quinta-feira, 13 de julho de 2023

CARBONÁRIOS DO SÉCULO XXI - Fogo não cai do céu....


Imagem postada na página Campo Grande Notícias RJ

Zona Oeste em Chamas

Carlos Alfredo Nagle[1]

 

Escrevo muito impactado por imagens de um incêndio no bairro de Campo Grande (maior bairro do país e reduto eleitoral das forças reacionárias do negativismo ambiental) que circula nas redes sociais. Trata-se de um incêndio que precisa de muita investigação pois, apesar de ser uma época propícia a esse tipo de eventos, temos um fogo mais próximo das residências em territórios com interesses imobiliários de segmentos a margem de nosso universo jurídico.

No primeiro momento, pensava ser #tbt do triste acontecimento na Floresta da Posse há exatos sete dias. Todavia temos o maciço da Pedra Branca e seus arredores em ameaça. As margens próximas na altura da Estrada dos Caboclos ardendo em chamas segundo meus conhecidos estão a me informar. Não sei se há correlação com as ventanias sicilianas que somente o Comissário Montalbano poderia esclarecer, porém, onde tem fumaça há fogo e aonde tem fogo tem ausência de uma política mínima de articulação de um “gabinete de crise” sobre o tema.

Se há certa naturalização para esses eventos estranhos, imaginemos que não se pensa em uma resposta as chamadas queimadas urbanas. O ponto é delicado também para a saúde publica, pois moradores locais relatam “fuligem” circulando pelo bairro dos desaparecidos laranjais. Um vale de incertezas que não se pode ser enfrentado com postagens nas mídias sociais.

Capitão Planeta não pode ficar circunscrito a voos de helicópteros pelos pontos turísticos do Rio de Janeiro. Deve fazer uma vistoria mais profunda em caráter emergencial para o espaço geográfico desses eventos. Um mapa, coisa de geógrafo investigativo, pode ser uma boa sugestão para ver se há ou não mera coincidências. Estranhemos as semelhanças. Duvidemos de tudo disse uma vez um pensador da Renânia que jamais se importou com essa característica identitária.

Enfim, nesse momento de comoção, deixo essa paródia como reflexão:

Lágrimas em mim[2]

 

Passarim quis pousar, não deu, voou

Porque a frente partiu, mas não pegou

Passarinho, me conta, então me diz:

Por que a o meio ambiente não está feliz?

Me diz o que eu faço da “lacração”?

Que me devora a razão...

Que me deixa isoladão...

Que me maltrata o coração...

Que piora minha ação...

 

E o mato que é bom, o fogo queimou

Cadê o fogo? A água se privatizou

E cadê a água? O “gado” se escondeu

Cadê o amor? Falta de programa corroeu

E a vaidade se espalhou

E o Homem Morcego carregou

Cadê o SEMAC que o vento levou?



[1] Liderança estudantil em 1968. Formado em Geografia. Ex-colunista no Jornal do Brasil. Agradeço a gentileza do BLOG em me ceder esse espaço quase em caráter de urgência.

[2] Paródia de “Passarim” de Tom Jobim.


quarta-feira, 12 de julho de 2023

CARBONÁRIOS DO SÉCULO XXI - EDUCAÇÃO AMBIENTAL SEM PLANO A OU B?


                                       Educação Ambiental no Rio de Janeiro

Dedicado a Ex-Deputada Jurema Batista

Carlos Alfredo Nagle[1]

Um belo espetáculo foi ver a baleia jubarte na praia de meu bairro, Ipanema, a cerca de um mês atrás. Lembrei-me de que, muito antes de me interessar para o meio ambiente, nas aulas da Escola Municipal (fui aluno de escola pública) um professor explicou que esses cetáceos vinham ao nosso litoral para buscar condições para a reprodução da espécie. Nada de gastos com cartilhas naquele tempo para se observar o conhecimento.

