terça-feira, 12 de junho de 2018

Literatura Brasileira Contemporânea: Entrevista com Márwio Câmara

Nas margens desse mundo líquido há muitas contribuições na literatura brasileira contemporânea para contribuir na interpretação do momento em que vivemos. O livro de estreia de Márwio Câmara é um desafio para aqueles que desejam enfrentar as saídas autoritárias para nosso país. Solidão e outras companhias merece ser debatido nos diversos circulos de leitura que emergiram recentemente. Fica aqui essa dica e abaixo segue a entrevista que VOTO POSITIVO fez com o autor.
 
 Foto: Cris Torres

Qual foi sua trajetória pela literatura até o seu livro Solidão e Outras Companhias?
 
Comecei trabalhando como jornalista. Sempre fui apaixonado por literatura. O exercício de compor histórias iniciou-se nos primeiros anos da infância. Sempre tive a certeza de que seria escritor. O que me levou à faculdade de Comunicação foi exatamente a ambição de um dia publicar um livro. Não imaginava que no meio disso tudo passaria a escrever sobre livros. Foi um exercício muito natural e prazeroso. Amo fazer entrevistas, sempre estou tentando construir conhecimento com o meu entrevistado. Entrevisto, sobretudo, escritores. Gosto também de resenhar, mas, sobretudo, escrever matérias especiais e ensaios. Todos voltados à literatura. No meio de tudo isso, acabei trabalhando num festival literário e também conhecendo o meio. Trabalhei durante alguns anos como assessor de imprensa, mas vi que esse trabalho mais me afastava da literatura do que me aproximava. Por isso, resolvi fazer uma pós em Estudos Linguísticos e Literários, e também uma licenciatura em Letras. Seria uma forma de eu trabalhar com literatura, e ganhar algum dinheiro com isso, já que a crítica literária te dá mais status do que qualquer outra coisa. Descobri que a docência é a minha grande paixão ao lado da literatura. E, diferente do jornalismo, me sinto um cidadão somando ou querendo somar na vida de alguém. O espaço da sala de aula para mim é sagrado. É como uma segunda casa. Amo construir conhecimento com os meus alunos. Sou muito empático com as pessoas, no sentido de me colocar no lugar delas, o que é um exercício fundamental para quem escreve. Isso me ajuda dentro de sala de aula. No final das contas, os alunos precisam de alguém que ame realmente o ofício da docência, e eu verdadeiramente amo. 

 

Quais seriam suas referências literárias? De que forma elas aparecem em seu livro de estreia?
Minhas referências literárias são muitas.  Acho que, de maneira geral, os autores que até hoje fazem a minha cabeça são aqueles que exploram a psique humana e trabalham a linguagem de uma forma diferente e bastante libertária, fugindo das regras ou dos modelos pré-estabelecidos da prosa convencional. Eu poderia citar aqui o James Joyce, a Virginia Woolf, a Clarice Lispector, o Fiódor Dostoiévski, o Samuel Beckett e o Laurence Sterne, que é um autor incrível, extremamente sofisticado e moderno, de lá do século 18, que influenciou, inclusive, o Machado de Assis e o já citado Joyce. Faço muitas citações de obras literárias, musicais e cinematográficas neste livro. Gosto de trabalhar com essa coisa do hipertexto. Ou seja, um texto que te leva para outros tipos de textos e referências. Meu livro de contos trata-se, na verdade, de uma narrativa puzzle. A ideia das possibilidades de leitura e de brincar com a fusão dos gêneros literários e artísticos, em virtude da fragmentação, permite que ele possa ser lido como um livro de contos ou romance.

 
Solidão e Outras Companhias foi lançado no ápice de uma crise de público no mercado editorial no Brasil. A recepção do livro atendeu as expectativas?
Fui lançado numa editora pequena, com distribuição limitada nas livrarias. A editora imprimiu 180 exemplares iniciais, mas totalizou mais de 210 em dois meses de lançamento. Se tratando de um livro de estreia e com uma distribuição limitada, esse número é ótimo número. As vendas me deram a consciência de que o público me conhece e existe um interesse pela minha produção literária. Desde 2013 passei a escrever resenhas, entrevistas e ensaios de literatura na internet, migrando para os cadernos de cultura mais tradicionais da imprensa brasileira. Mas eu não tinha ideia de que existia um expressivo número de leitores de vários cantos do Brasil me acompanhando. Isso é muito gratificante.
 
Sempre há uma expectativa no lançamento de um livro de estreia. Você poderia fazer um perfil do leitor do seu livro?  
Não tenho muita ideia do perfil dos meus leitores, mas creio que parte dele seja de escritores, jornalistas e professores. É um círculo vicioso se tratando da literatura brasileira contemporânea. Os autores acabam se dialogando com os seus pares. Meu trabalho não é muito voltado a uma literatura que se pretende entreter exclusivamente o leitor. A literatura pode entreter, não há nenhum problema com isso. Mas trabalho bastante com a experimentação da forma, com diferentes recursos em minha narrativa. É como uma espécie de laboratório. Não creio que eu esteja inventando nada novo, mas estou inserido num ambiente de vanguarda. Tenho interesse em contar uma boa estória, sendo que nesse exercício existe uma ambição em trabalhar com processos mentais, sinestésicos e locais em que a linguagem alce um novo patamar, que não seja apenas o senso comum. Gosto da ruptura, de estar fora da caixinha. Não desejo escrever para um grupo restrito de pessoas, mas desejo leitores que encarem a literatura como uma experiência  para além do mero entretenimento, que, no fundo, não diz nada. 

