aglutinar forças. O ideal, porém, seria que esse arco fosse mais amplo, envolvendo outros partidos do campo democrático. Com a adesão de Crivella ao bolsonarismo, houve uma federalização às avessas da eleição, e o Rio será muito provavelmente o epicentro da disputa em torno do projeto nazista dos Bolsonaro. E parte importante desse processo deve ser o do reconhecimento que a questão das milícias é muito fortemente uma questão municipal, pois boa parte dos serviços que ela controla são da alçada do prefeito. Isso significa que precisamos encarar essa eleição carioca como um momento decisivo na luta contra nazismo (em sua versão miliciana), o que também significa que, caso vitoriosa, poderá dar lugar a um projeto de cidade ungido pelos melhores ideais contidos em nossa Carta de 1988.