domingo, 12 de novembro de 2017

Nosso Tempo - O Julgamento de Sócrates (TEATRO)




O Julgamento do Nosso Tempo

Por Vagner Gomes de Souza

A Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro é testemunha, ou seria melhor dizer, conivente com um andamento conservador de sua “revolução passiva”. A lógica do sectarismo de uma esquerda nostálgica induziu o carioca ao labirinto do Minotauro anti-Maquiavel (metade política e metade religião). O fundamentalismo está na base de outros segmentos políticos ou setores artístico-socioculturais. Falta muito a arte do diálogo e da reflexão. Por isso, somos reféns de uma crise mais profunda com a qual atravessa nosso país.
Muitos sábios defendiam uma “Era de Ouro” para a capital fluminense, porém estamos sem alternativas democráticas para sair do fundo desse poço. Seja nos cargos majoritários ou no desafio de renovar os quadros parlamentares no campo democrático. Gravíssima é a situação da precariedade da educação dos jovens que apontam para candidaturas autoritárias. Uma onda de Greves nas Escolas Públicas não criou uma legião de ativistas à esquerda. Pelo contrário, emergiu um variado perfil de neoautoritários sem formação nas letras: uma “SS das Redes Sociais”. O ano de 2013 foi a Primavera que logo se viu substituído pelo Inverno político de nosso atual gestor estadual com o complemento do gestor municipal de viés populista liberal/conservador.
Esse é o juízo que fazemos sobre nosso tempo na política carioca. Então, foi nessa lente que observamos a atuação de Tonico Pereira na peça “O Julgamento de Sócrates” (Teatro Cândido Mendes – Ipanema – Temporada: 03 de novembro até 17 de dezembro). Eu sei que nada sei sobre a crítica teatral contemporânea, mas confesso que essa é a peça política mais instigante e original desde o Impeachment da Mandatária Presidencial em 2016. Trata-se de uma peça brechtiana que alerta para os perigos das forças sociais que vivem na ignorância e se enquadram numa ação caluniadora do campo democrático. O ator celebra seus 50 anos de carreira com esse presente para o público carioca que está convocado a responder: “Quando o Rio de Janeiro se F...?”
Num breve prelúdio, o monólogo começa com lembranças das raízes agrárias do ator que veio de Campos dos Goytacazes. Um descendente de imigrantes italianos o qual nos deixa em prontidão para pensar no quanto conheceria Gramsci seja pela política, ou seja, pelo autor teatral Dario Fo. Então, a plateia percebe que o monólogo é um momento para se fizer pensar sobre nossos caminhos e nossos mentores. Quem seriam nossos Sócrates? Tonico Pereira cita alguns nomes de sua trajetória antes de encarnar o próprio Sócrates vitimado pela perseguição.
Filosofando com essa peça teatral, observamos que a Filosofia é muito importante para a formação da humanidade. A Filosofia que é deixada em segundo plano em tempos de reorganização das grades curriculares. Fazer pensar é um ato que faz muitos sentirem a indigestão, pois a máscara cai. Se sentir pertencente a classe oprimida pode gerar um ódio para aquele lhe fez essa revelação, pois estando consciente disso lhe resta dois caminhos: ou assumir que é um “capacho” dos poderosos ou deve ser um ser disciplinado para fazer as mudanças. Esse é o desafio imposto por Sócrates nessa livre inspiração na obra de Platão. “O Julgamento de Sócrates” é uma versão teatral da leitura sobre o mito da Caverna. O esclarecimento das camadas populares é um desafio contemporâneo.