Há alguma experiência de trabalho em escolas públicas com seu livro? Qual seria o elemento mais atrativo do livro para a juventude?
Alguns amigos do meio literário já me disseram que alguns contos do livro poderiam ser utilizados em sala de aula. Apesar dos temas serem bastante pungentes, acredito que eles podem ser trabalhados sim com o público do Ensino Médio. Sou professor de Língua Portuguesa, Literatura e Redação, e os meus alunos sempre perguntam pelo meu livro, mas pouco falo sobre ele em sala de aula. (risos) Quem sabe aconteça de alguém adotar para uma turma de Ensino Médio. Seria muito legal. Embora haja uma imagem de que a juventude não gosta de ler, creio que falte mais incentivo das famílias e das escolas, além de mediadores de leitura, para que as crianças e os adolescentes descubram esse universo e se identifiquem por ele. Não creio que o brasileiro seja desinteressado pela literatura. Precisamos de mais incentivo e pessoas engajadas nesse propósito.  A literatura é um grande barato, mas a seleção e ao mesmo tempo a autodescoberta são fundamentais para se construir um leitor.
Foto: Cris Torres
 

A narrativa de seu livro se aproxima da periferia?
Olha, essa pergunta é bem interessante, porque estive pensando muito sobre a questão, desde que eu participei de uma mesa sobre autores da periferia, no Salão Carioca do Livro (LER). Sou nascido e criado na periferia, e já vi muita coisa que pessoas que moram na Zona Sul ou nos grandes centros urbanos não fazem ideia. Sei o quanto a classe média e o proletariado sofrem, etc. A periferia é brutalmente esquecida pela maioria dos nossos governantes. As coisas chegam por aqui de forma muito lenta e atrasada, muitas vezes. Meu livro, embora não mimetize esse universo propriamente dito, fala sim da periferia, a partir do momento em que insiro como personagem principal uma travesti. Ela é o centro e o corpo de todo o livro. Ao mesmo tempo, falo de outras questões, que envolvem a falta de oportunidade no mercado de trabalho – a tal falácia da meritocracia – e também da própria segregação das pessoas, da falta de um olhar mais aprofundado e sensível sobre as coisas ao nosso redor, e que tem a ver também com os sujeitos ditos como marginais. Aliás, creio que todas as personagens de meu livro que estão à margem da esfera dita normativa da sociedade. No fundo, são seres solitários que buscam através da imaginação e da autorreflexão uma resposta às suas duvidas ou simplesmente uma válvula de escape. Então, pensando nesta questão sobre a periferia, meu livro reflete e muito sobre, não de forma bairrista ou de cunho restritivamente social, porém no sentido humano de ser periférico, deslocado, à margem.
 


Vai participar da FLIP ( Festa Literária Internacional de Paraty) em julho?

Olha, todo ano eu tento me programar e nunca consigo ir. Parece que este ano existe uma possibilidade. É a festa da Hilda Hilst, uma escritora que gosto muito e que, infelizmente, teve seu reconhecimento de forma muito tardia, como ocorre a grande maioria dos escritores. Parece que na literatura poeta bom é poeta morto. Mas, sim, existe a possibilidade de eu estar na FLIP, embora nada oficial por enquanto.

Tem algum novo livro em andamento?

Tenho um livro pronto que entreguei há poucas semanas para o meu editor. É um poema em prosa, que saberemos mais detalhes no ano que vem. Mas o que eu posso adiantar, por ora, é que trata-se de um livro que fala essencialmente sobre o amor, ou a idealização dele.





domingo, 3 de junho de 2018

CORRENTE DO BEM CONTRA A ONDA AUTORITÁRIA


FUTEBOL E POLÍTICA - COPA DO MUNDO 2018


Sou Tiago Bastos de Souza, tenho 19 anos, estudo na Universidade Salgado de Oliveira – Campus Niterói, graduando Educação Física no terceiro período. Filho de professores e apaixonado por futebol desde, minha primeira Copa do Mundo em 2002 e com muita honra estou na entrevista para esse Blog do meu pai!
 
1)      Em sua opinião, quais as três seleções favoritas para a Copa do Mundo da Rússia (2018)? Por quê?
 
Em minha opinião certamente Brasil e Alemanha são uma dessas três favoritas, mas a terceira é bem difícil, pois existem várias seleções tirando as duas acima capazes de conquistar a Copa do Mundo como, por exemplo, as seleções dos melhores jogadores do mundo como Messi e Cristiano Ronaldo, por Messi ter levado sua seleção a Copa do Mundo pelas eliminatórias e na última Copa chegando até as finais e sendo premiado como melhor jogador do Mundial, lembrando que Messi tem uma amargura em sua seleção não tendo conquistado nenhum título com ela e Cristiano Ronaldo que comandou sua seleção na Eurocopa, sempre querendo mais em suas conquistas vem bem focado para lutar pelo título inédito para sua seleção e país. Então deixo a terceira seleção favorita em aberto, pois existem várias devido suas tradições em copas e por seus jogadores que são destaques no futebol internacional. A minha escolha do Brasil certamente está pelo fato de sermos o país do futebol, com mais títulos em copas do mundo e considerando isso, somos sempre os favoritos, acredito que todas as seleções ou países que acompanham bem o futebol acreditem nisso. Já minha escolha para Alemanha é sua grande tradições em copas também, foi à última a ter ganhado e o trabalho daquela seleção continua com alguns remanescentes e outros novatos em Copas do Mundo fazendo uma renovação, mas que não abale o jeito da Alemanha jogar e não caindo sua técnica, formando uma renovação forte e saudável.
 
2)      Quais as qualidades e os pontos fracos da Seleção Brasileira convocada pelo Tite?
 

A meu ver suas qualidades são seus grandes jogadores que atuam na Europa, que disputam grandes campeonatos a quase nível de uma Copa do Mundo, contendo três jogadores que atuam no Brasil, mas que já atuaram na Europa e um que atua no futebol chinês, mas já atuou na Europa também. Seu ponto fraco até o momento é sua convocação inédita, pois os 23 jogadores nunca foram convocados juntos, mas, teremos dois amistosos que se focarem encarando como se fosse um torneio antes da Copa do Mundo e irem bem, encaixando o grupo desde os que estão fora de serem titulares até os titulares para terem um grupo coeso.
 
      3)      Em sua opinião, qual o jogador que merecia ter sido convocado mas foi deixado fora da lista? Por quê?
 
