Comício da Syriza
Pela Democracia na Grécia & Alhures
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Os tempos fraturados, como qualificou o saudoso Eric Hobsbawm, o século XXI, tem sido de aguda crise económica, social e política, com intensas repercussões ao nível dos processos de desestruturação e desfiliação social (desemprego, precariedade, pobreza e aumento das desigualdades, enfraquecimento do Estado social), torna-se ainda mais premente o debate vivo e atualizado sobre os caminhos da sociedade global.
O Brasil, país chave nos arranjos sociais vigentes e vindouros, precisa mudar sua política científica reinante que, entre outros aspectos, vem desprezando implícita ou explicitamente o papel das ciências humanas como se vê no Programa Ciência Sem Fronteiras (CsF), precisamente quando se imporia o inverso, isto é, o aumento de recursos e de vontades para que seja possível um conhecimento científico aprofundado e sistemático das nossas sociedades, condição indispensável para a produção de políticas públicas adequadas à urgência social, devidamente qualificadas e qualificantes, solidárias e sustentáveis.
A Grécia, de igual modo, precisa defender com afinco a promoção das ciências humanas, de forma a superar a precariedade que expulsa tantos e tantas investidoras e investidores do país e do espaço europeu, comprometendo perspectivas profissionais e de vida pessoal e social e, não menos importante, diminuindo o potencial científico do país.
Isso por que a circunstância aziaga vivida na Grécia tem, entre outros móveis, o equívoco fortemente ideológico de alguns discursos utilitaristas sobre a suposta falta de sentido concreto das ciências humanas, uma vez que não encontram suporte nem na realidade empírica, nem nos inúmeros estudos realizados aqui, la e em alhures. A suposta “inutilidade” das ciências humanas é tão mais propagada quanto os resultados do conhecimento adquiridos ao longo do tempo sobre as práticas sociais incomoda os poderes instituídos, uma vez que apontam erros, insuficiências, omissões e, acima de tudo, a possibilidade de pensar e de agir de outra maneira, contra a barreira de mitos da inevitabilidade, que mais não é do que uma forma de neutralizar a história, a política e o próprio debate público.
Ora, é na discussão aberta, viva e plural sobre os caminhos do possível que se encontram os futuros socialmente disponíveis e imagináveis da Grécia. Hoje, mais do que nunca, as ciências humanas, sem tentação messiânica ou posse absoluta de qualquer verdade ou dogma, podem mobilizar um grande conjunto de conhecimentos estruturados sobre nós mesmos e sobre o nosso lugar no mundo, no lugar da Grécia na Europa e no mundo. Não por acaso, a Grécia resiste à deriva antidemocrática da União Europeia.
A Grécia move-se, por isso, com esta indestrutível energia de não parar no conhecimento único, no debate único, sem implicações públicas. A Grécia mostra que pode ser possível, com outros critérios e orientações, unir a pluralidade do conhecimento científico, das políticas públicas, dos movimentos sociais e a cidadania contra as repercussões destrutivas da crise como certa vez analisou Gramsci.
Daí que a Grécia ao viver há europeização, um processo complexo e tortuoso de transformação em curso, percebeu que sua ambivalência pois se, por um lado, permitiu à Grécia libertar-se da sombra projetada pela sua história autoritária em plena era dos extremos, por outro, criou um conjunto de efeitos colaterais, que virou a vida das pessoas ao preconizar a teoria da omelete. Pior: a europeização desenvolveu-se através da cooperação transnacional das elites com os seus próprios critérios. O resultado está à vista de todos: uma Europa sem europeus, uma Grécia avessa à cidadania grega.
O que aconteceu na Grécia, nos últimos dias de 2014, foi à falta de alguma ideia de metamorfose social. Só a sinalização de alguns passos para uma política fiscal sem passo algum para uma política de investimento social foi o que ocasionou a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições para 25 de janeiro de 2015.
Naquele momento crepuscular o Syriza, a força politica de oposição, fez exatamente contrário, ou seja, sinalizou com medidas modestas relacionadas à proteção social como renda mínima e auxilio desemprego sem apontar nada sobre a política fiscal. Agora, no transcorrer dos dias de 2015, além de seguir apontando para programas destinados a atualizar as capacidades e qualificações dos trabalhadores aponta que a Grécia a partir de agora poderia construir a sua competitividade com base na competência - e não na politica deliberada de baixos salários. Ou seja, se uma politica fiscal precisa ser realizada, ela será a partir das classes subalternas e não pelo tirocínio de alguns supostos iluminados das elites.
Assim, a Grécia dos efeitos colaterais de uma europeização por cima precisa de uma experiência de europeização construída de baixo para cima. Não sabemos o que surgirá do laboratório eleitoral de janeiro de 2015 da Grécia mas não temos dúvida de que se há um caminho a ser percorrido esse se faz com uma sociedade civil europeia forte baseada na democracia, na participação e na identificação desses cidadãos europeus com o futuro da Grécia na Europa e no mundo.
Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 2015
[1] Ricardo José de Azevedo Marinho, Bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense - UFF, Mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro - IUPERJ, Doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - CPDA/UFRRJ e Pós-Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - PPFH/UERJ. Atualmente é Assessor da Presidência da Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE, Professor da Universidade do Grande Rio - UNIGRANRIO e Membro do Comité Consultivo da Cátedra José Carlos Mariátegui.