Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
As contas públicas da Presidência podem
ser um cenário muito bom para os governos aumentarem seu apoio aos cidadãos.
Para isso, devem conseguir transmitir um tom republicano e democrático, uma vontade
de construir acordos nacionais e internacionais, mostrar empatia com as
prioridades do povo e nunca adotar um estilo briguento. Para que esse efeito
não seja efêmero e se dilua em pouco tempo, deve ser seguido de ações reais e
devem ser evitadas medidas que neguem suas palavras. A sanção da Lei Nº 14.611,
de 3 de julho de 2023 que assegura a igualdade salarial e de critérios
remuneratórios entre mulheres e homens parece ter causado boa impressão na
população, o que se refletiu em uma melhora na avaliação do governo em
praticamente todos os aspectos. Isso reafirma que as pessoas não querem viver
no meio de um fio político sem fim e que querem que sejam alcançados acordos
que melhorem sua existência e não sofram as ilusões de grupos opositores.
Para alcançar resultados que durem no
tempo, porém, o governo sempre deve traçar com clareza o sentido de suas ações,
sua visão estratégica sobre os rumos que pretende dar ao país e a forma como
esse desenho é executado. Nas palavras de Maquiavel, sua "virtù" para
lidar com a sua "fortuna" ou nas palavras de Max Weber a melhor
maneira de combinar suas "convicções" com sua
"responsabilidade".
O discurso da Presidência na abertura
da 17ª reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) de 6
de julho consegue conter essa dimensão ao seu modo, através de alguns traços
visíveis em um longo oceano discursivo. Convém, portanto, observar com
serenidade quais foram seus méritos e limites.
Apresenta uma visão louvável no que diz
respeito a um maior entendimento da ação governamental. Podem criticar ou
elogiar, mas é a fala de uma Presidência que carrega o peso de sua
responsabilidade e que está à frente da grande maioria das Presidências da
região, tanto em assuntos nacionais quanto internacionais, mesmo um com longa
experiência. o retorno ao poder nessa quadra tem mostrado ao seu modo um amadurecimento
que acentua ora os seus defeitos e ora os seus talentos e senso de realidade.
Não foi um discurso desprovido de visão autocrítica e expressa longos passos
positivos de uma reconstrução original rumo à busca da governabilidade republicana
e democrática.
Esse discurso da Presidência foi pacífico,
evitou um tom sectário ou intolerante e a sua retórica foi cuidadosa e cheia de
boa vontade, até amável em várias passagens. A sua autocrítica nuclease, com
razão, na mãe de todos os seus erros, nas aventuras ausentes de rotina como
ilustrou certa vez Gilberto Freyre.
É ilustrativo disso que tenha
mobilizado o saudoso Franco Montoro na sanção da lei que trata sobre a
igualdade salarial entre homens e mulheres afastando publicamente os disparates
para o necessário desenvolvimento democrático e republicano do país que tinham transparecido
em outrora através de certos transbordamentos identitários, de particularidades
tribais e com o nefasto efeito do afastamento dos problemas reais da população.
Como bem sabemos isso está de acordo a rejeição
maciça das tristes cenas de 8/1, como também aumentou o bom senso do povo, o
distanciamento e a desconfiança em relação às minutas escabrosas de mudanças da
institucionalidade democrática que acabou se expressando em um poderoso apoio a
boa moderação.
O discurso da Presidência destaca,
naturalmente, as conquistas sociais obtidas e que se almejam bem como afirma a
necessidade de fortalecer as instituições e a aplicação da lei e sublinha a
necessidade de uma visão real da questão industrial. Além disso, aponta sua
disposição para o diálogo sobre a reforma tributária com a salutar consciência
de angariar o apoio necessário a poucas horas de sua apreciação no plenário da
Cãmara dos Deputados, o que acabou por refutar que não há relatividade para os caminhos
das reformas na democracia, mas apenas um o da própria democracia.
O seu verbo ainda saldou seu leal
concorrente José Serra (parceiro de ensaios com Maria da Conceição Tavares na luta contra os
autoritarismos planetários), abrindo a esperança do abandono das ambivalências,
de ouvir os silêncios perante aqueles que dizem apoiá-lo, mas contradizem-no
diariamente. Por outro lado, é muito legítimo que ressalte que na sua
aprendizagem mantém os seus princípios, afinal o que é decisivo na política são
antes os fins.
Os eixos explicitados para o governo
são muito louváveis, o problema é que não são programáticos, pois ainda não
sustentam uma visão estratégica para entregar soluções de longo prazo para
avanços sociais, ambientais, civilizatórios e cidadã, porque não se combinam
com uma visão límpida de crescimento económico, que em conjunto com a mudança tributária
e a manutenção da responsabilidade no arcabouço fiscal assegurem a
sustentabilidade de um processo de mudança.
A ausência desta visão estratégica
enfraquece o desenvolvimento futuro, porque muita das promessas feitas com
franqueza pode virar-se contra a gestão se não for cumprida num país onde a
desconfiança e as desilusões se espalharam demasiadamente no ultimo quadriênio,
onde as pessoas vivem momentos difíceis, o medo da estagnação presente nos
primeiros números do Censo 2022, que seus empregos não durem e que, consequentemente,
seus direitos sociais acabem não se refletindo em seu cotidiano.
O "logos" dessa conta pública
sem dúvida melhora, mas isso deve ser acompanhado de experiência prática, garra
para resistir às pressões cruzadas de um setor reacionário reforçado e de seus
próprios supostos apoiadores, entre os quais, não poucos, são prisioneiros de
sonhos doutrinários, que os cegam para perceber a realidade.
Nesse espírito, os 6 meses indicam que
poderemos concluir com sucesso o primeiro ano. O sucesso da apreciação no
plenário da Cãmara dos Deputados da reforma tributária aponta o acerto que se
fez na sinalização feita ao Centro político. Embora a discussão tenha sido
acalorada em alguns momentos, havia muita vontade de chegar a um acordo,
deixando para trás o espírito de turras que reinava no quadriênio anterior.
Isso possibilitou a construção de um
projeto mais do que aceitável com bases republicanas, abordando questões
típicas do atual momento de saída da Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional, com uma estrutura política e jurídica de bom tom e a abertura
para uma ampliação dos direitos sociais sem se tornar um programa partidário em
relação ao desenvolvimento futuro.
Aliás, não se pode pedir aos Senadores e Senadoras que substituam a discussão por uma aclamação, mas sim que não quebrem o espírito de trabalho que se abriu e que mantenham o predomínio do bom senso e da abertura em favor da sua aprovação e encerramento. O Brasil deve concluir esse processo e acordar um padrão tributário mínimo aceitável para uma maioria consistente de nossa convivência democrática e republicana.
9 de julho de 2023
[1] Presidente da CEDAE
Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da
UniverCEDAE.