segunda-feira, 3 de julho de 2023

CARBONÁRIOS DO SÉCULO XXI - CARTA ABERTA A SEMAC RIO DE JANEIRO

 

Carta Aberta - O Crepúsculo do Ambientalismo

Carlos Alfredo Nagle[1]

Sinto um estranhamento sobre a forma como o debate das mudanças climáticas estaria sendo conduzidas na cidade do Rio de Janeiro. Portanto, entrei em contato para esse insuspeito BLOG para escrever essa carta no intuito de contribuir com algumas de minhas reflexões a partir de universo que fui formando desde que retornei do exílio em 1979. Minha geração equivocadamente criou uma “patrulha ideológica” que muito se assemelha a alguns dizeres de alguns jovens que estão a atuar na política. Achávamos que tudo seria nosso e nada dos outros numa visão escatológica do fim do capitalismo.  Nos dias atuais, os anseios pela igualdade exposta por Alexis de Tocqueville em Democracia na América têm moldado as falas desses jovens com verniz social.

O “Tudo pelo Social” que estranhei na gestão de José Sarney é simplesmente localizar políticas sociais numa suposta “periferia” sem que haja um cuidado programático. A meu receio é que as mudanças climáticas não estejam sendo de fato debatidas na cidade do Rio de Janeiro diante de algumas iniciativas que aparentemente saem de reuniões de “mídias sociais”. Além disso, no escopo da Federação PT/PCdoB/PV poderia muito bem abrir espaço para os Verdes na gestão municipal carioca como ampliação da política de Frente.

Todavia, não me vejo bem diante de uma gestão do meio ambiente que não tem a ousadia em questionar a implantação de uma tirolesa no Pão de Açúcar enquanto o teleférico do Alemão continua se degradando e nada se fala do que um dia funcionou no Morro da Providência. Mesmo que tenha autorizações para a execução dessa iniciativa privada, não é uma visita técnica que deve fazer calar a externalização de uma opinião.

Estou cansado e tudo me dói ao ter que constatar que os tempos de meu engajamento hoje se confundem em política de compensação social no meio ambiente. Projetos. Tempos de projetos dos Guardões de Ralo, Matas, Mangues, etc. Nome infeliz para nós que tivemos recentemente os “Guardiões do Crivella”. Só falta chamar o Projeto “Capitão Planeta” para vistoriar o Rio de Janeiro num helicóptero como se fosse o fundamental para enfrentar as mudanças climáticas.


Serra da Posse

O desafio da Educação Ambiental é um trabalho muito importante para as novas gerações mesmo que tenhamos uma rede municipal que reduziu a carga horária de aula para a disciplina de Geografia. O Secretário Municipal de Educação poderia fazer um gesto pelo meio ambiente e contribuir para a volta dos três tempos semanais. Além disso, a SEMAC precisa estar dentro das escolas públicas do município para que esse diálogo com as novas gerações atinja o “Ginásio Carioca”.

A formação de uma juventude engajada na luta contra as mudanças climáticas deve ser para todas e todos no universo escolar. Projetos de Laboratórios afunilados de 50 até 5 pessoas não me convencem na formação de uma liderança autônoma, independente e participativa. Além disso, outro nome infeliz foi “Jovens Negociadores” num universo de liberalismo ambiental. A melhor parceria são os professores de ciências e geografia da rede pública municipal para formar “Embaixadores do Clima” sem espaço para engajamentos com leituras eleitoreiras.

Nos subúrbios de Irajá e Guadalupe há uma ausência de arborização constatada em diversos estudos. O eixo da Avenida Brasil é um “antipulmão” de emissões de CO2 com moradores de vulnerabilidade social convivendo com poucas árvores. Faltam guardiões nesse momento. Falta também a retomada da política das ciclovias para as periferias ou seriam os “Guardiões dos Pedais” nos dizeres da comunicação da SEMAC. Sirkis ainda é uma saudosa lembrança sobre esse tema. No mundo pós-pandemia e da alta dos custos de combustíveis fosseis, essa deveria ser um prioridade para uma gestão com olhar para a questão urbana.