Essa é uma peça profundamente didática para as forças políticas progressistas. Devemos estar abertos a ceder nossos pontos de vista inflexíveis para ganharmos gradualmente espaço. Ganhar o Governo não implica em ganhar a opinião da sociedade, muito se articulam para desconstruir pela via da mágoa. Nesse momento, todos aqueles que se sentem incomodados com as novas ondas moralizadoras na cultura precisam ganhar um pouco mais de inspiração reflexiva indo assistir essa peça. Mesmo que eu nada saiba que nada sei de Teatro. Posso afirmar que é a melhor peça teatral do ano.
Crédito da foto: Tonico Pereira Foto: Victor Pollak

 


domingo, 20 de agosto de 2017

O FILME DA MINHA VIDA


O Filme da Democracia
Em memória de Jerry Lewis (1926-2017)
 Por Vagner Gomes de Souza
 
Um belo presente recebe o público ao assistir o filme "O filme de minha vida" dirigido por Selton Mello. Trata-se de uma livre adaptação do livro Um pai de filme do chileno Antonio Skármeta que agrega um pouco de lirismo poético para refletirmos nossa conjuntura mundial e nacional. Esse é um filme que despolariza nossos corações em tempos de intolerantes marchas "neonazistas". O Diretor não apela para o "populismo cinematográfico" de considerar o drama nacional circunscrito a questão da violência urbana. Ele demonstra ser possível abrir uma outra perspectiva para olhar o Brasil.
 
Então, somos convidados a conhecer o Sul do Brasil. "O filme de minha vida" é uma interpretação do Sul do mundo a partir do Sul do Brasil. Um país solidário com a globalização dos de "baixo" como se percebe no jogo da prova oral sobre as capitais dos países numa cama de bordel. "- Bolívia..." Na estreia de um jovem docente nos prazeres da vida há um diálogo que nos faz lembrar desse Sul profundo.
Então, somos lembrados dos tempos em que a Rádio era uma força maior que a Televisão. Ainda mais se a estória se passa no Rio Grande do Sul da Rádio da Legalidade. Sem qualquer referência ao episódio histórico, essa leveza se permite ao concluir quando a personagem Paco faz uma crítica a vizinha que comprou uma TV. Seria uma sútil lembrança de Lorde Cigano (José Wilker) no celebrado filme circense "Bye Bye Brasil"? Eis aqui mais um giro em nossas reflexões sobre esse filme que poderia ser um olhar poético sobre a modernização sem o moderno.
 
Uma das cenas de inspiração felliniana do filme
 

Através de "O filme de minha vida" poderíamos entrar numa locomotiva de reflexões sobre nosso compromisso com a democracia. Não se faz um filme só pelo começo ou pelo final. O desenvolvimento de uma trajetória ganha relevância se observarmos que a ética da responsabilidade ganha impacto junto ao público. Celebra-se Federico Fellini ao resgatar a crítica social com o recurso da poética cinematográfica. De forma "mineira", ou seja, quase silenciosamente se opera uma interpretação democrática para se fazer uso do perdão.
Pela locomotiva, chegamos a "fronteira" como se fosse o "Velho Oeste" americano do Sergio Leone. Tudo fica melhor na companhia da belíssima fotografia de Walter Carvalho. E... Estamos no cinema acompanhando "Rio Vermelho" (1948) numa "ponte" com os elementos progressistas do americanismo. Assim, percebemos é esse o momento de reagrupar o sentimental e o reflexivo nas salas de cinemas.

 

domingo, 21 de maio de 2017

UM CONTO SURREAL

 

