segunda-feira, 25 de novembro de 2019

SÉRIE ESTUDOS - a peça RODA VIVA no RIO

O Teatro Oficina e o Diabo no Cenário Carioca
De Vagner Gomes de Souza
Para Luiz Eduardo Soares pela sua generosidade
 
A batalha das ideias no campo cultural enfrenta as forças do retrocesso no Brasil. A pauta conservadora nos costumes está a serviço do avanço do ultraliberalismo na economia que não se incomoda com a destruição de uma rede de proteção social. A estagnação da economia brasileira está contribuindo para o aumento da desigualdade social e precisamos dialogar com as classes populares sobre os perigos dessas características para a democracia.
 Não é suficiente controlar a inflação para alimentar o crescimento. Essa é a didática e a atualidade da peça Roda Viva de Chico Buarque que originalmente foi escrita em 1968. Nos dias atuais, o Grupo Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona tem a ousadia política de reapresentar numa nova montagem para que o público veja diante de si as consequências de uma assinatura de contrato em branco para uma sociedade que se alimenta de ódio e pratica a antipolítica.
A trajetória do Grupo é marcada pela iniciativa que muitos atribuem aos momentos do tropicalismo brasileiro. Para além disso, eles atuam com amor pelo que estão fazendo e assumiram um enfrentamento político ao trazer a peça para o Rio de Janeiro que consagrou eleitoralmente o atual Presidente, um ex-Juiz com perfil de justiceiro do “juízo final” e no município as movimentações da política do campo democrático fraturado podem levar a reeleição do Bispo licenciado. Se as instituições democráticas estão em perigo no mundo, o cenário carioca só trouxe de relevante as massas populares rubro-negras circulando pelas ruas para comemorar seus títulos.
A “Festa da Favela” incomoda o racismo estrutural por mais que o Ex-Juiz se ajoelhe para o artilheiro das Libertadores 2019. E, sempre, as forças policiais entram em confronto com os populares. “Aleluia. Falta feijão na nossa cuia. Falta urna pro meu voto. Devoto. Aleluuuuuuuia.” Eis o povo cantando e entrando em cena no texto original como se entrasse num Rio de Janeiro com vários DJ Renan da Penha marginalizados por faltar o básico.
 Essa falta do essencial no social está cada vez sendo justificada pela classe média que passou por uma mutação antropológica. Houve uma antropofagia da classe média carioca no qual muitos populares, ao se sentirem “emergentes”, se deram ao luxo de serem mais reacionários que setores da elite econômica. A peça Roda Viva no Rio está a nadar contra a corrente nesse cenário como se fosse para alimentar as chamas de uma insurreição das ideias.
Numa semana de Black Friday. Em que muitos comerciais lhe vão sugerir que compre, compre, compre, compre... Sem que pensemos no próximo. Compre um pouco de democracia e vá a Cidade das Artes para assistir a peça Roda Viva. Veja no Anjo, em belíssima atuação de Guilherme Calzavara, o espelho de uma fase política que pode mudar. E mudará. Afinal, a montagem de Roda Viva está muito conectada com Bacurau (que esse teimoso articulista já analisou para esse BLOG) e além de lembrar o capítulo “A intervenção tropicalista como contraponto à divisão radical” em O Brasil e seu duplo (2019) de autoria de Luiz Eduardo Soares a quem dedico esse artigo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

SÉRIE ESTUDOS - livro SOBRE LUTAS E LÁGRIMAS



Sobre o luto da política: um livro sobre as ameaças a Democracia

De Vagner Gomes de Souza

Para Júlio Aurélio, Ricardo Marinho, Eduardo Marcelo e José Manuel Blanco Pereira: a Base Universitária da UFF que em 1989 testemunhou outro “ovo da serpente”.

A semana foi intensa nos fatos políticos que criaram novas circunstâncias que sugerem uma redobrada atenção para as forças democráticas. Portanto, a leitura do livro Sobre lutas e lágrimas: uma biografia de 2018 de Mário Magalhães seria uma boa dica para aqueles que se esforçam para o exercício da rara arte da análise de conjuntura. Afinal, a liberdade do ex-presidente Lula segue uma sequência que faz justiça a expressão de um líder político que incendeia as paixões em torno do mundo. Não seria coincidência que tenhamos um golpe militar na Bolívia e o anúncio de mais uma legenda partidária na biografia política do atual gestor moral e financeiro do país.

Em que sentido a leitura do livro corresponderia aos esforços do campo democrático em fazer frente aos ataques aos valores democráticos da Constituição de 1988? O autor faz uma narrativa quase que cinematográfica em gênero “memória reportagem”. Os jovens leitores teriam a oportunidade de reler os fatos do ano o qual, segundo o autor, o Brasil flertou com o Apocalipse. Por sinal, foi esse o título da novela que a RECORD (núcleo intelectual de formação de opinião da base neopentecostal do bolsonarismo) exibiu entre novembro de 2017 e junho de 2018. Um livro para fazer os jovens acompanhar os fatos sem se deixar levar pelos mesmos. Uma vez que a análise da conjuntura se faz pela observação dos atores políticos em contato com a intervenção. A morte da centro-esquerda nas eleições de 2018 abriu um “luto” que se agrava pelos limites que atores políticos à esquerda impõem as novas possibilidades de lideranças que dialoguem com a periferia. Portanto, a antipolítica ganhou uma face no antiPT que colocou toda a esquerda no “balde do insano” anticomunismo.