Então, me peguei a pensar sobre a importância de um programa de ensino da Educação Ambiental nas escolas. Foram nelas que surgiu minha primeira motivação como um aluno curioso sobre o mundo ao meu redor. Em seguida, fui estudar o antigo secundário no Colégio Pedro II num momento conturbado pelo inicio da Ditadura Militar. Havia um professor de Geografia, que poderia ser considerado tradicional, mas foi um dos primeiros a anunciar sobre a possibilidade das mudanças climáticas e seus impactos para as encostas do Rio de Janeiro. Ele era discípulo de Fernando Antônio Raja Gabaglia e nos fez ler o livro do mesmo para os exames do curso (Leituras Geográficas). Esse saudoso professor muito falava sobre os rios cariocas e dava como exemplo o Rio Pavuna que estava ainda a se perder na poluição.

Estávamos muito iludidos pelas leituras de Louis Althusser numa linha empobrecedora de compreensão do marxismo e da conjuntura. O importante seria a nossa identidade na luta contra a Ditadura Militar. Não pude compreender naquela época a coragem da linha do antigo partidão em sequência ao seu VI Congresso (1967). Tempo se passou. Meu exílio me levou a reencontrar a Geografia e a perspectiva da educação ambiental, porém a tecnocracia pretendia colocar o meio ambiente circunscrito ao campo das ciências da natureza. Todavia a ecologia é uma ciência humana e para um mundo mais amplo que as “caixinhas” de ressonância dos conceitos que hoje a rodeiam.

Na minha Carta Aberta anterior, eu lamentei a redução do tempo semanal da disciplina de Geografia na Rede Municipal do Rio de Janeiro. Esperei, por pura ilusão de um velho ativista, que o jovem Secretário de Educação carioca fosse postar algum comentário a essa passagem. Ilusão minha. Os jovens secretários da gestão municipal do Rio de Janeiro estão ocupados em fazer imagens para suas mídias sociais. Foi-se o tempo que uma carta na Coluna de Leitores do Jornal do Brasil era respondida pelos gestores públicos que hoje se assemelham a influencers de ausências programáticas.

Portanto, talvez o caminho seja acreditar na invenção da política, ou seja, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Clima buscar um diálogo para que tenhamos mais educadores da rede municipal a ministrar aulas de educação ambiental nas unidades escolares. A educação ambiental é tema transversal e precisa de mais recursos uma vez que o melhor espaço para se aprender é na aplicação desse conhecimento. Contudo, é necessário ter ousadia para exigir mudanças diante dos “Filhos de Havard”.

Qual é o programa para a Educação Ambiental? Esse precisa ser debatido nas comunidades escolares pelas mesmas. Unificar aos Projetos Políticos e Pedagógicos (PPPs) das unidades escolares as perspectivas das ODS da ONU. Na gestão de Educação do Governo anterior, havia referência aos mesmos temas nos materiais pedagógicos distribuídos pela SME-RJ. A continuidade com novas tonalidades precisa ter esse ponto de encontro entre Republicanos e Sociais Democráticos no arcabouço da Educação Ambiental. A inspiração da “Grande Política” nesse tema se faz evidenciar que muitos jovens gestores ainda se sentem envaidecidos e não acolhem as críticas construtivas como se fosse estar a “falar mal”. 




[1] Liderança estudantil em 1968. Formado em Geografia. Ex-colunista no Jornal do Brasil.

domingo, 9 de julho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 019 - OS SEIS MESES DO GOVERNO LULA/ALCKMIN

Um desejo de esperança

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

As contas públicas da Presidência podem ser um cenário muito bom para os governos aumentarem seu apoio aos cidadãos. Para isso, devem conseguir transmitir um tom republicano e democrático, uma vontade de construir acordos nacionais e internacionais, mostrar empatia com as prioridades do povo e nunca adotar um estilo briguento. Para que esse efeito não seja efêmero e se dilua em pouco tempo, deve ser seguido de ações reais e devem ser evitadas medidas que neguem suas palavras. A sanção da Lei Nº 14.611, de 3 de julho de 2023 que assegura a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens parece ter causado boa impressão na população, o que se refletiu em uma melhora na avaliação do governo em praticamente todos os aspectos. Isso reafirma que as pessoas não querem viver no meio de um fio político sem fim e que querem que sejam alcançados acordos que melhorem sua existência e não sofram as ilusões de grupos opositores.