Eu concordo com Tite quando em sua coletiva de convocação ele diz que foi injusto em sua convocação, pois vários jogadores mereciam ser convocados. Mas o que destaco mais é o goleiro Marcelo Grohe do Grêmio como terceiro goleiro no lugar de Cássio do Corinthians e na lateral direita Mariano do Galatasaray da Turquia ou Marcos Rocha do Palmeiras no lugar de Fagner do Corinthians. Não tirando o mérito deles, pois, são bons jogadores e mostraram sendo campeões do Campeonato Brasileiro, mas, Marcelo Grohe foi destaque na conquista do Grêmio na Libertadores fazendo grandes defesas e no Brasileiro também, já Marcos Rocha do Palmeiras mantem sua regularidade desde a era Ronaldinho Gaúcho em 2013, quando eles eram do Atlético Mineiro e Mariano bom lateral que ganhou grandes títulos com o Fluminense e com seu destaque foi para Europa e lá ganhou a Liga Europa com o Sevilha na temporada 2015 para 2016.
 
4)      Quando o brasileiro vai começar a se empolgar com a Copa do Mundo? A crise econômica enfraqueceu o desejo de torcer?
 
 O brasileiro está empolgado nos últimos meses, acredito eu, desde a lesão de Neymar e maior divulgação na mídia que a Copa está chegando. Logicamente não, as dificuldades dos brasileiros devido a sua crise econômica e política só aumenta a vontade de torcer pelo Brasil, para mostrar que o Brasil é muito mais do que as crises e que elas não ocorrem só aqui, a Copa transforma o brasileiro em uma verdadeira união, é algo surpreendente e inexplicável. 
 
          5)      O que o futebol brasileiro aprendeu com a derrota de 7 X 1 para a Alemanha em 2014? O que precisamos fazer para melhorar?
 
O futebol brasileiro aprendeu que tem que entrosar mais seu conjunto e principalmente estudar mais sobre futebol, não é só convocar, treinar e ir para copa, mas tem que ocorrer um estudo aprofundado de seus jogadores para ser convocado, trazer eles mais para cultura brasileira, pois muitos jogam fora, estudar principalmente aonde irão jogar essa Copa e seus rivais tendo respeito enfrentando de igual para igual. Acho que Tite já vem fazendo algo para melhorar, sendo que a meu ver é o técnico que melhor se preparou da seleção brasileira no século XXI para Copa do Mundo, agora iremos ver o resultado, esse será o teste maior que apresentará esse aprendizado.
 
6)      O resultado da seleção brasileira na Copa do Mundo influenciará nas eleições do Brasil?

Acredito que não, pois o grupo político parlamentar em sua maioria não convive muito com o grupo político do futebol brasileiro, então acho muito fraca sua influência com a seleção.
 
 7)      O destaque da Seleção Brasileira na conquista do Tetra (1994) é pré-candidato a Governador do Rio de Janeiro. O eleitor do Rio de Janeiro votaria no programa de governo ou na qualidade do ex-jogador?

Acredito que pela qualidade do ex-jogador, pois mesmo que o grupo político parlamentar não tenha muito contato com o futebol, o futebol tem muito contato com o brasileiro, então, de um político que não seja jogador para um que seja, tem uma grande diferença, pois a maioria irá conhecer o ex-jogador, ainda mais com uma Copa do Mundo nas costas.
 
   8)      Qual jogador poderá ser o grande craque da Copa do Mundo da Rússia? Por quê?

Não haverá um grande craque na Copa do Mundo, mas sim, vários grandes craques em muitas seleções. Porque os grandes craques atualmente se destacaram em suas seleções desde as eliminatórias, aparecendo novos e inesperados grandes craques nas repescagens e só irão os melhores jogadores do mundo, então terão grandes jogos e com grande otimismo que venha o Hexa!

 
 
 


 
 

sábado, 2 de junho de 2018

PENSAR O RIO DE JANEIRO - ENTREVISTA COM O PROFESSOR MARCELO BURGOS


O Rio de Janeiro atravessa uma profunda crise política e social após anos de hegemonia de um grupo político que nasceu sob as bênçãos do ex-Governador Garotinho e, aos poucos, foi criando uma nova trilha mais burguesa que populista de viés conservador. Entretanto, há a necessidade de termos intelectuais refletindo e atuantes para a melhor intervenção dos atores políticos na superação democrática dessa crise. Portanto, a seguir, teremos uma longa e densa entrevista como professor Marcelo Burgos (PUC – RJ).

O professor Marcelo Burgos é Doutor em Sociologia pelo IUPERJ (1997) e tem trabalhado em pesquisas de sociologia urbana, com ênfase em territórios segregados e periféricos.


1)      Professor Marcelo Burgos, como chegou a essa profunda crise cívica na Cidade do Rio de Janeiro? A economia fragmentada do estado do Rio de Janeiro é causa ou consequência disso tudo que testemunhamos desde a passagem das Olimpíadas?


Crise social e política é uma condição latente ao Rio de Janeiro, que tem uma história caracterizada por descontinuidades político-administrativas (Brasília e a fusão dos estados são dois momentos extremamente complexos para a cidade), e por uma relação muito singular entre elite e povo, da qual também faz parte a forma pela qual a estrutura social está organizada em nosso espaço urbano. Nesse sentido, não seria exagero dizer que, aqui, a economia depende muito da política e da cultura popular, em uma escala muito maior do que em São Paulo, por exemplo, onde o mercado tem maior autonomia. A economia do petróleo e gás, a maior força dos interesses da indústria do turismo, e a presença mais marcante da principal empresa de comunicação do país na vida do Rio são, desse ponto de vista, alguns dos fatores que tornaram ainda mais complexa a estrutura econômico-social da cidade e da metrópole. Por um momento, parecia que os governos Cabral/Paes significavam uma virada que indicava que a burguesia finalmente tinha assumido o controle da gestão da cidade e do estado, mas logo ficou claro que o que se tinha era uma forma muito perversa e mafiosa de articulação entre o mercado e a política, que somente se sustentava a partir do controle da vida popular por máquinas políticas, inclusive de milícias, e também por estratégias de neutralização da mídia, do Ministério Público e do Poder Legislativo.


2)      O Governo Federal sinalizou nos dois últimos anos com duas iniciativas que teria como objetivo superar a calamidade e salvar um campo político conservador. O acordo de ajuda financeira, que levou o Orçamento do Estado a se comprometer com uma ampla redução de sua capacidade de investimento, e a Intervenção Federal na Segurança Pública, que ainda não foi além das medidas “paliativas”. Qual a sua avaliação sobre essas iniciativas?