A narrativa faz uma triangulação com três personagens que não saem ainda do noticiário político. Marielle Franco, Jair Bolsonaro e Lula são os personagens que realçam a biografia do ano de 2018. Ano de uma campanha eleitoral que ainda não se encerrou uma vez que a antipolítica é uma grande polarização que atinge a democracia.

Nas contradições sobre a portaria do Condomínio da Barra. No embate do Presidente com o PSL. Nas análises sobre os pronunciamentos de Lula que fizeram ressurgir ameaças de uso da famigerada Lei de Segurança Nacional. Enfim, nosso cotidiano político alongam o ano de 2018 e revive o livro de Mário Magalhães. Nesse momento de aberto enfrentamento do gestor moral e financeiro do país com a nossa história com fortes traços ibéricos, a sinalização de uma agremiação partidária é uma “fumaça” para encobrir que a polarização da política é inflada pelo Planalto. Os ataques da postagem das hienas não podem ser esquecidas pelos democratas e nem o “balão de ensaio” do Ato Institucional N(o) 5 que majoritariamente é desconhecido até na juventude prestadora do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM).

Sobre lutas e lágrimas apresenta as veias abertas das consequências de ausência da valorização da política que permite a ascensão de um núcleo dirigente que defende um capitalismo predatório sem uma rede de proteção social. O tiro em Marielle Franco e Anderson Gomes demonstrou que não podemos ficar aprisionados ao cálculo eleitoreiro. Fazer política é mais que levantar nomes messiânicos para disputas eleitorais num país com a democracia com forte desgaste. O jogo obscurantista das forças reacionárias é muito forte. Não nos iludamos que o desgaste do Governo nas pesquisas no IBOPE sensibilize aqueles que não compactuam com a democracia. Então, a ideia da Frente Ampla que o autor sinalizou no capítulo nove se faz necessário. Na ausência de Carlos Lacerda, JK e João Goulart, teremos que nos contentar com Rodrigo Maia, FHC e Ciro Gomes. Essa é a hora apropriada para uma nova Carta ao Povo Brasileiro.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

SÉRIE ESTUDOS - RESENHA DO LIVRO ESSA GENTE - CHICO BUARQUE


Essa Classe Média


Por Vagner Gomes de Souza

 

“Tem dias que a gente se sente

Como quem partiu ou morreu

A gente estancou de repente

Ou foi o mundo então que cresceu (...)”

 

Roda Viva (1967) – Chico Buarque

 

O livro Essa Gente acaba de chegar as livrarias físicas e virtuais e já promete muitas reflexões. Trata-se do sexto romance do também compositor Chico Buarque (agraciado pelo Prêmio Camões de 2019). Em suas páginas, o leitor será cativado pela forma suave no qual terá condições de analisar os dilemas de nossa atualidade. Esse é o livro que o filho se espelha no pai Sérgio Buarque de Holanda. Ele faz uma ficção com inspiração sociológica através da leitura da cordialidade brasileira no qual os personagens da classe média carioca expõem suas faces diante da “ralé” brasileira.

Seria um livro-manifesto que espelha como a emergência dos valores da ultradireita está com capilaridade no cenário carioca. A Zona Sul do voto de opinião deixa cair sua máscara preconceituosa. A trajetória do personagem Manuel Duarte permite a exposição das mágoas e dos ressentimentos da classe média. O fantasma do fascismo está ao redor Duarte. No fio da navalha que expõe os perigos das manifestações do voto de fúria antipolitizado.

Manuel Duarte circula tanto nas festas da elite econômica do agronegócio quanto nas moradias das classes subalternas. Ele é um escritor em crise criatividade como se fosse os atores do campo democrático. Um personagem andarilho nas ruas da Zona Sul que articula as tramas/dramas de uma classe média contaminada pelo moralismo. Separações na vida particular e decadência financeira numa sociedade em transformação transmite a angústia do romance sobre nossa época. Como viver nesse país através dos livros? Portanto, o personagem secundário é uma arma.

Essa Gente pode ser lida como um suspense que nos motiva a antever possíveis perigos para a Democracia no Brasil. A atualidade do livro apresenta as transformações na religiosidade nos morros cariocas. O candomblé sendo suplantado pelo neopentecostalismo. Uma ideia acompanhada pelo insight de uma trama paralela policial sobre a castração de jovens da periferia feitas por um Pastor a serviço da cultura. Nesse momento, Chico Buarque se assemelha ao escritor nova-iorquino Paul Auster. O Brooklyn surge nos contornos do morro do Vidigal. Uma narrativa de absurdos que revela o quanto é um absurdo a nossa política contemporânea. Os voos rasantes dos helicópteros e uma sociedade entregue a depressão.

Nesse romance, o autor sugere o quanto a classe média está doente com seus endividamentos e na busca pela ascensão social. Depois de abrigar negros fugitivos no século XIX, parece que o Leblon se espelha no Sul segregacionista norte-americano nos dias atuais. Na verdade, Adriana Calcanhoto escreveu “e o inverno no Leblon é quase glacial”. Estamos distantes de uma “primavera” carioca. Contudo, há momentos de poesia e resistência democrática por parte de outros personagens. Portanto, temos um livro que resgata o compositor das músicas de protesto dos “anos de Chumbo”. Essa Gente é o romance que traz a essência da música Roda Viva do compositor.