Para alcançar resultados que durem no tempo, porém, o governo sempre deve traçar com clareza o sentido de suas ações, sua visão estratégica sobre os rumos que pretende dar ao país e a forma como esse desenho é executado. Nas palavras de Maquiavel, sua "virtù" para lidar com a sua "fortuna" ou nas palavras de Max Weber a melhor maneira de combinar suas "convicções" com sua "responsabilidade".

O discurso da Presidência na abertura da 17ª reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) de 6 de julho consegue conter essa dimensão ao seu modo, através de alguns traços visíveis em um longo oceano discursivo. Convém, portanto, observar com serenidade quais foram seus méritos e limites.

Apresenta uma visão louvável no que diz respeito a um maior entendimento da ação governamental. Podem criticar ou elogiar, mas é a fala de uma Presidência que carrega o peso de sua responsabilidade e que está à frente da grande maioria das Presidências da região, tanto em assuntos nacionais quanto internacionais, mesmo um com longa experiência. o retorno ao poder nessa quadra tem mostrado ao seu modo um amadurecimento que acentua ora os seus defeitos e ora os seus talentos e senso de realidade.

Não foi um discurso desprovido de visão autocrítica e expressa longos passos positivos de uma reconstrução original rumo à busca da governabilidade republicana e democrática.

Esse discurso da Presidência foi pacífico, evitou um tom sectário ou intolerante e a sua retórica foi cuidadosa e cheia de boa vontade, até amável em várias passagens. A sua autocrítica nuclease, com razão, na mãe de todos os seus erros, nas aventuras ausentes de rotina como ilustrou certa vez Gilberto Freyre.


É ilustrativo disso que tenha mobilizado o saudoso Franco Montoro na sanção da lei que trata sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres afastando publicamente os disparates para o necessário desenvolvimento democrático e republicano do país que tinham transparecido em outrora através de certos transbordamentos identitários, de particularidades tribais e com o nefasto efeito do afastamento dos problemas reais da população.

Como bem sabemos isso está de acordo a rejeição maciça das tristes cenas de 8/1, como também aumentou o bom senso do povo, o distanciamento e a desconfiança em relação às minutas escabrosas de mudanças da institucionalidade democrática que acabou se expressando em um poderoso apoio a boa moderação.

O discurso da Presidência destaca, naturalmente, as conquistas sociais obtidas e que se almejam bem como afirma a necessidade de fortalecer as instituições e a aplicação da lei e sublinha a necessidade de uma visão real da questão industrial. Além disso, aponta sua disposição para o diálogo sobre a reforma tributária com a salutar consciência de angariar o apoio necessário a poucas horas de sua apreciação no plenário da Cãmara dos Deputados, o que acabou por refutar que não há relatividade para os caminhos das reformas na democracia, mas apenas um o da própria democracia.

O seu verbo ainda saldou seu leal concorrente José Serra (parceiro de ensaios com Maria da Conceição Tavares na luta contra os autoritarismos planetários), abrindo a esperança do abandono das ambivalências, de ouvir os silêncios perante aqueles que dizem apoiá-lo, mas contradizem-no diariamente. Por outro lado, é muito legítimo que ressalte que na sua aprendizagem mantém os seus princípios, afinal o que é decisivo na política são antes os fins.

Os eixos explicitados para o governo são muito louváveis, o problema é que não são programáticos, pois ainda não sustentam uma visão estratégica para entregar soluções de longo prazo para avanços sociais, ambientais, civilizatórios e cidadã, porque não se combinam com uma visão límpida de crescimento económico, que em conjunto com a mudança tributária e a manutenção da responsabilidade no arcabouço fiscal assegurem a sustentabilidade de um processo de mudança.

A ausência desta visão estratégica enfraquece o desenvolvimento futuro, porque muita das promessas feitas com franqueza pode virar-se contra a gestão se não for cumprida num país onde a desconfiança e as desilusões se espalharam demasiadamente no ultimo quadriênio, onde as pessoas vivem momentos difíceis, o medo da estagnação presente nos primeiros números do Censo 2022, que seus empregos não durem e que, consequentemente, seus direitos sociais acabem não se refletindo em seu cotidiano.