Talvez se pudesse afirmar que o custo político da ajuda financeira foi cobrado no momento da intervenção na segurança pública. A ajuda financeira foi uma costura complexa e inconclusa, que inclusive colocou a Cedae como moeda de troca, cobrada por um governo federal orientado por um fundamentalismo de mercado, e muito preocupado em dar satisfação a grupos financeiros nacionais e estrangeiros. Tratava-se de um momento extremamente frágil do governo estadual, mas o socorro federal não podia arranhar a ortodoxia com que o governo federal pretendia pautar sua macroeconomia. E qual será o saldo da operação financeira ainda não sabemos ao certo, pois também é verdade que o preço do barril de petróleo – de que tanto depende a economia do estado - voltou a subir, reduzindo momentaneamente a gravidade da situação.
Por outro lado, com a intervenção militar deu-se quase o inverso: uma tentativa de usar o Rio para salvar o governo federal do que prometia ser – e ao que tudo indica será – um final melancólico do mandato do governo espúrio do Temer. Acuado pelas forças de segurança do estado, e por um quadro de descontrole em face das milícias, e ainda refém do acordo financeiro não cumprido com o governo federal, o governador Pezão se viu obrigado a aceitar a proposta, anulando-se.
Como se vê, a operação financeira e a intervenção na segurança pública estão interligadas, como processos interdependentes, tendo sido o Rio, por sua importância na cena política do país, tomado como uma espécie de laboratório onde se experimenta um novo tipo de acordo federativo, que combina submissão ao mercado com submissão à autoridade militar. As consequências desse coquetel são visíveis a olho nu: profunda crise social e ausência completa de controle social sobre a política de segurança.


3)      Uma longa sequência de demissões acompanha o estado do Rio de Janeiro. Sua grande maioria seriam trabalhadores da construção civil e muitos jovens não conseguem seu primeiro emprego. Há alguma solução política para isso? A força de candidatura do Deputado Jair Bolsonaro (PSL), de extrema-direita, teria essa base no Rio de Janeiro?

Sem dúvida, o Rio tem sido um dos estados que mais sofre com a crise econômica, política e social porque passa o país. A construção civil recuou no país inteiro, mas é claro que o dia seguinte ao do ciclo olímpico teve aqui um impacto mais violento. A ausência de respostas dos governos estadual e municipal para tentar criar frentes de trabalho agrava o quadro. Quanto ao Bolsonaro, é verdade que uma parcela da população que está disposta a votar nele vem desse segmento de trabalhadores desempregados. Mas sua base política parece bem mais sólida entre setores de classe média e classe média baixa, que de algum modo o veem como uma resposta ao problema da corrupção e da insegurança, e do que percebem como a impunidade dos criminosos.


4)      O último campeonato carioca de futebol foi um dos que menos atraiu um público para os Estádios. Crise econômica, desemprego e a violência seriam algumas das explicações. Entretanto, não poderia ser uma mudança da postura do carioca em relação ao futebol uma vez que a Federação e os meios de comunicação lhe conferem mais um viés de espetáculo do que de diálogo entre torcedores e bairros?


É verdade que a questão do futebol não pode ser desvinculada do modelo arena-televisão que se construiu em torno dele. De fato, o crime cometido com a desfiguração do Maracanã deixou a cidade sem sua principal referência popular. Mas outros fatores também entram nessa equação, como a crise econômica e o desemprego, associada à elevação das vivências de todo tipo de violência. Mas se aceitarmos que parte dessas variáveis também estariam presentes no último campeonato brasileiro, e que neste caso a média do público dos times do Rio não foi inferior ao das principais praças de futebol do país, precisamos avaliar se, no caso do campeonato carioca, também não estaria presente uma deliberada desvalorização do certame regional, possivelmente em função da briga travada entre a FFERJ e a emissora que tem comprado os direitos de transmissão do campeonato. Seja como for, creio que o campeonato carioca continua sendo um evento muito querido pelo povo carioca.


5)      Uma Agremiação de Escola de Samba do Grupo Especial teve um processo eleitoral recentemente marcado pelas denúncias disputa de influência da contravenção e das forças milicianas. O Senhor acredita que a iniciativa do Prefeito Marcelo Crivella (PRB) em reduzir verbas oficiais para as Escolas de Samba agravará esse cenário?


Infelizmente, muitas escolas de samba estão há muito tempo ligadas à contravenção, por outro lado, a essa altura há evidências de que bicheiros e milicianos disputam espaços mas também se unem em muitas ações, como no caso das máquinas de jogos “caça-níqueis”. O carnaval carioca é um espaço privilegiado de articulação com a vida popular, servindo por isso mesmo como via de capitalização política. Por isso, é claro que se o poder público recua muito, a tendência é a de se aumentar ainda mais os laços de dependência com outras formas de financiamento, bem como de submissão a contraventores e milicianos. Mas este é um terreno complexo, e talvez a pergunta formulada seja especialmente oportuna justamente porque nos obriga a colocar luz sobre a economia do carnaval, bem como sobre sua vida associativa. Afinal, se é verdade que a vida popular do Rio de Janeiro está submetida a um controle muito pesado de grupos paramilitares que atuam em parceria com grupos políticos, e se é verdade que a apropriação dos bens simbólicos do carnaval por esses grupos é parte importante desse controle, pode-se concluir que temos aqui uma agenda fundamental para trabalharmos pela emancipação popular.


6)      O que aconteceu com o Associativismo de Bairro do carioca? O Senhor conhece alguma experiência positiva na atualidade?

O associativismo de bairro não morreu, o problema é que se ele fica muito desgarrado da vida da cidade em um sentido mais amplo, acaba refém da lógica do “não no meu quintal”, ou seja, de uma lógica puramente defensiva. Para que ele possa ter uma atuação mais cívica e democrática, é preciso valorizar sua relação com outras organizações e com a própria vida partidária. Acho que o movimento contra a construção da Linha 4 do metrô, realizado com muita energia por parte das associações de moradores, foi uma demonstração de força importante, pena que foi derrotado pela máfia do Cabral, que o ignorou completamente, implantando contra todas as opiniões em contrário “o linhão” que interliga Ipanema à Barra, de modo a atender interesses particularistas de seus sócios. Perdeu-se ali uma oportunidade de democratização real da vida da cidade. Hoje, vivemos um momento de recuo, fortemente guiado pela égide do medo, e por isso é compreensível que o associativismo de bairro tenha recuado tanto. Mas precisamos combater essa tendência, pois a cidade precisa muito dele.