Por fim, mesmo que eu seja um privilegiado morador de Ipanema, estou muito atento aos relatos de meus amigos ativistas da ecologia no bairro de Campo Grande. Minha fala planetária me permite refletir que o redesenho da “Nova Floresta da Posse” com uma área menor que o decreto original impõe um alerta para o campo democrático. Além disso, se tudo gira em torno do debate do transporte de automóveis, onde está a iniciativa em favor do transporte de massa que sempre esteve na pauta dos progressistas? Ciclovia no projeto do túnel de Campo Grande é insuficiente diante da dimensão do bairro. Um compromisso com forças políticas mais ao centro não pode significar um silêncio programático. Ou temos só projetos e nenhum programa? Se o Rio de Janeiro está envelhecendo e esvaziando de uma população mais jovem, o bairro de Campo Grande aparentemente está na contratendência ao Censo o que sugere pensar em um diálogo programático mais constante com os movimentos sociais locais para fazer do meio ambiente um debate de ecologia humana.


[1] Ex-liderança estudantil em 1968. Formado em Geografia na Universidade de Moscou.


sábado, 1 de julho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - ENSINO MÉDIO NA BERLINDA (RESENHA DE LIVRO)


 O ovo da serpente na educação 

 

Pablo De Las Torres Spinelli 

 

O Estado do Rio de Janeiro teve recentemente mais de 40 dias de paralização da sua rede estadual de ensino por uma greve orientada pelo SEPE/RJ que tinha como metas a defesa do Plano de Carreiras, o pagamento do Piso Nacional do Magistério, a convocação dos concursados e um novo concurso público e a revogação do Novo Ensino Médio1 . A greve não conseguiu a sua pauta e além de ter sido judicializada, sofreu uma derrota política diante de um governador que colocou como entrave o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Estado e que pedira ao Executivo Federal a retirada da Educação do RRF, logo, o foco da categoria deveria ser para Brasília e não para o Palácio Guanabara.  

 

Dito isso, há uma urgência de um balanço sobre a derrota do movimento por parte da categoria e não só. O campo intelectual pode e deve dar contribuições para o entendimento das sucessivas derrocadas. Aqui cabe uma provocação. A pauta do magistério está em consonância com as demandas societais? É possível ter vitória política numa greve sem a sociedade como parceira? A pauta econômica poderia ter um diálogo com outras pautas tais como unificação do calendário de recesso no meio do ano até à infraestrutura escolar (climatização, água, esgoto, isolamento acústico)?  

 

Em ação inédita, o Presidente da República insta a sociedade a fazer inscrições para o ENEM por meio de redes sociais. As escolas não poderiam fazer a inscrição e ter uma agenda com a comunidade escolar sobre os problemas da categoria e dos alunos na conjuntura pós-pandêmica? Perguntas que são formuladas a partir do lançamento do livro Ensino médio no Brasil e sua (im)possibilidade histórica: determinações culturais, econômicas, políticas e legais, organizado por um grande especialista da área da Educação, Gaudêncio Frigotto, e editado pela UERJ (LPP)/Expressão Popular.  




O livro composto por onze artigos com a colaboração de quinze pesquisadores e profissionais da área da educação abre um amplo leque de diagnósticos a respeito da educação e, em especial, o ensino médio brasileiro, como aludido no título. Com linhas de pesquisa e abordagens das mais diversas há pontos em comum que podemos elencar para os profissionais da área e para o público leigo. 

