Sem Medo de ser
Alegre
Por Vagner Gomes de
Souza
“Não deve ser,
portanto, crédulo o príncipe, nem precipitado, e não deve amedrontar-se a si
próprio, e proceder equilibradamente, com prudência e humanidade, de modo que a
confiança demasiada não o torne incauto e a desconfiança excessiva não o faça
intolerável.”
Nicolau Maquiavel, O Príncipe.
O que o Chile teria a ensinar ao
Brasil? O que o Brasil ensinou ao Chile em termos de transição política? Essas seriam
duas perguntas que devem encantar aos especialistas acadêmicos brasileiros ao
estudar a história chilena. O filme “No”, de Pablo Larraín, demonstra a força
de um individualismo em processo de longa duração. A luta pela democracia em
momento de americanização perversa.
Se a “revolução dos interesses”
emergiu no interior da Ditadura Militar brasileira ao ponto de testemunharmos
ao nascimento de um partido político após as greves do ABC, a campanha do
Plebiscito de 1988 no Chile teria captado essa “revolução dos interesses” que
estaria silenciada na sociedade por uma anacrônica polarização política diante
de uma economia vencedora. Fugir da polarização política seria uma forma de
captar os ganhos individuais de uma “nova economia”. O filme “No” instiga a
pensar numa manifestação política antiditadura Pinochet próxima ao paradigma do
individualismo metodológico proposto por John Elster.
No Brasil, o “sindicalismo de
resultados” é anterior a publicidade política de um Duda Mendonça. Numa chave
oposta, a “transição política de resultados” seria um processo posterior ao “marqueteiro”
René Saavedra. Elementos de psicologia social em cenários políticos estariam
presentes naqueles anos. A democratização chilena seria uma conquista para o
indivíduo viver alegre no futuro.
“No” é um filme instigante nesse
sentido. Os velhos atores políticos da oposição chilena estão expostos ao
anacronismo de sua mensagem para a sociedade (qualquer semelhança com outras
oposições políticas seria mera coincidência?). Particularmente inicialmente há
uma rejeição das mulheres e da juventude ao Plebiscito e/ou campanha do No.
Justamente os segmentos mais “abertos” as novidades e modas do mercado e
tecnologia. Então, a linguagem da publicidade refunda essa oposição onde a “ética
da convicção” foi cedendo espaço para a “ética da responsabilidade”.
Seria puro oportunismo? Seria
René mais um ex-exilado político que se virou mercenário? Afinal, por que fazer
uma campanha sem o objetivo de ganhar? Essas perguntas surgem em nossas mentes
enquanto assistimos ao filme e compartilhamos da luta individual do
protagonista em reconquistar o Amor da mãe de seu filho. Uma trama secundária
que demonstra que o sucesso publicitário não lhe conferiu ganho na intimidade
diante da cultura política ao qual sua ex-mulher era filiada.
As peças publicitárias da
campanha do No são originais e foram inseridas na narrativa do filme sem que
percebamos. Uma técnica cinematográfica que gradualmente dialoga com as
convicções do público: qual seria o mal menor? A cópia da cópia da cópia da
cópia da cópia....A sociedade já estaria pasteurizada e cada vez mais
individualizada na condição de consumidor. Assim, os atores políticos foram
transformados em cores de “arco-íris” numa mesma concertação. Porém não se
enganem com o protagonista uma vez que ele também é sectário. Uma cena do filme
ilustra esse sectarismo com a presença do líder da Democracia Cristã nas
gravações da campanha. Então, mais uma vez, é a cultura política das alianças
que aparece pela boca de um personagem identificado com o “comunismo” e faz
prevalecer a política de unidade.
Alguns diriam que o filme reflete
os tempos da pós-modernidade na política. “No” teria observado uma antecipação
desses novos tempos no Chile onde o discurso político vira um produto a ser “vendido”.
A escolha política estaria no mesmo nível que apresentar as vantagens do micro-ondas
ou do Tablet nos dias atuais. Contudo, a cena de uma pichação na casa do
publicitário o acusava de ser um marxista. Então, lembremos que Karl Marx foi
instigante ao fazer a crítica da economia política no primeiro capítulo de O Capital dedicado “A Mercadoria”.