7)      O assassinato da Vereadora Marielle Franco (PSOL) incentivou a emergência de muitas pré-candidaturas de mulheres e da periferia para o próximo pleito. Entretanto, as novas regras da campanha eleitoral (menos tempo de campanha, por exemplo) podem prejudicar essas iniciativas. O que falta para a renovação na política carioca?

 
A renovação da política no país como um todo depende de mudanças profundas na lógica da competição política. Em todo o país o acesso à política partidária está muito fechado, desencorajando os mais jovens e talentosos e ingressar nela. No caso do Rio, a forma pela qual as máquinas políticas se articularam com grupos milicianos agravaram essa tendência. E isso tem um efeito terrível para os territórios populares, pois praticamente impede que os jovens periféricos consigam canalizar seus anseios de mudança pela via da política. A Marielle representava uma exceção em meio a essa lógica perversa, mas é preciso lembrar que sua votação somente foi tão expressiva porque furou o bloqueio, alcançando os jovens de classe média da zona sul da cidade, que apoiaram maciçamente sua candidatura. No fundo, sua trajetória acenava para o que há de mais promissor na cidade, que é essa aproximação entre parcelas da classe média e do mundo popular. Este é o caminho do Rio, sua melhor saída. Não sabemos ainda com certeza quem mandou matá-la, mas seja lá quem for, é certo que sabia que estava matando mais do que uma talentosa e promissora liderança política, estava na verdade procurando interditar um caminho de articulação entre diferentes grupos sociais. Mas o drible de corpo que a Marielle dera no controle brutal que as máquinas políticas - muitas vezes com o apoio explícito de milícias - exercem na maior parte dos territórios populares da cidade e da metrópole, deixou vestígios de um caminho que precisaremos aprofundar.

 
8)      Recentemente foi divulgado que o sociólogo Luiz Eduardo Soares fez uma reunião na sua residência para buscar a unidade da esquerda do Rio de Janeiro no primeiro turno. Essa ideia é utópica? Como avalia o quadro da esquerda fluminense desde as eleições de 2016?

O problema é qual a utopia? Ou seja, em nome do que estamos nos movendo. A construção de um estado e de uma cidade mais justos, com geração de empregos e renda, e ampliação do acesso à segurança pública, educação e cultura, saúde, habitação e mobilidade urbana; com a melhoria da infra estrutura urbana e de logística econômica; e com medidas concretas no sentido de favorecer a emancipação popular do jugo de grupos paramilitares e de máquinas políticas, tudo isso pressupõe a construção de um ambiente político pautado por uma articulação capaz de reunir diferentes atores em torno de um campo democrático, republicano e progressista. Acredito que essa construção pressupõe a organização de pontes comunicando diferentes grupos políticos, diferentes classes sociais e também diferentes gerações.


9)      As pesquisas iniciais ao Senado indicam a possibilidade de vitória do filho do Deputado Federal Jair Bolsonaro e do vereador César Maia pelo (DEM). Há espaço político para surpresas nas eleições para o Senado?

 
A família Bolsonaro se beneficia do medo e do caos, e também da cultura de escândalos de corrupção que caracteriza boa parte da grande mídia, e que ganhou espaço na agenda de parte do Judiciário. É preciso insistir que os Bolsonaros não têm qualquer compromisso com a democracia, e que embora vivam há muito tempo como parlamentares, apenas pretendem instrumentalizar a democracia para chegar ao poder, para no dia seguinte implantarem um governo autoritário, com ou sem o apoio militar. E o que é pior: ninguém poderá dizer que o chefe do clã não avisou. Por onde anda, tem dito isso em alto e bom som, e muitas vezes sob o aplauso de diferentes plateias. Ainda há tempo para tentar impedir esse gesto de loucura e de suicídio político que viria por parte de parcela do eleitorado, mas para isso será preciso estarmos mais atentos aos fatores que têm contribuído para impulsionar o projeto do clã.
Quanto às surpresas, poderão acontecer, já que são duas vagas para o senado, e o cenário ainda está aberto.


10)  Como o Senhor avalia a liderança nas pesquisas do Senador Romário (PODEMOS) para Governador? Ele seria um exemplo de vitória da “anti-política”?  


Romário conta com a vantagem de que seu nome é uma lenda do futebol, e isso lhe dá um crédito junto à massa do povo. Mas a eleição para o executivo vai testá-lo de um outro modo, e não sei até que ponto ele está preparado para esse desafio. Além disso, para a eleição majoritária a imagem de “anti-política” ajuda e atrapalha ao mesmo tempo, pois uma parcela significativa do eleitorado também espera que o candidato a governador tenha experiência administrativa, perfil de gestor, e bom trânsito e capacidade de diálogo com outros atores políticos. Se você não tem isso, e tampouco conta com o apoio da sociedade civil organizada, tem grande chance de ficar isolado, mesmo tendo o prestígio pessoal de um grande ídolo do futebol.  

quarta-feira, 23 de maio de 2018

ENTREVISTAS: BRASIL 2018 - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES


Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta. Com ampla participação em jornais e revistas associados ao velho PCB, como Voz da Unidade e Presença, na Fundação Astrojildo Pereira dirige a coleção Brasil & Itália, que trouxe para o público brasileiro livros inéditos de Giuseppe Vacca, Silvio Pons e outros. Coeditou, com Marco Aurélio Nogueira e Carlos Nelson Coutinho, as Obras de Antonio Gramsci, lançadas pela Ed. Civilização Brasileira. Há vários anos é colaborador regular de O Estado de S. Paulo. Edita as páginas Gramsci e o Brasil (www.gramsci.org) e Esquerda Democrática (https://www.facebook.com/esqdemocratica).


1) O que observamos de diferente nesse cenário de pré-campanha para as eleições presidenciais?

