sábado, 18 de fevereiro de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 007 - CARNAVAL: PARA QUE A DEMOCRACIA ENTRE NA AVENIDA


A frente democrática, o centro político e as reformas

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Fevereiro, coração do Carnaval Brasileiro, quando o país trabalha minimamente. O tempo passa com um ritmo diferente, certa languidez envolve tudo o que acontece, parece que de repente o Krónos, o tempo real segundo os gregos da Antiguidade, o tempo da atividade, pressa, ação e ambição, é deslocado em apenas um mês para os Kairós, "tempo para si", para certa introversão, para a contemplação, do prazer e do descanso dos longos crepúsculos. O tempo em que o celular perde sua urgência insólita, a menos que seja usado para fins recreativos.

Pode ser também um momento de reflexão, de interrogação sobre o sentido das coisas e da vida, do que foi feito no ano anterior e do que nos espera a partir de março, quando os músculos que dormiam despertam e a ambição que descansava voltam a se triturar nos sonhos tão mesquinhos, parafraseando Cartola em seu samba O mundo é um moinho, que bem poderia ser uma homenagem a Karl Polanyi.

A reflexão deve ser particularmente importante para aqueles da Frente Democrática que colocaram, por decisão da vontade popular, a liderança do país em seus ombros.

Se o fizerem honestamente, não poderão ficar satisfeitos com o pouco que fizeram no pouco tempo, e não só por causa de sua inexperiência na condução dos negócios públicos, mas também por causa de sua orientação confusa pela ausência programática que sequer moldou. Parece, em todo caso, um governo de partida lenta.

Na verdade, não deve ser fácil entender que a ação pública não é pura questão de vontade e que a prudência, a gradação e o andar sereno não foram desculpa para acomodar pusilânimes, mas sim uma opção responsável para quem deseja conseguir fazer as mudanças sociais sólidas democráticas e republicanas com o apoio dos cidadãos.

Não seria justo, porém, fazer uma avaliação totalmente positiva nem negativa do que foi feito nesses quase dois meses do atual governo.

O governo da Frente Democrática com Lula e Alckmin a frente tem mostrado certa abertura em vários assuntos nacionais e internacionais, moderou posições anteriores e até mudou de opinião como convém a Chefes de Estado quando conclui que as suas ideias não eram boas.

Resta, porém, um longo caminho a percorrer para corrigir rumos e evitar erros. Porque o ano de 2023 será um ano difícil e com muitas armadilhas. O principal para o setor político que nos governa será entender que reconstrução e via democrática não devem se opor.

Historicamente, os ímpetos das reconstruções contemporâneas nunca puderam coexistir bem com o sistema democrático e republicano. Exigem como água a sede da impostura para compelir suas verdades que tendem a ser absolutas.

Nisso eles são semelhantes ao mundo dos reacionários. Veja a tentativa de golpe que estava se formando por trás das violentas manifestações ocorridas nos idos próximos passados de oito de janeiro.

A expressão mais clara dessa reconstrução da Frente democrática benfazeja foi, sem dúvida, o estender as mãos aos nossos ianomâmis motivados por uma solidariedade que fortalece nossa institucionalidade e ajuda a reforçar mudanças democráticas, compartilhadas e inclusivas.

A resposta popular foi clara e foi à demonstração do bom senso democrático. A prova disso é que tudo se fez de acordo com nossa Constituição, que reconstrói a confiança popular no processo constitucional de forma pluralista, que esperamos venha a provar que ela responde bem aos desafios do século XXI, em que todos nos sentimos representados.

Essa lição decisiva deve ser transferida para as diversas políticas e reformas públicas, em sua seriedade e profundidade, pensando no longo prazo e que dá ao centro politico na Frente Democrática todas as credenciais de colaborador para a popularidade inicial do governo.


Se a experiência política ensina alguma coisa à carnavalesca muito como mostra Júlio Lopes com o seu Brasil: A nação carnavalesca, é que a pura ação de comunicação não pode, em um sistema democrático e republicano, transformar coisas sem valor em pepitas de ouro.

É possível melhorar nos próximos meses? Sempre é possível, mas para isso a conduta do governo deve ser do espaço para maturidade e experiência, que deve ser ampliado em seus quadros gerenciais.

Só de falar de acontecimentos recentes, num país como o nosso, que passa por graves problemas, não podemos nos permitir um carnaval de descuidos. Também não é bom armar acusações ministeriais e tampouco instrumentaliza-las banalmente nas batalhas políticas.

Seria mais do que desejável que este Carnaval incluísse além do bom samba muita reflexão e boa leitura, que Oxalá passasse por uma releitura crítica dos nossos autores preferidos, embora não nos custe nada atravessar o Rubicão intelectual e ler tantos outros sobre a teoria democrática e republicana. Que pudessem conhecer os percursos, virtudes e erros das grandes figuras políticas que marcaram as experiências democráticas dos últimos dois séculos.

As leituras poderiam permitir argumentar solidamente contra aqueles que deliram com a moeda única para a América, quando a integração continental ainda não consegue superar o estado de prostração a que a levou a retórica irresponsável de muitos líderes da região em nosso século.

Administrar um país é coisa séria, e sem uma ampla cultura política para à Frente Democrática, puras boas intenções nos levarão diretamente a pavimentar o caminho para o inferno.

 

18 de fevereiro de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

Um comentário:

Pablo De Las Torres disse...

Temos que ler os clássicos e a produção atual que tenha como perspectiva a nossa história e a República. Chega de fragmentação em universos quânticos! Isso é para vespas e formigas. Vamos pensar na humanidade aqui e lá fora!