 

A começar pela análise do capitalismo periférico do “outro ocidente” que é a América Latina, e, em especial, o Brasil, cujo eixo formador da nação trouxe consigo as chagas de uma sociedade escravocrata e de uma elite burguesa moderna que leva adiante a modernização com o setor do atraso, cuja permanência do latifúndio é marca indelével da nossa formação contemporânea. O constructo teórico a partir de textos seminais das Ciências Sociais tem como arcabouço o diálogo entre Florestan Fernandes, Celso Furtado e Francisco de Oliveira, pensadores e analistas de um modelo desenvolvimentista que combina desiguais desde a formação cidadã, perpassando pelo sistema educacional do século passado e que culmina no viés mercadológico na área do ensino desse século, como a valorização da meritocracia, da educação particular, do “espírito” empreendedor nessa América periférica. Pode-se discutir as ausências de Caio Prado Júnior e dentro do pensamento cepalino, o sociólogo discípulo de Florestan, Fernando Henrique Cardoso, mais lembrado enquanto presidente de um governo rotulado como neoliberal, seara que abre discussões se ali começou e se ali se esgotou tal modelo. Foi nesse governo que a educação passou a ser avaliada por um exame nacional que passou a ser a porta de entrada (na maioria, a única) para o ensino superior, além da criação do FUNDEF, cuja meta era capilarizar para os municípios parte do orçamento exclusivamente para o Ensinamento Fundamental, política pública que foi continuada e turbinada pelo FUNDEB no governo seguinte.  


 A abertura de um debate sobre os moldes do capitalismo brasileiro, as lacunas de nomes do pensamento social brasileiro, a ênfase em dualismos classificatórios carregados de uma energia da superestrutura não invalida os acertos da coletânea como as evidências legislativas nos últimos dez anos que prioriza a flexibilização da rede pública de ensino no Ensino Médio e que acaba por adaptar escolas particulares que vivem de ranqueamento e de concorrência de um mercado cada vez mais competitivo. As digitais de setores privados na formulação de políticas públicas - como o Sistema S e o “Todos Pela Educação” - são colocadas à luz das pesquisas. A associação do empreendedorismo com as camadas subalternas da sociedade é equivalente ao que existia desde os idos do Ministério Capanema e que foi exponenciado pelo tecnicismo-fordista da Ditadura Militar. É ainda de grande valia as contribuições para futuras pesquisas para intervenções públicas em uma aliança entre universidade pública e sociedade. Há caminhos férteis para a práxis na educação a partir dos relatórios dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, algo que permitirá um questionamento sobre a atuação de bancadas legislativas na área da educação desde o “chão de fábrica” até a orçamento e gestão; tal qual mais pesquisas acerca do ensino público e suas mazelas diante dos anos pandêmicos, algo que permite políticas preventivas.  

 

A confecção de um livro de tal monta é um tour de force não apenas pelos temas analíticos da sociedade brasileira, das classes hegemônicas, mas, e principalmente, pela sua confecção em anos de chumbo – aqui não como metáfora da Ditadura Militar, mas do peso que o espectro fascista que nos rondou e ronda nos legou -, em ásperos tempos que precisam de intervenção de intelectuais compromissados com a educação pública, com a res pública, com a democracia. Gaudêncio Frigotto nos trouxe à reflexão com Escola “sem” Partido (2017) para o ovo da serpente que ali se chocava e agora com esse seu mais recente livro discute a possibilidade vinda da impossibilidade histórica de um ensino médio público de qualidade e democrático. E aqui temos em Frigotto e seus colaboradores intelectuais desempenhando um papel ativo na organização da cultura democrática nesse país amante da revolução passiva.  

 

1 https://seperj.org.br/nova-versao-carta-a-populacao/ 

 

segunda-feira, 19 de junho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBB 018 - LIÇÕES DA ESPANHA PARA O BRASIL

Lembrai-vos do Pacto de Moncloa

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Em 28 de maio, foram realizadas eleições municipais e regionais em quase toda a Espanha. Desde aquele dia não faltaram análises e reflexões profundas que abundam nas causas — igualmente profundas — para os resultados. É o que há depois de um dia de eleição, que aqui não se faz entender desde os engodos revogatórios que se disse por aqui. A surpresa da convocatória que o Presidente do Governo da Espanha fez para as eleições gerais para 23 de julho atrapalhou os relógios políticos e, sobretudo, atrapalhou a festa que a direita pretendia celebrar desde a noite de 28 de maio, quando foram anunciadas as eleições gerais.