O "logos" dessa conta pública sem dúvida melhora, mas isso deve ser acompanhado de experiência prática, garra para resistir às pressões cruzadas de um setor reacionário reforçado e de seus próprios supostos apoiadores, entre os quais, não poucos, são prisioneiros de sonhos doutrinários, que os cegam para perceber a realidade.

Nesse espírito, os 6 meses indicam que poderemos concluir com sucesso o primeiro ano. O sucesso da apreciação no plenário da Cãmara dos Deputados da reforma tributária aponta o acerto que se fez na sinalização feita ao Centro político. Embora a discussão tenha sido acalorada em alguns momentos, havia muita vontade de chegar a um acordo, deixando para trás o espírito de turras que reinava no quadriênio anterior.

Isso possibilitou a construção de um projeto mais do que aceitável com bases republicanas, abordando questões típicas do atual momento de saída da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, com uma estrutura política e jurídica de bom tom e a abertura para uma ampliação dos direitos sociais sem se tornar um programa partidário em relação ao desenvolvimento futuro.

Aliás, não se pode pedir aos Senadores e Senadoras que substituam a discussão por uma aclamação, mas sim que não quebrem o espírito de trabalho que se abriu e que mantenham o predomínio do bom senso e da abertura em favor da sua aprovação e encerramento. O Brasil deve concluir esse processo e acordar um padrão tributário mínimo aceitável para uma maioria consistente de nossa convivência democrática e republicana.

 

9 de julho de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.





segunda-feira, 3 de julho de 2023

CARBONÁRIOS DO SÉCULO XXI - CARTA ABERTA A SEMAC RIO DE JANEIRO

 

Carta Aberta - O Crepúsculo do Ambientalismo

Carlos Alfredo Nagle[1]

Sinto um estranhamento sobre a forma como o debate das mudanças climáticas estaria sendo conduzidas na cidade do Rio de Janeiro. Portanto, entrei em contato para esse insuspeito BLOG para escrever essa carta no intuito de contribuir com algumas de minhas reflexões a partir de universo que fui formando desde que retornei do exílio em 1979. Minha geração equivocadamente criou uma “patrulha ideológica” que muito se assemelha a alguns dizeres de alguns jovens que estão a atuar na política. Achávamos que tudo seria nosso e nada dos outros numa visão escatológica do fim do capitalismo.  Nos dias atuais, os anseios pela igualdade exposta por Alexis de Tocqueville em Democracia na América têm moldado as falas desses jovens com verniz social.

O “Tudo pelo Social” que estranhei na gestão de José Sarney é simplesmente localizar políticas sociais numa suposta “periferia” sem que haja um cuidado programático. A meu receio é que as mudanças climáticas não estejam sendo de fato debatidas na cidade do Rio de Janeiro diante de algumas iniciativas que aparentemente saem de reuniões de “mídias sociais”. Além disso, no escopo da Federação PT/PCdoB/PV poderia muito bem abrir espaço para os Verdes na gestão municipal carioca como ampliação da política de Frente.

Todavia, não me vejo bem diante de uma gestão do meio ambiente que não tem a ousadia em questionar a implantação de uma tirolesa no Pão de Açúcar enquanto o teleférico do Alemão continua se degradando e nada se fala do que um dia funcionou no Morro da Providência. Mesmo que tenha autorizações para a execução dessa iniciativa privada, não é uma visita técnica que deve fazer calar a externalização de uma opinião.

Estou cansado e tudo me dói ao ter que constatar que os tempos de meu engajamento hoje se confundem em política de compensação social no meio ambiente. Projetos. Tempos de projetos dos Guardões de Ralo, Matas, Mangues, etc. Nome infeliz para nós que tivemos recentemente os “Guardiões do Crivella”. Só falta chamar o Projeto “Capitão Planeta” para vistoriar o Rio de Janeiro num helicóptero como se fosse o fundamental para enfrentar as mudanças climáticas.


Serra da Posse

O desafio da Educação Ambiental é um trabalho muito importante para as novas gerações mesmo que tenhamos uma rede municipal que reduziu a carga horária de aula para a disciplina de Geografia. O Secretário Municipal de Educação poderia fazer um gesto pelo meio ambiente e contribuir para a volta dos três tempos semanais. Além disso, a SEMAC precisa estar dentro das escolas públicas do município para que esse diálogo com as novas gerações atinja o “Ginásio Carioca”.

