Conselhos
Tutelares e Eleições de 2024
Vagner Gomes de
Souza
O Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) é um conjunto de normas de proteção dos direitos da
criança e do adolescente que foi instituído no Brasil em 13 de julho de 1990.
Nosso país estava com as “contas bloqueadas” pelo único tiro possível contra o “tigre
da inflação” nas palavras do então Presidente da República. Era para serem os
primeiros meses de um novo ordenamento institucional em substituição ao “Código
do Menor”.
Um Brasil com menos de 10% da população que se declarava evangélicas. Logo, na esfera religiosa com toda a legitimidade democrática, a atuação marcante da Pastoral do Menor organizada entre os católicos a partir de 1977 como forma de fazer uma missão em favor de crianças e adolescentes empobrecidos. O social estava na ordem do debate do dia para denunciar as tratativas da República e da Democracia como o culto da política de moderação. A “revolução dos interesses” semeava os elementos do empreendedorismo individualizado que mudará em muito o perfil do mundo do trabalho.
O ECA resguardou os direitos num país que foi se aproximando da estabilidade inflacionária, porém passou por poucos momentos de crescimento econômico. Nesses 33 anos a juventude ampliou seu acesso a educação, mas os números de proficiência em leitura e interpretação, matemática e conhecimentos em ciências ainda estão em níveis muito abaixo do adequado. Além disso, surgiu uma pandemia com um grande impacto na vida das crianças e adolescentes que em muitos aspectos não se comenta ao falar das eleições aos Conselhos Tutelares.
As forças reacionárias
apresentaram inúmeras propostas legislativas nessas últimas décadas com o
intuito da redução da maioridade penal. Diante da capilaridade dos Conselhos
Tutelares, eles ganham um valor muito estratégico na resistência a essa e
outras propostas em contradição ao Estatuto. O reacionarismo não pode ser
confundido com aquilo que chamam pensamento conservador nas eleições do
Conselho Tutelar uma vez que atuam democraticamente mobilizando eleitores para
legitimar o arcabouço jurídico e institucional do ECA.
Não podemos deixar de considerar que muitos
eleitores atribuem equivocadamente uma das razões do crescimento da violência a
falta de punição as ações criminosas que está cada vez mais com o aliciamento
das crianças e adolescentes. A narrativa reacionária apresenta a transformação de
Dadinho como Zé Pequeno - personagem do filme Cidade de Deus (2002) inspirado
em José Eduardo Barreto Conceição que foi um criminoso nos anos 70/80 no mesmo
bairro. Defendem que o “mal” precisa ser
combatido pela raiz e o ECA impediria isso. Não nos surpreendamos que muitos
ausentes nas eleições aos Conselhos Tutelares sejam dessa opinião ou, mais
grava ainda seria o quadro, que haja eleitores ativos com esse perfil.
Não podemos reacender o
atalho simplificado da ideia de “polarização” política na escolha dos Conselhos
Tutelares uma vez que a linha tênue entre reacionários e conservadores é
marcante. No decorrer da campanha aos Conselhos, o espírito de Frente
Democrática está deixado em segundo plano, pois averiguamos muitas mensagens
nas redes sociais defendendo “perfis” de um “Campo Progressista”. Todavia, a sociedade
vive um dia a dia muito dramático para esse tipo de alinhamento. Não buscar a
ampliação do “arco de aliados” até entre os evangélicos é o mesmo que o mundo
sindical fez nos anos 80 com o líder metalúrgico “Joaquinzão”[1]
que era um grande defensor do “imposto sindical”.
Estamos em tempos de
transição na demografia e religiosa. Dois fatores que seriam singulares para
que as Ciências Sociais estudem seus possíveis impactos na mobilização do voto.
Os eleitores do segmento juvenil estão a reduzir e muitos comungam do pensamento
reacionário como observamos nas atitudes em salas de aulas e na ascensão de
grupos virtuais de jogos com perfil de grande violência. Ilusão considerar que
haja uma “juventude progressista” uma vez que esse é o segmento mais alheio a
qualquer participação coletiva nos dias atuais. Reagem até a participar de
exames nacionais como SAEB ou ENEM. Imagina acordar num Domingo para ir votar
ao Conselho Tutelar. A juventude mobilizada está nas instituições religiosas
sem estar no aguardo de cargos públicos. O jovem evangélico (nunca mobilizado
por uma Frente Democrática) faz pelo futuro como se ainda fosse a expressão da
confiança numa utopia.
Consequentemente, as lideranças de um importante segmento da sociedade não podem ser desconsideradas e/ou ridicularizadas como fanáticas. Não estamos condenados na terra se houver mais política de Frente. Afinal, não é impossível estabelecer um diálogo com os herdeiros do pensamento “Saquarema”, pois defendem o primado da Lei já constituída. A “lacração” só está nos isolando ao disputar o eleitor comum. Esse é o momento de reconhecer que esse sectarismo poderá nos levar a derrota às “casas legislativas” em 2024. Ainda é tempo de sair das “bolhas” dos coletivos e fazer política concreta.
[1]
Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Paulo desde 1965. Muito criticado como “pelego”, ou seja,
um líder sindical conservador. Três momentos de sua atuação merecem ser
lembrados: o protesto contra o assassinato do operário Manoel Fiel Filho nos
porões da ditadura, em 1976, a ação judicial, também durante a ditadura,
reivindicando perdas salariais e a greve pela redução da jornada de trabalho de
48 para 44 horas semanais, consubstanciada na Constituição de 1988 como marco
para colocar o dia 5 de outubro no calendário nacional como Dia da Democracia.