Neste pouco menos de mês e meio que falta para 23 de julho, a direita vai continuar a fazer o seu trabalho: encher a Espanha de mentiras. A extrema direita anuncia que a Espanha quebrou nas mãos de Termidorianos. Os quatro cavaleiros do Apocalipse resumidos em um: o Presidente do Governo da Espanha. Com isso a direita tem feito o necessário. Vamos ver se a Frente Democrática e a força de sua união e de a resposta civilizatória. E a celebração dos avanços planetários adiados desde a manhã de 29 de maio e se acertar o passo pelo menos para os próximos quatro anos. Esperançosamente. Mas, desta vez, precisamos deixar claro o que se passou depois da noite eleitoral de 28 de maio, pois ficou transparente — mais uma vez — que a democracia espanhola tem mais fragilidades do que se imaginava.

Numa democracia não deveria permitir um terreno de ilusões do povo, as aspirações de uma sociedade seja uma coisa ou outra dependendo de quem ganha ou perde uma eleição, mas ao contrário, devem vir daquilo todos sabem de onde viemos e o que tem sido feito da nossa herança, e a dignidade de saber para onde se deseja chegar quando colocamos a devida memória daqueles que vieram antes de nós. As urnas nunca poderiam ser um jogo, seja ele qual for.

Tanto a direita quanto sua excrescência, encena há anos uma peça maluca, a Shakespeare, se nos ativermos à célebre frase de Macbeth sobre a vida ("uma história contada por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada”): o afastamento de um líder errático e frágil e sua substituição por outro com o talento sintático e o gênio político de um Teletubbies; a espantosa audácia (deixemos de lado ações potencialmente criminosas) de uma baronesa muito poderosa; o desprezo pela saúde pública e pela natureza exibido por seus governos autônomos... Em todos os momentos, porém, eles garantiram que seu público permanecesse crédulo e receptivo ao efeito emocional.



A coalizão do Presidente do Governo da Espanha tem oferecido um trabalho que não é essencialmente ruim, com passagens quase geniais (direitos sociais e individuais, por exemplo) e momentos sombrios (Marrocos, para escolher um) daqueles que exaltam como não poderia deixar de ser, a fúria do público. Mas, ele se valeu completamente da alienação que compõem um repertório que devia combater como indicara Bertolt Brecht. Cada vez que um ator declamava no palco alguma frase como "este governo segue unido", outro se aproximava da plateia para sussurrar "cuidado, lembre-se que todos nós nos odiamos aqui"; em cada monólogo do protagonista brilhava uma mensagem subjacente (“você sabe que estou mentindo, mas estou fazendo certo?”); quando algo desanda significa que o todo fez besteira, o que incita o público a vaiar pelo menos um de seus membros (um, na experiência em questão).

Mas, isso não é a realidade? Ou é um teatro de sombras como disse certa vez nosso imortal José Murilo de Carvalho? O fato é que numa campanha eleitoral não se deveria exigir do público que suspenda a realidade, que esqueça o senso crítico, que participe da ilusão, que desfrute do jogo. Uma Frente Democrática e o público que a sustenta nunca pode se acostumar com a alienação.

Apesar do sistema de Victor d'Hondt e suas consequências na distribuição das cadeiras do legislativo, não importa se os Jacobinos vão às urnas unidos ou separados e que os girondinos interpretam melhor ou pior o papel de partidários coesos. Todos sabem o truque. Os atores já disseram muitas vezes para não confiar neles.

Recordemos duas coisas: que as eleições não podem se referir a um conjunto de ilusões coletivas sobre o futuro do que uma avaliação racional do passado recente, e que o pior resultado aconteceu com a Frente Ampla espanhola ocorrida nas eleições de 2000, quando o Partido Socialista Operário Espanhol e a Esquerda Unida correram juntos em uma coalizão forçada e implausível que, segundo todas as pesquisas a época, perderia por pouco ou perderia por milhões.