Um fantasma ronda um provável Colégio Eleitoral

Por Vagner Gomes de Souza
 
Nos últimos dias, Tancredo Neves tem ficado acanhado na tristeza no mundo do além. Na Mantiqueira Celestial, eis que ele está sem responder as mensagens de solidariedade diante dos acontecimentos terrenos que maculam a memória da sua família. Entretanto, o turbilhão nacional não passa em silêncio para todos os políticos que vivem no além... Político é vivo mesmo após estar morto! Essa é a filosofia típica da política brasileira que afirma: "No mundo de Brasília, quem tem um gravador é rei!"
Nos vôos pelo túmulo de Getúlio Vargas, para melhor compreender a crise, Tancredo Neves relembra os dias fervis de 1954. O "Partidão" querendo a "cabeça" de Vargas a qualquer custo... A UDN assanhada com a "República do Galeão". E, hoje, vivenciamos a "República das Gravações". Um momento de reflexão... Onde estaria seu antigo chefe gaúcho? Ele e João Goulart costumam pernoitar no outono e inverno em São Borja. Tempos de crise... Devem estar em reuniões com Oswaldo Aranha e outros maiorais na análise da conjuntura. Foi seu primeiro pensamento. Ulisses Guimarães lhe alertou em não fazer essa viagem desgastante para um espírito público do mundo celestial. Ulisses lhe aconselhou: "Vamos ficar unidos aqui... Ou acha que estou gostando com o que fizeram com o meu legado no MDB!?!"
Não adianta... Sempre foi difícil Tancredo ouvir Ulisse Guimarães. Nem morto ele perderia sua autonomia de decidir politicamente. E... Já que estava morto. Saiu pelas criptas terrenas e nenhum espírito encontrou em São Borja. Crise. Volta a pensar. Tempos de crise...
 
- Tempos de crise! (Uma voz surgiu em algum canto).
 
- Quem aqui está? (Perguntou o mineiro pesedista).
 
- Um velho conhecido do trabalhismo. Vire-se para a esquerda.
 
Ele atende. Gira seu corpo espectral e olha para Leonel Brizola.
 
- Brizola!!! O que faz aqui? Eu imaginava que estivesse assombrando o Palácio da Guanabara.
 
- Desisti. Aquele Governador é pior que o "Gato Angorá"! E... Diante dos fatos. Vim recorrer ao grande Getúlio Vargas, porém ele se foi...
 
Momento de silêncio para os dois... Um encontro traiçoeiro da pós-morte entre um pesedista e um trabalhista do pré-1964. Enfim, Brizola rompeu o silêncio.
 
- E... Foi essa crise que lhe trouxe aqui? Vi que os herdeiros não lhe representam.
 
- Nem me lembre disso... Contudo, pensei em buscar um conselho sobre uma decisão minha.
 
- Qual seria? Tem confiança em me confidenciar?
 
- Apesar de nossas adversidades... Eu preciso de que algum espírito da política opine... Trata-se disso tudo que ocorre no mundo carnal do Brasil.
 
- Quem diria Tancredo. A Nova República levar essa marca de corrupção. Muito bem sabemos que foram os militares que alimentaram essa chaga.
 
- Nós sabemos, porém a população não tem lideranças que fazem o melhor perfil para afastar o perigo do autoritarismo. As nuvens da catástrofe sempre trazem um nome e a imagem de um parlamentar fardado.
 
- Bahhhhhhhhhh!!!!!!!! Deixe de lembrar desse presságio. O trabalhador brasileiro ama a liberdade. Darcy Ribeiro, ontem mesmo me dizia, que devemos acreditar a criatividade do brasileiro.
 
Tancredo Neves abaixa a cabeça. Lágrimas em forma de granizo surgem nos céus de São Borja. Brizola retoma a conversa.
 
- Neves... Tempos de crise passam.
 
- Minha experiência me diz que essa Nova República está no fim... Ela, na verdade, nem começou bem com a minha morte por causa das células cancerígenas.
 
- Células cancerígenas!?! Pensei que fosse uma infecção...
 
- Deixemos isso para outro momento... Enfim, tudo está em declínio! E tenho que concluir aquilo que tentei começar?
 
- Como?
 
- Brizola... Tomei a decisão de ser candidato ao Colégio Eleitoral caso haja o afastamento do atual Presidente.
 
Muitos risos de Brizola. Enquanto Tancredo Neves tenta explicar.
 
- Há meios extremos para que isso seja possível. Você sabe que a reencarnação tem algumas "brechas normativas" que podemos contornar em casos extremos.
 
