O Julgamento do Nosso Tempo
Por Vagner Gomes de Souza
A Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro é testemunha, ou
seria melhor dizer, conivente com um andamento conservador de sua “revolução
passiva”. A lógica do sectarismo de uma esquerda nostálgica induziu o carioca
ao labirinto do Minotauro anti-Maquiavel (metade política e metade religião). O
fundamentalismo está na base de outros segmentos políticos ou setores artístico-socioculturais.
Falta muito a arte do diálogo e da reflexão. Por isso, somos reféns de uma
crise mais profunda com a qual atravessa nosso país.
Muitos sábios defendiam uma “Era de Ouro” para a capital
fluminense, porém estamos sem alternativas democráticas para sair do fundo
desse poço. Seja nos cargos majoritários ou no desafio de renovar os quadros
parlamentares no campo democrático. Gravíssima é a situação da precariedade da
educação dos jovens que apontam para candidaturas autoritárias. Uma onda de
Greves nas Escolas Públicas não criou uma legião de ativistas à esquerda. Pelo
contrário, emergiu um variado perfil de neoautoritários sem formação nas
letras: uma “SS das Redes Sociais”. O ano de 2013 foi a Primavera que logo se
viu substituído pelo Inverno político de nosso atual gestor estadual com o
complemento do gestor municipal de viés populista liberal/conservador.
Esse é o juízo que fazemos sobre nosso tempo na política
carioca. Então, foi nessa lente que observamos a atuação de Tonico Pereira na
peça “O Julgamento de Sócrates” (Teatro Cândido Mendes – Ipanema – Temporada:
03 de novembro até 17 de dezembro). Eu sei que nada sei sobre a crítica teatral
contemporânea, mas confesso que essa é a peça política mais instigante e
original desde o Impeachment da Mandatária Presidencial em 2016. Trata-se de
uma peça brechtiana que alerta para os perigos das forças sociais que vivem na
ignorância e se enquadram numa ação caluniadora do campo democrático. O ator
celebra seus 50 anos de carreira com esse presente para o público carioca que
está convocado a responder: “Quando o Rio de Janeiro se F...?”
Num breve prelúdio, o monólogo começa com lembranças das
raízes agrárias do ator que veio de Campos dos Goytacazes. Um descendente de
imigrantes italianos o qual nos deixa em prontidão para pensar no quanto
conheceria Gramsci seja pela política, ou seja, pelo autor teatral Dario Fo.
Então, a plateia percebe que o monólogo é um momento para se fizer pensar sobre
nossos caminhos e nossos mentores. Quem seriam nossos Sócrates? Tonico Pereira
cita alguns nomes de sua trajetória antes de encarnar o próprio Sócrates
vitimado pela perseguição.
Filosofando com essa peça teatral, observamos que a Filosofia
é muito importante para a formação da humanidade. A Filosofia que é deixada em
segundo plano em tempos de reorganização das grades curriculares. Fazer pensar
é um ato que faz muitos sentirem a indigestão, pois a máscara cai. Se sentir
pertencente a classe oprimida pode gerar um ódio para aquele lhe fez essa
revelação, pois estando consciente disso lhe resta dois caminhos: ou assumir
que é um “capacho” dos poderosos ou deve ser um ser disciplinado para fazer as mudanças.
Esse é o desafio imposto por Sócrates nessa livre inspiração na obra de Platão.
“O Julgamento de Sócrates” é uma versão teatral da leitura sobre o mito da
Caverna. O esclarecimento das camadas populares é um desafio contemporâneo.
Essa é uma peça profundamente didática para as forças
políticas progressistas. Devemos estar abertos a ceder nossos pontos de vista
inflexíveis para ganharmos gradualmente espaço. Ganhar o Governo não implica em
ganhar a opinião da sociedade, muito se articulam para desconstruir pela via da
mágoa. Nesse momento, todos aqueles que se sentem incomodados com as novas
ondas moralizadoras na cultura precisam ganhar um pouco mais de inspiração
reflexiva indo assistir essa peça. Mesmo que eu nada saiba que nada sei de
Teatro. Posso afirmar que é a melhor peça teatral do ano.
Crédito da foto: Tonico Pereira Foto: Victor Pollak