Por isso o resultado eleitoral das eleições municipais e regionais de 28 de maio não deixa dúvidas. Uma onda reacionária está chegando e a maioria da mídia espanhola está nadando na mesma direção como ficou claro ontem no Estádio Cornellà-El Prat, em Barcelona. Para tentar evitar o pior só somando numa Frente Democrática.

18 de junho de 2023


[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

SÉRIE ESTUDOS - CAIO PRADO JÚNIOR E SEU PARTIDO

Retrato do jovem Caio Prado Jr., [1926]
Arquivo IEB – USP, Fundo Caio Prado Jr., código de referência: CPJ-F11-07.

A Estreia de um Dissidente – 90 anos de Evolução Política do Brasil

Vagner Gomes de Souza

 

As celebrações do centenário do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no processo dos 200 anos da independência do Brasil no ano de 2022 ainda se faz necessária diante do necessário debate sobre a nossa interpretação de fundação político como Estado Nação. Distante daqueles que visam fazer da análise do passado como se fosse um “tribunal de inquisição”, entendemos que há uma continuidade/descontinuidade no processo político no quais modismos e oportunismos de ocasião que se arvoram como “nova” (?) historiografia não se cuidam mais em analisar.

O legado do pensador e historiador Caio Prado Júnior é um importante desafio para se perceber o embrião de uma política de Frente Democrática “avance temps”. O jovem bacharel paulista que já tinha uma militância desde a juventude no Partido Democrático (dissidência que fará parte da Aliança Liberal de Getúlio Vargas) e já tinha sido preso por gritar “Viva Getúlio!!!” diante do candidato oficial Júlio Prestes. Entretanto, sua desfiliação ao PD se torna pública em 1931 quando estava com 24 anos. Restaria ao jovem; só se dedicar a vida profissional na área do Direito - o qual se formou em 1928 - ou ser mais um intelectual semelhante aos seus familiares Eduardo Prado e Paulo Prado ou avançar na militância política com uma produção reflexiva.

Os estudos indicam que sua aproximação com o PCB se deu no ano de 1932 num momento em que essa agremiação partidária se caracterizava pelo “obreirismo”, ou seja, o núcleo dirigente valorizava de forma extremada as origens proletárias de seus quadros e com uma atitude desqualificadora dos filiados de origem intelectual como “contaminada” pelas posturas de pequeno-burguesia. Nessa época, dois intelectuais históricos do Partido havia se afastado dos órgãos de direção (Otávio Brandão e Astrojildo Pereira). Nadando contra essa corrente sectária e esquerdista, Caio Prado Júnior se filiou ao que seria um partido extremamente distante da análise da realidade da primeira fase da Era Vargas (1930 – 1934) apesar de ser um herdeiro da família Prado e estar num primeiro casamento com uma herdeira da família Penteado.

Há relatos que os familiares se afastaram dele por causa de sua filiação partidária. Enquanto que sua origem familiar vinculada a elite paulista sempre o colocou como uma “persona” estranha para o núcleo dirigente. Observemos que havia, de um lado, a pressão familiar e, por outro lado, os possíveis embates na luta política interna do partido ao qual irá ingressar sempre visto com cautela e desconfianças.  Sugerimos que Evolução Política do Brasil (1933) é um livro que marca a estreia de Caio Prado Júnior na produção intelectual brasileira, mas também pode ser inserido como um momento de debate interno do ator político o qual estaria filiado por mais de um ano. O livro, que pretendemos analisar em artigos vindouros, guardaria um papel de contribuir no entendimento da realidade nacional pela interpretação da História.