A formação de uma juventude engajada na luta contra as mudanças climáticas deve ser para todas e todos no universo escolar. Projetos de Laboratórios afunilados de 50 até 5 pessoas não me convencem na formação de uma liderança autônoma, independente e participativa. Além disso, outro nome infeliz foi “Jovens Negociadores” num universo de liberalismo ambiental. A melhor parceria são os professores de ciências e geografia da rede pública municipal para formar “Embaixadores do Clima” sem espaço para engajamentos com leituras eleitoreiras.

Nos subúrbios de Irajá e Guadalupe há uma ausência de arborização constatada em diversos estudos. O eixo da Avenida Brasil é um “antipulmão” de emissões de CO2 com moradores de vulnerabilidade social convivendo com poucas árvores. Faltam guardiões nesse momento. Falta também a retomada da política das ciclovias para as periferias ou seriam os “Guardiões dos Pedais” nos dizeres da comunicação da SEMAC. Sirkis ainda é uma saudosa lembrança sobre esse tema. No mundo pós-pandemia e da alta dos custos de combustíveis fosseis, essa deveria ser um prioridade para uma gestão com olhar para a questão urbana.

Por fim, mesmo que eu seja um privilegiado morador de Ipanema, estou muito atento aos relatos de meus amigos ativistas da ecologia no bairro de Campo Grande. Minha fala planetária me permite refletir que o redesenho da “Nova Floresta da Posse” com uma área menor que o decreto original impõe um alerta para o campo democrático. Além disso, se tudo gira em torno do debate do transporte de automóveis, onde está a iniciativa em favor do transporte de massa que sempre esteve na pauta dos progressistas? Ciclovia no projeto do túnel de Campo Grande é insuficiente diante da dimensão do bairro. Um compromisso com forças políticas mais ao centro não pode significar um silêncio programático. Ou temos só projetos e nenhum programa? Se o Rio de Janeiro está envelhecendo e esvaziando de uma população mais jovem, o bairro de Campo Grande aparentemente está na contratendência ao Censo o que sugere pensar em um diálogo programático mais constante com os movimentos sociais locais para fazer do meio ambiente um debate de ecologia humana.


[1] Ex-liderança estudantil em 1968. Formado em Geografia na Universidade de Moscou.


sábado, 1 de julho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - ENSINO MÉDIO NA BERLINDA (RESENHA DE LIVRO)


 O ovo da serpente na educação 

 

Pablo De Las Torres Spinelli 

 

O Estado do Rio de Janeiro teve recentemente mais de 40 dias de paralização da sua rede estadual de ensino por uma greve orientada pelo SEPE/RJ que tinha como metas a defesa do Plano de Carreiras, o pagamento do Piso Nacional do Magistério, a convocação dos concursados e um novo concurso público e a revogação do Novo Ensino Médio1 . A greve não conseguiu a sua pauta e além de ter sido judicializada, sofreu uma derrota política diante de um governador que colocou como entrave o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Estado e que pedira ao Executivo Federal a retirada da Educação do RRF, logo, o foco da categoria deveria ser para Brasília e não para o Palácio Guanabara.  

 

Dito isso, há uma urgência de um balanço sobre a derrota do movimento por parte da categoria e não só. O campo intelectual pode e deve dar contribuições para o entendimento das sucessivas derrocadas. Aqui cabe uma provocação. A pauta do magistério está em consonância com as demandas societais? É possível ter vitória política numa greve sem a sociedade como parceira? A pauta econômica poderia ter um diálogo com outras pautas tais como unificação do calendário de recesso no meio do ano até à infraestrutura escolar (climatização, água, esgoto, isolamento acústico)?  

 

Em ação inédita, o Presidente da República insta a sociedade a fazer inscrições para o ENEM por meio de redes sociais. As escolas não poderiam fazer a inscrição e ter uma agenda com a comunidade escolar sobre os problemas da categoria e dos alunos na conjuntura pós-pandêmica? Perguntas que são formuladas a partir do lançamento do livro Ensino médio no Brasil e sua (im)possibilidade histórica: determinações culturais, econômicas, políticas e legais, organizado por um grande especialista da área da Educação, Gaudêncio Frigotto, e editado pela UERJ (LPP)/Expressão Popular.  