- Tancredo! Não me espanto com sua capacidade de articulação no mundo espiritual para realizar esse transição de mundo do além para o Brasil. Contudo, ouça o "Velho" Brizola... Se vier um Colégio Eleitoral, outro fantasma está rondando. Com muitas chances.
 
- Quem!?!
 
- O fantasma ultraliberal do Henrique Meireles.
 
Tancredo Neves ficou ainda mais incomodado. Perdeu tempo em pensar naquelas ideias.
 
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Nota: esse conto é uma ficção. Os nomes e fatos históricos mencionados seriam o exercício da imaginação emprestados do contexto surreal de nosso país.

          

domingo, 12 de fevereiro de 2017

ATUALIDADE

O 18 Brumário Internacional e Nós
Por Pablo Spinelli
 
O ano de 2016, em um tom modestíssimo, foi no mínimo singular do ponto de vista internacional e nacional. Um ano que é caudatário de pendências de 2015 e que esse ainda deixará seu rastro por um tempo incerto, sua triste herança e alguns aprendizados para o que se iniciou; o ano onde o mundo falará – nostálgica ou raivosamente sobre o centenário da Revolução Bolchevique e também, talvez mais importante por conta da sua forte resistência de sobrevida na condição de clássico, a comemoração (ou não) dos 150 anos de “O Capital”, de Marx, um dos livros mais comentados, criticados, debatidos e em proporção inversa, lido da humanidade.
Na conjuntura internacional percebe-se uma lenta retomada de otimismo quanto à economia a partir dos indicadores dos EUA, com mais timidez na Europa desenvolvida e da retomada do crescimento chinês simultaneamente; no “sul do mundo”; os conflitos bélicos que permitem enormes lucros à indústria armamentista não param. A Primavera Árabe, como a de 1848, murchou. Iraque e Egito destruídos em facções, assim como a Líbia. Os caudatários da ordem autoritária desses países onde ainda persistem os pertencimentos tribais se foram e o Ocidente nada colocou no seu lugar a partir da política local com base na democracia. A Síria, numa relação com uma Rússia cujo mandatário está mais para inclinações da Grã-Rússia czarista do que para uma herança do socialismo real que muitos enxergam equivocadamente analogias – que já se extinguiu há tempos –, é um cenário de horror onde uma cidade histórica é dividida, patrimônios da humanidade são destruídos pela guerra e/ou pelo dogmatismo de grupos políticos-religiosos, como o Estado Islâmico, o que demonstra a necessidade de uma revisão do estatuto da ONU, instituição que foi esvaziada após o fim da URSS. Diante do quadro caótico permeado pela miséria, pelas guerras civis, pela ação do terrorismo onde o Estado se mostrou frágil como monopolizador do uso da violência, como defendem os liberais, assistiu-se uma das maiores migrações em massa desde a II Guerra Mundial (1940-1945). 
A Europa, como um todo, tentou se desvincular da sua "herança maldita", ou seja, tentou apagar seu passado imperialista, o mesmo o qual Edward Said havia alertado que iria cobrar seu preço. Há, por outro lado, algo a se saudar que é o posicionamento do Governo da Alemanha tendo em vista a trajetória política daquele país na primeira metade do século passado. Neste caso, as migrações serviram de mote para o endurecimento de concepções e opiniões de demagogos em épocas de crise, forma pela qual não se responde aos problemas da globalização, pelo contrário, não só não enfrenta os problemas postos por ela como a renega a partir do recrudescimento do Estado-Nação que permitiu da Grécia à Itália – berços da Antiguidade Clássica – um aumento da xenofobia e das direitas radicais, como vemos e veremos na França com uma Marine que não é a Marianne da bandeira tricolor, mas a da bandeira de cor negra de triste memória; como se percebe no surpreendente nacionalismo que o conservadorismo tradicional inglês não soube adestrar após anos de fomento, como foi o episódio do “BREXIT” quando a criatura (o nacionalismo) tomou para si o domínio da ação do Dr. Frankenstein (o liberalismo), em um dos países historicamente de maior liberdade quanto ao pluralismo de ideias, especialmente no século XIX. 