A extrema dispersão das candidaturas, especialmente as do centro político, faz lembrar a primeira campanha pós-Constituição de 1988. De fato, ali também os candidatos “extremos”, Collor e Lula, se beneficiaram do afastamento tucano em relação ao velho tronco peemedebista, da existência de uma candidatura própria do partidão (Roberto Freire) e daquela de um político da tradição, como Brizola, que, fossem quais fossem seus defeitos, tinha a ideia da importância das classes médias.

Vendo o panorama agora, o quadro é ainda mais confuso. À direita não sabemos a real implantação de um candidato que defende soluções autoritárias e que, em todo caso, não convém subestimar. À esquerda, mesmo com óbvios impedimentos legais, o eterno candidato petista ainda não cedeu aos imperativos da realidade ou finge não ceder, o que dá praticamente no mesmo. Ciro Gomes tem potencial eleitoral óbvio, assim como óbvios são os obstáculos representados por algumas de suas ideias “barrocas” e pelo seu próprio “barroquismo” pessoal.

O centro, hoje, é quem mais parece se ressentir destes anos de má política, cooptação e devastação da estrutura dos partidos. Mas seus diferentes representantes já não podem botar a culpa nos outros, no petismo em particular, não em último lugar porque jamais se preocuparam em dar vida orgânica aos respectivos grupos partidários. Os vícios persistem depois de todo o desastre ou, talvez, como expressão continuada de um desastre que parece não ter fim. Por exemplo, há gente nesta área que parece ser candidato porque quer ou porque – vexame máximo! – tem dinheiro suficiente para bancar a própria campanha, embora não tenha a menor viabilidade eleitoral ou capacidade de aglutinação.

Isso para não entrar na questão da composição provável do próximo Congresso. Existe a forte possibilidade de eleição de um presidente com frágil base congressual, dada a possível predominância de partidos “médios” empenhados desde já em eleger bancadas para funcionar como cidadelas corporativas dispostas para um jogo de soma zero. Partidos sem visão nacional nem programa coerente e, por assim dizer, retalhados transversalmente em bancadas “temáticas” – a da bala, a da motosserra, a evangélica, etc. E em certos casos, ainda por cima, comandados por personagens egressos de condenação nos megaescândalos dos últimos anos, o que só se explica pela mão de ferro que impõem sobre os recursos do fundo partidário.

Em outras palavras, um cenário pré-eleitoral de tal complexidade é inédito. Temos algumas situações do passado para comparar, algumas categorias para mapear o terreno, mas não muito mais. 


2) A tática do Partido dos Trabalhadores (PT) de levar a candidatura de Lula até o limite contribui para a renovação da esquerda brasileira?

Desde o primeiro dos dois grandes escândalos da era petista, o comportamento daquele partido foi sempre linear e previsível: defendeu-se atacando. Os alvos são móveis, mas não são muitos: a mídia oligárquica, a justiça de classe, a classe média ressentida e capturada pelas “elites”. Uma cultura de confrontação, portanto, que de resto foi a marca de origem do partido e só esteve suspensa em alguns momentos, como no episódio da “Carta aos brasileiros”, de 2002. Se bem observarmos, a figura mítica e quase mística de Lula povoa o cenário desde as eleições de 1989. Uma esquerda prisioneira de um só nome há trinta anos não contribui para a renovação de si mesma nem do país. Congela a renovação dos quadros, ajuda a bloquear a imaginação política e social. E, naturalmente, acaba por fomentar o surgimento de outros mitos igualmente nocivos, transformando a arena política num cenário de fanatismos que no fundo se alimentam uns aos outros e não vivem uns sem os outros.  

3) Alguns eleitores do PT nas camadas médias estão migrando para o PSOL ou PCdoB enquanto a Direção Nacional interdita o debate do “Plano B”. Esse seria o momento de renovação do ciclo de hegemonia do PT na esquerda brasileira?

Li um dia desses que a esquerda brasileira ficou mentalmente agarrada aos anos 1960. Só isso, aliás, explica o fascínio de Cuba ou da Venezuela, pelo menos antes da tragédia humanitária que se abateu sobre este último país. Evidentemente, aquela mentalidade “revolucionária” era completamente inadequada, visceralmente inadequada, como guia de ação no contexto brasileiro. O PT cresceu, elegeu prefeitos e governadores, ganhou quatro mandatos presidenciais, vale dizer, teve todo o tempo do mundo para entender como uma relação correta com as instituições democráticas, fortalecendo-as e aprofundando-as na vida dos subalternos, não só é algo valioso em si como também atende aos interesses da própria esquerda.

Mas é preciso considerar que, falando de “esquerda”, estamos colocando no singular um termo muito complexo. Sempre haverá esquerdas atrasadas, sectárias, em permanente ânsia de assaltar os céus. O importante é que fiquem na margem do quadro, sem dominar a discussão geral. E sempre haverá situações ambíguas: se é verdade, por um lado, que o PT jamais se comportou como partido revolucionário, por outro lado nunca abandonou uma linguagem desse tipo, sempre coqueteou com os Chávez e Maduros da vida, e só esse coqueteio traz confusão, obstaculiza o diálogo com as demais forças, prejudica o projeto e a ação de um governo reformista, gerando ruídos completamente fora de propósito.
Considerando o peso das ideias na ação política, que nunca é pequeno, acredito que sair do PT e aderir ao PSOL ou ao PCdoB, tais como são, é continuar na máquina do tempo. Já se passaram trinta anos desde a promulgação da Constituição de 1988, era tempo de termos aprendido. A democracia permite e até requer aprendizados longos, mas convenhamos que há algo de repetição, no sentido psicanalítico do termo, neste “novo” rumo que alguns têm tomado depois de se desiludirem com o PT. Com a palavra, Freud, de preferência a Marx.