Diante das interpretações de que o marxismo teria se nacionalizado no Brasil pela obra de Caio Prado Júnior, a dinâmica provável estaria numa aproximação da metodologia da pesquisa de Friedrich Engels com as nuances de Lênin. Mas, ele foi um autor que muito buscou se basear em fontes e indicar interessantes citações de um pensamento social brasileiro pretérito. Portanto, um marxismo enraizado em interpretações que qualificariam seu debate até de forma programática.  

quinta-feira, 8 de junho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 017 - DESAFIOS PARA UM PAÍS DE LEITORES

Machado, Nélida e o PIRLS

          Marcio Junior[1]

 

Certa vez, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a saudosa escritora Nélida Piñon teceu o seguinte comentário: “O sistema educacional não estimula a leitura. Não podemos obrigar uma criança a ler Machado de Assis, é um equívoco. Não é necessário ler Machado de Assis a não ser quando você jura que está preparado. Machado de Assis não precisa de leitores, precisa de pessoas que vão amá-lo ao lê-lo. (...) é como amar bem, amar certo. Você vai errando e de repente você entende que domina um instrumento que é quase amoroso.” (Disponível em: https://youtu.be/o3rR0PzKtEI).

          Nélida, de quem tive o prazer de ser amigo, falava de algo que vai além do sentimento único de construir uma relação com um grande autor através de seus textos e personagens; ler bem demanda estudar, assim como estudar bem demanda ler, independente do que se estude. Assim, para que a leitura dê certo e o leitor absorva o conhecimento ali contido, ele precisa ter técnica e disposição que só é adquirida com treinamento. Afinal, não é por ser uma atividade que pode ser absolutamente apaixonante, cativante e enriquecedora que ela é desprovida de método.

          Nesse sentido, não podemos pensar a leitura em termos educacionais, onde os alunos estão aprendendo coletivamente nas escolas, sem levarmos em consideração que é necessário alguém que os ensine, objetivamente, como fazer isso. As crianças precisam não apenas saber ler as palavras, mas serem preparadas para atingir algo mais profundo e sofisticado. Vejamos, por exemplo, a leitura de um romance: mesmo que se possa ler uma frase, sua compreensão demanda domínio, inclusive, das figuras de linguagem, recurso semântico que faz parte dos conteúdos já do Ensino Fundamental e, evidentemente, elencado na arquitetura da BNCC. Uma das maiores belezas dos textos de Machado são as suas refinadas metáforas. Como amá-lo sem ter domínio deste recurso?

          Nesse ponto de vista, não estamos bem. A divulgação do resultado do Progress in Internacional Reading Literacy Study, o PIRLS (Estudo Internacional de Progresso em Leitura), nos mostrou. Trata-se de uma pesquisa quinquenal, nesta edição com 57 países participantes que avalia a compreensão de leitura dos alunos do 4º ano do Ensino Fundamental, a partir de amostra. Foi feita aqui sob coordenação do INEP em 2021, segundo ano da pandemia de COVID-19, sendo a nossa primeira participação, o que significa que não temos histórico dessa pesquisa no período anterior à pandemia.

          A medição de proficiência, feita nas línguas vernáculas de cada país (o tema é mais complexo, pois outras sociedades que constituem outros países podem utilizar mais de uma língua para ler, e essas línguas podem variar, inclusive, no espaço) resulta em uma escala de 1 a 1000, tendo o Brasil feito 419, valor considerado, em escala, de nível baixo. Dos 4.941 estudantes avaliados, 38% não conseguia reproduzir um pedaço de informação declarada no texto, ou seja, não dominava a leitura mais básica. Grande parte dos alunos está chegando no 4º ano do Ensino Fundamental sem o conhecimento de leitura que deveria ser adquirido antes, cuja deficiência compromete o conhecimento que podem ter ao longo da vida. 