Na América Latina, o “bolivarismo”, um projeto que nunca disse a que veio, uma mistura de demagogia esquerdista com nuances keynesianas tropicais, teve seu fim para regozijo liberal. A onda neoliberal dos anos 1990 é hoje uma "marolinha" que ganha seu impulso a partir da insatisfação das camadas populares e médias diante da ineficácia do Estado assistencialista que se formou nos países que adotaram tal modelo. Mais um tento para o conservadorismo que associou – parte por culpa da retórica chavista – o Estado assistencialista com o comunismo e com isso tirou do baú os fantasmas que deixaram de ser há muito de ser um espectro - o discurso mofado do anticomunismo presente nas redes sociais à discursos de políticos na América Latina. O espectro que ronda aqui e alhures é o do fascismo, modelo que conseguiu de forma surpreendente e brilhante se reinventar no seu deslocamento do Estado para o mercado e ganhou escopo nos tecidos sociais. Nessa toada, um representante do mercado que se identificou alheio ao mundo político – e a História mostra que todos que assim o dizem são mais políticos que os que se reconhecem como tal – acabou por conquistar as mentes e corações nos EUA a despeito do establishment, inclusive do seu próprio partido. “House of Cards” foi inspirador para Trump que, por não ser leitor de Maquiavel, ao demonstrar por ora optar pela coerção sem consenso, sem a disputa da hegemonia, mas uma imposição da sua retórica aliada aos interesses corporativo caudatários da Guerra Fria tem como fiador o americano médio dos cinturões industriais que estão sofrendo o desemprego ou os grupos sectários racistas/segregacionistas, homofóbicos e outras vertentes do conservadorismo nos costumes como movimentos religiosos que apoiaram sua campanha.
Trata-se da herança da tradição do WASP ("Branco, Anglo-Saxão e Protestante" no acrônimo em ingês) do século XIX, um corpo estranho no mundo da globalização e do multiculturalismo. Por isso, seria estranho a sua simpatia entre os "mulatos e caboclos" no Brasil, mas percebemos uma cultura política alheia aos valores da democracia em diálogo com esses segmentos norte-americanos.
No Brasil, a crise econômica de 2015 deixou seu legado para 2016. Com a crise posta, a "timoneira" mudou o curso do navio sem antes expor aos navegantes a mudança da cabotagem logo após a sua segunda vitória eleitoral, como se viu na escolha do novo responsável pela Fazenda e pela fritura ao que ocupava o cargo. O mercado, ao perceber uma fragilidade na direção política aliado a uma mídia combativa como em 1954, 1964 e – após os movimentos sociais nas ruas – 1992 e aos  panelaços como os dos anos 1980 na Argentina feitos por uma classe média tradicional e também por aquela que foi batizada de “a nova classe média” (que virou nova justamente nos governos de liderança petista), acabou por optar pela especulação e rebaixou o Brasil pelas famosas agências de risco – o risco real é para quem acredita na lisura das análises dessas agências, como visto no filme “A Grande Aposta” – a despeito do enorme lucro ao mercado financeiro que o governo (desde FHC) permitiu ao colocar sua ênfase no pagamento da dívida pública. Por sua vez, a sociedade se “americaniza” cada vez mais. A pauta dos direitos ter se sobreposto aos conceitos de classe é algo que se originou nos fins dos anos 1970 e se consolidou nesse século – basta passar pelos campi universitários para ler os panfletos e ouvir as discussões dos alunos e dos professores, campo privilegiado da construção do conhecimento.