4) A candidatura do Deputado Jair Bolsonaro (PSL) lidera entre os eleitores jovens do sexo masculino. Ele seria o herdeiro das manifestações em favor do impeachment de Dilma?
Este nexo entre os maus ou medíocres governos do PT (e nisso incluo os de Lula, que não têm nada de extraordinário sequer em termos de inclusão social, se colocados em perspectiva comparada com países semelhantes no mesmo período de intensa valorização das commodities) e a ascensão da extrema-direita tem sido ressaltado e é sem dúvida pertinente. Mas seria um equívoco julgar que as jornadas de junho de 2013 e as manifestações pelo impeachment tivessem algum desfecho predeterminado ou inevitável. Elas não foram unívocas nem monopolizadas pela direita política, muito menos pela extrema-direita. Se tivessem sido, estaríamos numa situação ainda mais complicada: teríamos uma agressiva direita “revolucionária”, adepta de uma intervenção militar “constitucional” e com base de massas, o que (ainda) não é o caso.
Bolsonaro explora demagogicamente uma série de problemas reais para os quais o centro político ainda não conseguiu formular respostas abrangentes, como a questão da violência nas nossas cidades, que evidentemente fugiu de controle. Mas suas propostas, como a de relaxar o controle de armas e disseminar seu uso, não só são primárias como também trazem embutido o risco de um perigoso regresso civilizacional. Chegaremos a ter professores armados em salas de aula? As mulheres dispararão contra seus companheiros violentos? Será este o método preferido de resolução de todos os inúmeros conflitos interpessoais?
Faço um desvio aparente. Um lema inteligente de 2013 dizia que país desenvolvido não é aquele em que “os pobres têm o seu carrinho”, mas sim aquele em que a grande maioria, inclusive a classe média alta, usa transporte sobre trilhos. Analogamente, país seguro não é aquele que deixa os cidadãos se armarem até os dentes, o que provavelmente teria como consequência aumentar o número já absurdo de assassinatos com armas de fogo, quem sabe generalizando entre nós o tipo de crime “americano” por excelência que é a matança indiscriminada de inocentes. País seguro sabe prender bem, punindo, em primeiro lugar, os crimes contra a vida. Combate sem tréguas o domínio territorial do tráfico. Assegura para o aparelho do Estado democrático o monopólio da violência (entre outras coisas, a posse das armas de guerra), etc.
Uma constatação óbvia é que os governos petistas nada fizeram sobre segurança pública; e, gostemos ou não, um primeiro passo está sendo dado agora, no malfadado governo Temer, com a criação do sistema único de segurança. Temos de seguir neste caminho, examinando cuidadosamente, por exemplo, a experiência internacional sobre o uso de drogas, que responde por boa parte da violência urbana. Por falar nisso, há quase uma idealização de Portugal neste momento, especialmente por ser um país seguro, com índices baixíssimos de criminalidade. Bem fariam os milhares de brasileiros se, uma vez lá estabelecidos ou mesmo depois de uma simples visita, se perguntassem sobre como a moderna democracia portuguesa trata traficantes e usuários, como lida, afinal, com este imenso problema das drogas. E assim nos ajudassem a mostrar que não há Bolsonaros por lá. O caminho é inteiramente outro, se quisermos ter níveis decentes e civilizados de vida associada.    


5) Em 2002 nós vimos o “Lula Paz e Amor”. Seria possível a invenção do “Ciro Paz e Amor”, ou seja, qual o nível de abertura da campanha do PDT para o centro político?

A candidatura Ciro Gomes é muito competitiva, um dado de realidade que ninguém vai negar. Indultando ou não a Lula (só a Lula?), um Ciro presidente indicaria o ocaso irreversível do petista. Ciro passeia pelos partidos com desenvoltura mais do que preocupante, dando a sua deliberada contribuição pessoal para a miséria do sistema partidário; no entanto, o fato de ter sido governador e ministro, além de estar ocasionalmente alojado no PDT (com sua cultura trabalhista residual e retórica), alerta-o instintivamente para o papel das classes médias, que só uma esquerda muito precária demoniza ou ridiculariza. Mas Ciro, como também já demonstrado abundantemente, pode pôr tudo a perder com uma declaração desastrada e até um gesto grosseiro, ou uma combinação em série de falas e gestos destemperados. Ademais, ele tem este lado “decisionista” declarado, que certamente o levaria a tentar superar eventuais impasses com o Congresso apelando à manifestação direta do “povo”. O risco, aqui, é a emergência de uma perigosa democracia plebiscitária, em que o controle da política “pelo alto” se mascararia com a participação manipulada da população. Nada muito empolgante, portanto. Além do mais, também não se sabe o que seria a politica econômica de Ciro. Um nacional-desenvolvimentismo próximo dos governos Lula II e Dilma? Neste caso, dada a quebra generalizada do Estado brasileiro, poderíamos ver reencenado o “estelionato eleitoral” que vimos em 2014/2015. Ciro, por tudo isso, é muito mais parte do problema do que de uma solução razoável.


6) Geraldo Alckmin (PSDB), Álvaro Dias (PODEMOS) e Rodrigo Maia (DEM) ensaiam atrair partidos fisiológicos do chamado “Centrão”. Quem leva vantagem até a campanha eleitoral? Marina Silva (REDE) não poderia ser o Macron das eleições presidenciais de 2018?

Não há Macrons à vista no horizonte. Aproveitando o tema Macron, é preciso dizer que esta questão do “centro” deve ser mais bem explicada. Não se trata de apontar uma posição intermediária e supostamente mais sensata e razoável. Não é questão de fazer graça com coisa séria, mas o padrão stalinista de ação política consistia, exatamente, em apontar uma direita “traidora” dos princípios e uma esquerda aferrada radicalmente a estes mesmos princípios, de modo que o grande líder sempre aparecia como detentor da chave mágica de leitura do mundo real: dele emanava a “linha justa”.

O centro não pode ser isso. Tem de falar para além das cercas do mundo político e buscar sólidos apoios na vida social, nos empresários, nos trabalhadores, no mundo da cultura. Não pode ignorar esta dramática “questão dos intelectuais”, não de hoje radicalizados à esquerda e, agora, para espanto geral, à direita. Os líderes do centro devem se mostrar inteiramente solidários com a massa de brasileiros desempregados, subempregados ou em desalento. Não é questão só de buscar obsessivamente os caminhos do crescimento, mas também de demonstrar profunda simpatia humana e sentimento de solidariedade, de passar a sensação de “proximidade” com o sofrimento da gente comum. Nada disso é pieguice, comiseração ou paternalismo anacrônico. É algo qualitativamente diverso, é uma expressão do princípio republicano da fraternidade, que deve se juntar à liberdade e à igualdade formalmente garantidas na Constituição.  