O livro composto por onze artigos com a colaboração de quinze pesquisadores e profissionais da área da educação abre um amplo leque de diagnósticos a respeito da educação e, em especial, o ensino médio brasileiro, como aludido no título. Com linhas de pesquisa e abordagens das mais diversas há pontos em comum que podemos elencar para os profissionais da área e para o público leigo. 

 

A começar pela análise do capitalismo periférico do “outro ocidente” que é a América Latina, e, em especial, o Brasil, cujo eixo formador da nação trouxe consigo as chagas de uma sociedade escravocrata e de uma elite burguesa moderna que leva adiante a modernização com o setor do atraso, cuja permanência do latifúndio é marca indelével da nossa formação contemporânea. O constructo teórico a partir de textos seminais das Ciências Sociais tem como arcabouço o diálogo entre Florestan Fernandes, Celso Furtado e Francisco de Oliveira, pensadores e analistas de um modelo desenvolvimentista que combina desiguais desde a formação cidadã, perpassando pelo sistema educacional do século passado e que culmina no viés mercadológico na área do ensino desse século, como a valorização da meritocracia, da educação particular, do “espírito” empreendedor nessa América periférica. Pode-se discutir as ausências de Caio Prado Júnior e dentro do pensamento cepalino, o sociólogo discípulo de Florestan, Fernando Henrique Cardoso, mais lembrado enquanto presidente de um governo rotulado como neoliberal, seara que abre discussões se ali começou e se ali se esgotou tal modelo. Foi nesse governo que a educação passou a ser avaliada por um exame nacional que passou a ser a porta de entrada (na maioria, a única) para o ensino superior, além da criação do FUNDEF, cuja meta era capilarizar para os municípios parte do orçamento exclusivamente para o Ensinamento Fundamental, política pública que foi continuada e turbinada pelo FUNDEB no governo seguinte.  


 A abertura de um debate sobre os moldes do capitalismo brasileiro, as lacunas de nomes do pensamento social brasileiro, a ênfase em dualismos classificatórios carregados de uma energia da superestrutura não invalida os acertos da coletânea como as evidências legislativas nos últimos dez anos que prioriza a flexibilização da rede pública de ensino no Ensino Médio e que acaba por adaptar escolas particulares que vivem de ranqueamento e de concorrência de um mercado cada vez mais competitivo. As digitais de setores privados na formulação de políticas públicas - como o Sistema S e o “Todos Pela Educação” - são colocadas à luz das pesquisas. A associação do empreendedorismo com as camadas subalternas da sociedade é equivalente ao que existia desde os idos do Ministério Capanema e que foi exponenciado pelo tecnicismo-fordista da Ditadura Militar. É ainda de grande valia as contribuições para futuras pesquisas para intervenções públicas em uma aliança entre universidade pública e sociedade. Há caminhos férteis para a práxis na educação a partir dos relatórios dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, algo que permitirá um questionamento sobre a atuação de bancadas legislativas na área da educação desde o “chão de fábrica” até a orçamento e gestão; tal qual mais pesquisas acerca do ensino público e suas mazelas diante dos anos pandêmicos, algo que permite políticas preventivas.  

 

A confecção de um livro de tal monta é um tour de force não apenas pelos temas analíticos da sociedade brasileira, das classes hegemônicas, mas, e principalmente, pela sua confecção em anos de chumbo – aqui não como metáfora da Ditadura Militar, mas do peso que o espectro fascista que nos rondou e ronda nos legou -, em ásperos tempos que precisam de intervenção de intelectuais compromissados com a educação pública, com a res pública, com a democracia. Gaudêncio Frigotto nos trouxe à reflexão com Escola “sem” Partido (2017) para o ovo da serpente que ali se chocava e agora com esse seu mais recente livro discute a possibilidade vinda da impossibilidade histórica de um ensino médio público de qualidade e democrático. E aqui temos em Frigotto e seus colaboradores intelectuais desempenhando um papel ativo na organização da cultura democrática nesse país amante da revolução passiva.  

 

1 https://seperj.org.br/nova-versao-carta-a-populacao/