Nesse caminhar o Brasil chegou ao terreno perigoso da judicialização da política. Há, é verdade, um ponto positivo que é a descoberta de um poder que era alheio ao cidadão comum, o reforço do Ministério Público, momento em que a Carta de 1988 mostra sua face republicana, mas por outro, o efeito midiático contou como um dos alicerces das ações desse poder, como no STF, assim como a reforma ético-moral proposta pelos “tenentes de toga”, como citou um famoso cientista político brasileiro, que propuseram ações corretivas à corrupção em um grau tal que a sociedade fica descrente da política e quer um novo país – mas sem a classe política como esse país será parido?
No hibridismo de impeachment com golpe; de cassação sem a perda de direitos políticos, numa espécie de releitura do genial panfleto do século XIX, “Ação, Reação e Transação”; o Brasil ficou paralisado, a violência e o desemprego aumentaram e o vice-presidente que, desastrosamente resgata um modelo de governo à República Velha como se compreende a partir do seu slogan positivista – o que o aproxima dos “tenentes de toga” – e no Estado reformista que o aproxima de Campos Salles e Joaquim Murtinho e ressurge com nova modelagem uma "Política dos Governadores" a partir do laboratório que é o Rio de Janeiro, o estado das contrapartidas, onde após a privatização do trato público da água e do esgoto, tudo será normalizado, os salários do funcionalismo público serão colocados em dia, as esposas dos policiais militares voltarão sorridentes para suas casas, haverá menor índice de morte de PMs (ainda há de se perceber que a maioria que morreu esse ano curiosamente estava próximo ou dentro de um estabelecimento comercial - joalheria, restaurante, shopping - o que permite a leitura de que morreram por conta do "bico" e não por serem policiais). 
Por falar em Vargas, mais uma vez há uma nova volta do parafuso quanto à história do “fim da Era Vargas”. E mais um paradoxo surge. O enterro tem consigo os elementos do enxugamento da máquina pública; uma reforma previdenciária maximalista que tende a empurrar a classe média para a iniciativa privada; a racionalização burocrática.
Contudo, ao lado disso, a reforma ética-moral está com uma perigosa vida própria, um udenismo à esquerda e à direita que já derrubou seis ministros e um está sub-judice e faz o governo balançar na pinguela. Um liberalismo que se diz antivarguista, mas propõe uma reforma educacional por medida provisória, a herança do decreto-lei. O apoio de uma base congressista cuja maioria é fisiológica, cimentada em interesses econômico-corporativistas ou não republicanos apegados, como se viu na votação do impeachment, à família, à nação e à religião.
A Voz do Brasil não apenas se manteve no seu horário, saindo da pauta do Congresso a possibilidade de opção de transmissão – independente do trânsito, do futebol ou do bom-senso – como se tornou ostensivamente um mecanismo de propaganda do Executivo federal como nos tempos do presidente gaúcho que namorou de forma aberta com o positivismo e com o tenentismo. Dito de outra forma, a herança de Vargas que todos apedrejam é difícil de enterrar. 
Há por parte da sociedade o desejo da mudança, mas um repúdio aos atores tradicionais, o que numa crise de hegemonia abre uma possibilidade ao aventureirismo ou a um "bonapartismo", no clássico estudo de Marx (O 18 Brumário de Luís Bonaparte) e desenvolvido por Gramsci, com o "cesarismo". E como a História nos deixou de legado tal quadro, se confirmado,  é a derruição da democracia.
 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Cinema: Capitão Fantástico

