Prorrogação
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Os resultados do primeiro turno das
eleições brasileiras trazem várias lições para o país e para toda a América,
que valem a pena assimilarmos. São de vários tipos, mas gostaríamos de nos
concentrar em três: para os pesquisadores de toda a região; para Lula, para seu
partido, para sua coligação eleitoral; e para os progressistas do continente.
Pela segunda vez em poucos meses, as
pesquisas subestimaram o eleitorado de centro-direita e de direita na América.
Foi o que aconteceu no Chile, tendo em vista a proporção muito maior do que as
pesquisas apontavam, no referendo sobre a nova Constituição, no início de
setembro. E agora, claramente, as pesquisas no Brasil também operaram em
desenhos análogos sobre o voto a favor da centro-direita e da direita. Algumas
pesquisas que lhe deram 48% estavam corretas na estimativa do percentual de
Lula, mas quanto às centro-direita e a direita, a maioria das pesquisas previa
entre 35 e 40% dos votos, e elas terminaram com 43%, uma diferença
considerável.
A explicação mais provável em ambas as
experiências – Chile e Brasil – é algo que já havia sido visto nos Estados
Unidos da América (EUA) e em alguns países europeus, a saber: eleitores de
centro-direita, de direita e/ou de extrema-direita relutam em confessar sua
verdadeira intenção de votar ao pesquisador.
Essa síndrome, que nos EUA é uma teoria
chamada de efeito Bradley, nasceu com a eleição para governador da Califórnia
em 1982. Nessas eleições, o prefeito de Los Angeles, Tom Bradley (1917-1998),
negro, estava à frente em todas as pesquisas. Ele perdeu para seu rival
republicano George Deukmejian (1928-2018). A explicação encontrada pelos
pesquisadores, que previam a vitória de Bradley, é que grande parte dos
eleitores, mais de centro-direita, não quiseram admitir que jamais votassem num
negro.
A lição para Lula e sua aliança é que,
além da fragilidade que certamente se percebe nas duas casas do Congresso, onde
a centro-direita e a direita alcançaram números melhores do que o esperado, o
país permanece muito dividido. Se olharmos para os resultados desastrosos da
gestão de Bolsonaro, em questões econômicas: na gestão da pandemia, na defesa
do meio ambiente e no seu ridículo papel internacional, racionalmente poderia
se esperar uma rejeição muito mais retumbante do eleitorado. Mas não é por esse
parâmetro que as pesquisas deveriam ter ido. O povo obviamente votou; em parte
contra o PT, em parte por causa do reacionarismo de Bolsonaro; mas não o
abandonou por causa de critérios racionais por seu péssimo desempenho como
presidente. Obteve quase dois milhões de votos a mais do que em 2018.
Isso significa que Lula, na prorrogação,
tem tudo menos um programa para um mandato. Inteligentemente, o ex-presidente
antes do início da prorrogação, falou pouco sobre o que planejava fazer e muito
sobre o que havia feito durante seus anos como presidentes. Mas agora, por
necessidade, terá que dizer, moderadamente, suas ambições sociais, ambiental,
econômica e internacional dada a força que consolidou a centro-direita e a
direita brasileira. Lula é um político inteligente, e com certeza saberá se
alinhar com a realidade.
A lição para os democratas
ibero-americana é que, apesar da pandemia, da contração econômica derivada dela
a partir de 2020, da desigualdade, da péssima gestão da centro-direita e da
direita em muitos desses países, os eleitores da região estão não estão
dispostos a dar a seus governantes um mandato fora da revolução passiva. Querem
alternância, querem mudança, querem uma política social ambiciosa, ousada e
eficaz, mas não procuram uma revolução que não seja passiva. Concretamente, a
centro-direita e a direita continental existe. Os resultados do Brasil e do
Chile confirmam isso.
Teremos que ver com mais detalhes nos
próximos dias e semanas porque os brasileiros votaram como votaram, qual é o
perfil preciso das eleitoras e do eleitor da centro-direita e da direita, o
porquê da opção inicial pelo reacionarismo de Bolsonaro e das eleitoras e
eleitores de Lula, tanto em termos regionais quanto étnicos, em termos de
gênero, religião, idade e inclinação política. Mas, por enquanto, essas três
lições preliminares parecem ter chegado do primeiro turno das eleições
brasileiras.
7 de outubro de 2022
Um comentário:
Temos uma questão psicológica, não política!
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