É preciso ter audácia para resolver problemas reais, concretos. Recordo um episódio bastante triste destes últimos anos, que muitos ainda terão na memória. Vimos o presidente Temer e os ex-presidentes Lula e Dilma “brigando” pela paternidade das obras de transposição do São Francisco, inclusive da parte que foi concluída no governo Temer. Sucederam-se discursos e antidiscursos, inaugurações e anti-inaugurações oficiais. No entanto, audácia política, ali, seria apontar para o grande problema das águas do São Francisco e dos nossos cursos d’água de um modo geral. Isso abriria espaço para a discussão de políticas públicas efetivamente radicais, como o saneamento, a despoluição, a proteção do território. E, diga-se de passagem, abriria espaço também para a mobilização de saberes, muito particularmente das universidades e suas áreas humanas, hoje muitas vezes perdidas em bizantinismos ideológicos, incapazes de incidir produtivamente no mundo real.

O centro, portanto, não deve ser o lugar de infinitas e inconclusivas mediações no interior da “classe política”, mediações que fazem a alegria de quem, como nós, gosta da atividade política mesmo em restrito sentido palaciano. Deve ser bem mais do que isso. Sem negar minimamente o papel da mediação política e, antes, exaltando-a, o centro é o lugar móvel, dinâmico, de onde se podem descortinar os problemas essenciais do país e, ao mesmo tempo, apontar os rumos para sua solução, as forças que é possível convocar, os consensos que se deve promover em cada caso para obter um equilíbrio de forças mais avançado. O esquerdismo pseudoradical mostra-nos o paraíso e suas quarenta mil virgens, esquecendo-se “apenas” de indicar o roteiro viável para chegar até a beatitude. Ao contrário, todos os nomes indicados acima, nesta última pergunta, estão desafiados a reconstruir esta ideia de centro progressista e reformador, mostrando ao mesmo tempo o gato e o guizo.

Diria, para terminar, que a renovação da esquerda passa exatamente por este ponto. Sob pena de continuar a ser meramente uma força de protesto, “um bolsão sincero, mas radical”, uma esquerda de novo tipo, sem deixar de ser ela mesma e de cumprir os compromissos sociais que definem sua identidade, deve ser um fator de ativação do centro político. Neste caso, ela, esquerda, não se perderia em anátemas tolos contra uma “classe média” egoísta e sempre igual a si mesma em toda a história do país, entravando miseravelmente o suposto bonde da história e outros bondes. Diria ainda que esta é uma grande questão de hegemonia no sentido alto e nobre da expressão, longe de qualquer fanatismo e de qualquer reducionismo. Há muitos momentos em que parecemos não estar coletivamente à altura do desafio, mas isso não significa que tenha de ser assim indefinidamente.

terça-feira, 1 de maio de 2018

OS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Educar para a Democracia
Vagner Gomes de Souza

O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais um momento da política brasileira em que a polarização se fez presente ao ponto das “fumaças do passado” começar a circular os quartéis. O resultado não está fundando um caminho para a pacificação na sociedade brasileira. Ao contrário, a “ética da convicção” estaria suplantando a “ética da responsabilidade” como nos ensina o clássico Max Weber. Assim, percebemos o quanto a nossa democracia está carente de uma ampla frente de defesa para que a velocidade dos fatos não acabe por jogar o país num ciclo de ampliação das restrições de direitos.
A Constituição é o farol da democracia. Esse é o teor da coluna de Tereza Cruvinel (“STF menor, crise maior” no Jornal do Brasil de 05 de abril) que muito desejamos ressaltar o voto do ministro Celso de Mello. Ele realmente fez uma aula magna sobre os valores da liberdade consagrados na Constituição, o que nos permitiria a pensar no papel da educação para fazer o cidadão melhor conhecer seus direitos. Muitos brasileiros são leigos no conhecimento de nossos direitos e imaginem no reconhecimento dos princípios fundamentais de nossa nação.

Ulisses Guimarães e Lula

O que dizem um determinado segmento da sociedade quanto a defesa da dignidade da pessoa humana (art.1º, III da C.F.)? Quais longas polêmicas daria ter como objetivo “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III da C.F.)? O que diriam os pré-candidatos a Presidência da República sobre a “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º, II da C.F.)? Esses são alguns exemplos do quanto nossa Constituição precisa ser mais reconhecida pelo povo. Afinal, como exercer o seu poder desconhecendo os termos da Carta Magna?
A democracia é complexa. Por isso, o atalho da polarização atrai a muitos que desconhecem princípios consagrados na nossa Lei Maior. Todo campo democrático deve levar os termos da nossa Constituição para o debate no dia a dia. A pacificação de nosso momento político passa pela conquista de mentes e corações para as palavras que foram promulgadas há quase 30 anos. A sociedade se educa para a democracia além das eleições. A democracia se fortalece com a solução de problemas no cotidiano e se engrandece com o reconhecimento das posições contrárias na busca de pontos em comum.
Promulgação da Constituição de 1988

As escolas devem ser motivadas a fazer da Constituição como um texto a ser trabalhado em seus projetos pedagógicos. O reconhecimento das contribuições dos povos africanos e indígenas se fez na educação através de uma lei. Talvez seja o momento de criarmos mecanismos legais que permitam aos alunos um melhor acesso a “Carta Cidadã”. Em resposta aos céticos que argumentam que há passagens com palavras difíceis de compreensão, argumentemos que os livros didáticos distribuídos nas redes públicas de ensino publicam o Hino Nacional com palavras do século XIX.
Faz parte da educação enfrentar os desafios do conhecimento em benefício do aprofundamento dos valores democráticos. A massificação do “Título I – Dos Princípios Fundamentais” já seria um primeiro passo no sentido de educar para a democracia. Nesse trajeto, todos poderão melhor compreender ao que Ulysses Guimarães pretendia no seu discurso de promulgação da Constituição ao afirmar: “Eu tenho ódio e nojo à ditadura”.