           Assim, fica um pouco mais clara a tarefa de natureza republicana e democrática que temos pela frente. A perda de gerações de estudantes que a pandemia nos legou se soma à uma situação que já não era boa, e será necessário um esforço enorme para conter os danos que, mesmo com o retorno das crianças às escolas, podem continuar entre nós. Será que temos profissionais de educação, de professores a gestores, em número suficiente, capazes de compreender e responder a este problema de extrema complexidade? Exige trabalho em tempo integral, sem limitação aos muros das escolas e sem aumento de salário por isso. Há coisas que o dinheiro não compra, inclusive o gosto pela leitura e a compreensão ensinada de que ela é necessária para enfrentar a vida.

         



[1] - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

TEXTOS DA JUVENTUDE - VAI NA FÉ PELA DEMOCRACIA


As Trombetas da Frente Democrática diante de Jericho

Por Giovana Freire – Sul do Rio de Janeiro

 

No decorrer dos últimos anos observamos uma “fratura exposta” no segmento religioso evangélico. Provavelmente, seria a visibilidade de diversos discursos de ódio vindouros de muitas denominações que se denominam cristãs quando aos meu ver nem deveriam entrar em um coliseu de ódio no âmbito político a menos que seja para defender suas convicções de doutrina de fé. Lamento que há falas totalmente sem nexo vindo de apoiadores do ex-presidente, causando pânico e repulsão a política em jovens em grande maioria no segmento protestante cristão.

Porém quando falamos em contextos políticos não fechado em apenas uma argumentação sólida, mas sim em uma pluralidade onde “todos, todas e todes” devem ter o mesmo direto de voz e liberdade de expressão.  Vivenciando um atual cenário onde tudo que não se atenda para “orientação política neoreligiosa” numa forma bem leiga designada por quem vos escreve. É considerado discurso de ódio preconceituoso e naturalizam ataques por não ser de alguém da mesma base política ou crédulo religioso que o seu. Na verdade, cresceu entre nosso espaço a mobilização de um discurso de antipolítica muito distante do legado de Martinho Lutero.

Onde as forças retrógradas alimenta um medo sobre uma esquerda como os “cavaleiros do inferno” ou até mesmo os “destruidores das famílias tradicionais conservadoras”. As forças liberais à esquerda vêm com um discurso de forma branda e tentando amenizar os próprios temores e medo de sofrer represálias pelos eleitores do outro lado, que por sua vez são mais eufóricos e “loucos” pelas suas ideias. Aparentemente parece que a cidade de Jericho está sob um cerco aguardando a invasão redentora. Todavia, estamos a sentir a necessidade de abrir caminhos dialógicos com a juventude que se inspire em Martin Luther King Jr.

Já há muito tempo observo minha juventude e irmãos de fé se afastando tanto dos contextos religiosos como dos políticos. Talvez como uma banalização do sistema onde houvesse uma postura autocrata. Sugestões seria que há uma extrema-direita opressora no qual afirma que os jovens, ainda mais os cristãos, devem se portar de maneira neutra, onde todos só têm o direito de falar quando é para defender esses prováveis 49,1% eleitores conservadores.

Nunca me senti totalmente representante por nenhum dos dois lados como uma boa “centrista” diriam alguns, mas por sua vez sinto-me representada numa religião. Tenho anseio por tempos melhores em nossa política nacional, de maneira clara e não opressora que venhamos poder exercer nosso direto de escolha sem um voto por imposição ou até mesmo por constrangimento também, medo imposto pela “anti-imprensa” que distribui Fakenews que só distância e enojam mais os jovens do âmbito político atual.

A juventude está avessa à prática da política Republicana e Democrática, pois os políticos ainda seriam observados como sem legitimidade. Por outro lado, de mãos atadas com medo de uma represália, os jovens que são pertencentes a certas denominações cristãs se calam e consentem, mesmo que direta ou indiretamente seja totalmente contra a forma com que é levada nossa política brasileira. Aonde o Presidente da nação só mereceria respeito se for “aquele que a minha religião elegeu”. Um perigo a se afastar pelo soar das trombetas. De fato, o acesso a verdadeira democracia marcada na carta constitucional de uma maneira totalmente clara nos indicam a importância de nossa pluralidade.