Senhores e Caçadores em "Capitão Fantástico"
À memória do Major Thompson (Irmão de E. P. Thompson fuzilado na II Guerra Mundial)
Por Vagner Gomes de Souza
 
"À medida que o capitalismo (ou ´o mercado`) construiu a natureza e a necessidade humanas, a política econômica e seu antagonismo revolucionário passaram a supor que esse homem econômico existiu em todos os tempos. Encontramo-nos ao final de um século em que essa ideia tem de ser questionada. Não devemos jamais retomar à natureza humana pré-capitalista, embora lembrar-se de suas necessidades, expectativas e códigos alternativos possa dar novo alento à noção da gama de possibilidade de nossa própria natureza. Seria ao menos capaz de preparar-nos para um tempo em que as expectativas e necessidades capitalistas e do Estado comunista possam ser construídas de uma nova forma?"
E. P. Thompson (1991)
 
O filme "Capitão Fantástico" - que mereceria uma melhor atenção dos distribuidores do filme proporcionando sua exibição na periferia carioca - é a angústia ao nível de Graciliano Ramos na sua crítica ao capitalismo. Trata-se de uma polêmica sobre as vantagens e desvantagens do "orientalismo" para se fazer oposição ao "capitalismo selvagem" que potencializa a concentração da riqueza e as diferenças sociais, conforme a denúncia de Thomas Piketty em seu livro "O Capital no século XXI". Nesse filme, há um sugestivo convite para que façamos um balanço sobre o ativismo político pós-2008 (em nosso caso, brasileiros, pós-2013). O que melhor dizer sobre a referência ao linguista marxista Noam Chomsky?
O isolacionismo da política esquerdista é exposta nas brilhantes lembranças do equivocado "Oriente político", o qual a Revolução Cultural Chinesa é um triste paradigma. Trata-se de um fantasma de sectarismo nas atitudes que se apresentam no começo filme. Ao fundo, sugerimos que haja uma proposta de enfrentar os erros de uma nova "velha" esquerda socialista elibertária com vertentes de um "protoanarquismo" comunal, que emergiu na insurgência de alguns setores após 2008.
A vida familiar de Ben (protagonista do filme) mescla um comunalismo pré-capitalista e uma disciplina espartana. Gradualmente a simpatia do público nos minutos iniciais do filme entra numa encruzilhada da política. O temperamento isolacionista poderia "sufocar" personagens e público se a notícia de do falecimento da esposa do protagonista, por suicídio, não desse abertura para uma transição na narrativa. A dúvida passa a alimentar os personagens e, aos poucos, interage ao silêncio reflexivo do público quanto aos acertos e os equívocos na ação crítica a ganância do mercado.
A decisão familiar de partir para o Novo México (símbolo do expancionismo norte-americano) para se somar ao funeral da mãe permitiu ao roteiro do filme incorporar momentos de humor em pleno "road movie". Dentro de um ônibus se reunem todos e a diversidade começa a emergir. Conflitos e dissidências são expostos enquantos que os familiares entram em contato com o "mundo do capital". Na direção desse ônibus está Ben que intui que não pode ser uma nova leitura de Stalin no Meio Oeste Americano. Os erros da "miséria da teoria" do orientalismo político ganham maior nitidez e a flexibilidade da vida prática passa ser uma necessidade.
As referências iniciais a Trotsky, Mao Tsé Tung, Pol Pot e Stalin vão ser atenuadas pela transição dessa viagem em busca de um entendimento do que teria feito uma mulher budista tirar sua própria vida. Há um mistério ou não? Então, um brilhante giro no roteiro com a celebração da Declaração dos Direitos do Homem e uma referência crítica a China da atualidade. Nos dizeres da caçula da família: "Sem essa Declaração nosso país seria como a China". Olhares de espanto dos "familiares globalizados" incluindo os primos "trumpianos" e, podemos perceber, um mal estar do público esquerdista no cinema. Esse é o momento de se permitir a fazer a crítica para demonstrar que é possível um caminho democrático para esses Caçadores no combate aos Senhores do Capital. Portanto, o pacifismo oriental do budismo vai ganhando sua força na narrativa do filme. Para fazer cumprir o último desejo da mãe budista, a unidade familiar será recomposta com atitudes mais flexíveis. A cena de cremação da mãe ao som de Guns n Roses é um hino em favor do encontro democrático entre Ocidente e Oriente. Ao final, todos na mesa estudando, estudando e estudando.