terça-feira, 12 de junho de 2018

Literatura Brasileira Contemporânea: Entrevista com Márwio Câmara

Nas margens desse mundo líquido há muitas contribuições na literatura brasileira contemporânea para contribuir na interpretação do momento em que vivemos. O livro de estreia de Márwio Câmara é um desafio para aqueles que desejam enfrentar as saídas autoritárias para nosso país. Solidão e outras companhias merece ser debatido nos diversos circulos de leitura que emergiram recentemente. Fica aqui essa dica e abaixo segue a entrevista que VOTO POSITIVO fez com o autor.
 
 Foto: Cris Torres

Qual foi sua trajetória pela literatura até o seu livro Solidão e Outras Companhias?
 
Comecei trabalhando como jornalista. Sempre fui apaixonado por literatura. O exercício de compor histórias iniciou-se nos primeiros anos da infância. Sempre tive a certeza de que seria escritor. O que me levou à faculdade de Comunicação foi exatamente a ambição de um dia publicar um livro. Não imaginava que no meio disso tudo passaria a escrever sobre livros. Foi um exercício muito natural e prazeroso. Amo fazer entrevistas, sempre estou tentando construir conhecimento com o meu entrevistado. Entrevisto, sobretudo, escritores. Gosto também de resenhar, mas, sobretudo, escrever matérias especiais e ensaios. Todos voltados à literatura. No meio de tudo isso, acabei trabalhando num festival literário e também conhecendo o meio. Trabalhei durante alguns anos como assessor de imprensa, mas vi que esse trabalho mais me afastava da literatura do que me aproximava. Por isso, resolvi fazer uma pós em Estudos Linguísticos e Literários, e também uma licenciatura em Letras. Seria uma forma de eu trabalhar com literatura, e ganhar algum dinheiro com isso, já que a crítica literária te dá mais status do que qualquer outra coisa. Descobri que a docência é a minha grande paixão ao lado da literatura. E, diferente do jornalismo, me sinto um cidadão somando ou querendo somar na vida de alguém. O espaço da sala de aula para mim é sagrado. É como uma segunda casa. Amo construir conhecimento com os meus alunos. Sou muito empático com as pessoas, no sentido de me colocar no lugar delas, o que é um exercício fundamental para quem escreve. Isso me ajuda dentro de sala de aula. No final das contas, os alunos precisam de alguém que ame realmente o ofício da docência, e eu verdadeiramente amo. 

 

Quais seriam suas referências literárias? De que forma elas aparecem em seu livro de estreia?
Minhas referências literárias são muitas.  Acho que, de maneira geral, os autores que até hoje fazem a minha cabeça são aqueles que exploram a psique humana e trabalham a linguagem de uma forma diferente e bastante libertária, fugindo das regras ou dos modelos pré-estabelecidos da prosa convencional. Eu poderia citar aqui o James Joyce, a Virginia Woolf, a Clarice Lispector, o Fiódor Dostoiévski, o Samuel Beckett e o Laurence Sterne, que é um autor incrível, extremamente sofisticado e moderno, de lá do século 18, que influenciou, inclusive, o Machado de Assis e o já citado Joyce. Faço muitas citações de obras literárias, musicais e cinematográficas neste livro. Gosto de trabalhar com essa coisa do hipertexto. Ou seja, um texto que te leva para outros tipos de textos e referências. Meu livro de contos trata-se, na verdade, de uma narrativa puzzle. A ideia das possibilidades de leitura e de brincar com a fusão dos gêneros literários e artísticos, em virtude da fragmentação, permite que ele possa ser lido como um livro de contos ou romance.

 
Solidão e Outras Companhias foi lançado no ápice de uma crise de público no mercado editorial no Brasil. A recepção do livro atendeu as expectativas?
Fui lançado numa editora pequena, com distribuição limitada nas livrarias. A editora imprimiu 180 exemplares iniciais, mas totalizou mais de 210 em dois meses de lançamento. Se tratando de um livro de estreia e com uma distribuição limitada, esse número é ótimo número. As vendas me deram a consciência de que o público me conhece e existe um interesse pela minha produção literária. Desde 2013 passei a escrever resenhas, entrevistas e ensaios de literatura na internet, migrando para os cadernos de cultura mais tradicionais da imprensa brasileira. Mas eu não tinha ideia de que existia um expressivo número de leitores de vários cantos do Brasil me acompanhando. Isso é muito gratificante.
 
