Senhores e Caçadores em "Capitão Fantástico"
À memória do Major Thompson (Irmão de E. P. Thompson fuzilado na II Guerra Mundial)
Por Vagner Gomes de Souza
"À medida que o capitalismo (ou ´o mercado`) construiu a natureza e a necessidade humanas, a política econômica e seu antagonismo revolucionário passaram a supor que esse homem econômico existiu em todos os tempos. Encontramo-nos ao final de um século em que essa ideia tem de ser questionada. Não devemos jamais retomar à natureza humana pré-capitalista, embora lembrar-se de suas necessidades, expectativas e códigos alternativos possa dar novo alento à noção da gama de possibilidade de nossa própria natureza. Seria ao menos capaz de preparar-nos para um tempo em que as expectativas e necessidades capitalistas e do Estado comunista possam ser construídas de uma nova forma?"
E. P. Thompson (1991)
O filme "Capitão Fantástico" - que mereceria uma melhor atenção dos distribuidores do filme proporcionando sua exibição na periferia carioca - é a angústia ao nível de Graciliano Ramos na sua crítica ao capitalismo. Trata-se de uma polêmica sobre as vantagens e desvantagens do "orientalismo" para se fazer oposição ao "capitalismo selvagem" que potencializa a concentração da riqueza e as diferenças sociais, conforme a denúncia de Thomas Piketty em seu livro "O Capital no século XXI". Nesse filme, há um sugestivo convite para que façamos um balanço sobre o ativismo político pós-2008 (em nosso caso, brasileiros, pós-2013). O que melhor dizer sobre a referência ao linguista marxista Noam Chomsky?
O isolacionismo da política esquerdista é exposta nas brilhantes lembranças do equivocado "Oriente político", o qual a Revolução Cultural Chinesa é um triste paradigma. Trata-se de um fantasma de sectarismo nas atitudes que se apresentam no começo filme. Ao fundo, sugerimos que haja uma proposta de enfrentar os erros de uma nova "velha" esquerda socialista elibertária com vertentes de um "protoanarquismo" comunal, que emergiu na insurgência de alguns setores após 2008.
A vida familiar de Ben (protagonista do filme) mescla um comunalismo pré-capitalista e uma disciplina espartana. Gradualmente a simpatia do público nos minutos iniciais do filme entra numa encruzilhada da política. O temperamento isolacionista poderia "sufocar" personagens e público se a notícia de do falecimento da esposa do protagonista, por suicídio, não desse abertura para uma transição na narrativa. A dúvida passa a alimentar os personagens e, aos poucos, interage ao silêncio reflexivo do público quanto aos acertos e os equívocos na ação crítica a ganância do mercado.
A decisão familiar de partir para o Novo México (símbolo do expancionismo norte-americano) para se somar ao funeral da mãe permitiu ao roteiro do filme incorporar momentos de humor em pleno "road movie". Dentro de um ônibus se reunem todos e a diversidade começa a emergir. Conflitos e dissidências são expostos enquantos que os familiares entram em contato com o "mundo do capital". Na direção desse ônibus está Ben que intui que não pode ser uma nova leitura de Stalin no Meio Oeste Americano. Os erros da "miséria da teoria" do orientalismo político ganham maior nitidez e a flexibilidade da vida prática passa ser uma necessidade.
As referências iniciais a Trotsky, Mao Tsé Tung, Pol Pot e Stalin vão ser atenuadas pela transição dessa viagem em busca de um entendimento do que teria feito uma mulher budista tirar sua própria vida. Há um mistério ou não? Então, um brilhante giro no roteiro com a celebração da Declaração dos Direitos do Homem e uma referência crítica a China da atualidade. Nos dizeres da caçula da família: "Sem essa Declaração nosso país seria como a China". Olhares de espanto dos "familiares globalizados" incluindo os primos "trumpianos" e, podemos perceber, um mal estar do público esquerdista no cinema. Esse é o momento de se permitir a fazer a crítica para demonstrar que é possível um caminho democrático para esses Caçadores no combate aos Senhores do Capital. Portanto, o pacifismo oriental do budismo vai ganhando sua força na narrativa do filme. Para fazer cumprir o último desejo da mãe budista, a unidade familiar será recomposta com atitudes mais flexíveis. A cena de cremação da mãe ao som de Guns n Roses é um hino em favor do encontro democrático entre Ocidente e Oriente. Ao final, todos na mesa estudando, estudando e estudando.
Um comentário:
Ainda não vi este filme, meu caro Vagner. EStou em dívidas com muita coisa mais nova.
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