Sempre há uma expectativa no lançamento de um livro de estreia. Você poderia fazer um perfil do leitor do seu livro?  
Não tenho muita ideia do perfil dos meus leitores, mas creio que parte dele seja de escritores, jornalistas e professores. É um círculo vicioso se tratando da literatura brasileira contemporânea. Os autores acabam se dialogando com os seus pares. Meu trabalho não é muito voltado a uma literatura que se pretende entreter exclusivamente o leitor. A literatura pode entreter, não há nenhum problema com isso. Mas trabalho bastante com a experimentação da forma, com diferentes recursos em minha narrativa. É como uma espécie de laboratório. Não creio que eu esteja inventando nada novo, mas estou inserido num ambiente de vanguarda. Tenho interesse em contar uma boa estória, sendo que nesse exercício existe uma ambição em trabalhar com processos mentais, sinestésicos e locais em que a linguagem alce um novo patamar, que não seja apenas o senso comum. Gosto da ruptura, de estar fora da caixinha. Não desejo escrever para um grupo restrito de pessoas, mas desejo leitores que encarem a literatura como uma experiência  para além do mero entretenimento, que, no fundo, não diz nada. 

Há alguma experiência de trabalho em escolas públicas com seu livro? Qual seria o elemento mais atrativo do livro para a juventude?
Alguns amigos do meio literário já me disseram que alguns contos do livro poderiam ser utilizados em sala de aula. Apesar dos temas serem bastante pungentes, acredito que eles podem ser trabalhados sim com o público do Ensino Médio. Sou professor de Língua Portuguesa, Literatura e Redação, e os meus alunos sempre perguntam pelo meu livro, mas pouco falo sobre ele em sala de aula. (risos) Quem sabe aconteça de alguém adotar para uma turma de Ensino Médio. Seria muito legal. Embora haja uma imagem de que a juventude não gosta de ler, creio que falte mais incentivo das famílias e das escolas, além de mediadores de leitura, para que as crianças e os adolescentes descubram esse universo e se identifiquem por ele. Não creio que o brasileiro seja desinteressado pela literatura. Precisamos de mais incentivo e pessoas engajadas nesse propósito.  A literatura é um grande barato, mas a seleção e ao mesmo tempo a autodescoberta são fundamentais para se construir um leitor.
Foto: Cris Torres
 

A narrativa de seu livro se aproxima da periferia?
Olha, essa pergunta é bem interessante, porque estive pensando muito sobre a questão, desde que eu participei de uma mesa sobre autores da periferia, no Salão Carioca do Livro (LER). Sou nascido e criado na periferia, e já vi muita coisa que pessoas que moram na Zona Sul ou nos grandes centros urbanos não fazem ideia. Sei o quanto a classe média e o proletariado sofrem, etc. A periferia é brutalmente esquecida pela maioria dos nossos governantes. As coisas chegam por aqui de forma muito lenta e atrasada, muitas vezes. Meu livro, embora não mimetize esse universo propriamente dito, fala sim da periferia, a partir do momento em que insiro como personagem principal uma travesti. Ela é o centro e o corpo de todo o livro. Ao mesmo tempo, falo de outras questões, que envolvem a falta de oportunidade no mercado de trabalho – a tal falácia da meritocracia – e também da própria segregação das pessoas, da falta de um olhar mais aprofundado e sensível sobre as coisas ao nosso redor, e que tem a ver também com os sujeitos ditos como marginais. Aliás, creio que todas as personagens de meu livro que estão à margem da esfera dita normativa da sociedade. No fundo, são seres solitários que buscam através da imaginação e da autorreflexão uma resposta às suas duvidas ou simplesmente uma válvula de escape. Então, pensando nesta questão sobre a periferia, meu livro reflete e muito sobre, não de forma bairrista ou de cunho restritivamente social, porém no sentido humano de ser periférico, deslocado, à margem.
 


Vai participar da FLIP ( Festa Literária Internacional de Paraty) em julho?

Olha, todo ano eu tento me programar e nunca consigo ir. Parece que este ano existe uma possibilidade. É a festa da Hilda Hilst, uma escritora que gosto muito e que, infelizmente, teve seu reconhecimento de forma muito tardia, como ocorre a grande maioria dos escritores. Parece que na literatura poeta bom é poeta morto. Mas, sim, existe a possibilidade de eu estar na FLIP, embora nada oficial por enquanto.

Tem algum novo livro em andamento?

Tenho um livro pronto que entreguei há poucas semanas para o meu editor. É um poema em prosa, que saberemos mais detalhes no ano que vem. Mas o que eu posso adiantar, por ora, é que trata-se de um livro que fala essencialmente sobre o amor, ou a idealização dele.





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