terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 033 - UM POUCO DE AR PARA A FRENTE DEMOCRÁTICA!

Grandeza de espírito do tempo

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

O país não está habituado aos gestos de grandeza e como eles são cada vez mais raros na vida política, surpreendem sempre.

Fez-se a pouco quando do aniversário de 132 anos do Porto de Santos, onde há trinta anos, o saudoso David Capistrano Filho (1948-2000), na época Prefeito da cidade pelo Partido dos Trabalhadores (PT) também realizou aceno idêntico quando discursou em evento da campanha eleitoral de 1994 para o governo do estado de São Paulo em favor da chapa do PSDB com Mário Covas (1930-2001) e do atual Vice-Presidente do Brasil Geraldo Alckmin.

Não resta dúvida que os gestos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) representam um avanço político e institucional a ideia de construírem junto o túnel imerso de 860 metros de extensão que ligará as cidades de Santos e do Guarujá, no litoral paulista. A obra, que integra o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e orçada em R$ 6 bilhões, foi anunciada por eles e será executada por meio de parceria público-privada (PPP). A conversa entre Lula e Tarcísio para pôr em marcha o projeto em benefício da população é um gesto de grandeza tão raro nestes tempos de polarizações improdutivas que precisamos celebrar.

Como se sabe desde Maquiavel, a fortuna é sempre arredia à nossa vontade, mesmo quando somos virtuosos e diligentes, e por isso que não temos como antecipar o resultado de nossas ações.

No ano passado, Lula e Tarcísio atuaram juntos na resposta à catástrofe das chuvas no Litoral Norte de São Paulo. A aproximação, mais que necessária para facilitar o socorro às vítimas, foi celebrada por políticos de ambos os lados, apesar de reações tacanhas de estranhamento da militância obtusa.

Gestos desse tipo representam perfis de lideranças profundas, expressões de grandeza na responsabilidade republicana e democrática de governos em que se enseja certa ideia de Brasil que se aspira em nossa Constituição ao longo desses 35 anos, capaz de combinar maior bem-estar para todos e um processo de crescimento, estabelecido no horizonte econômico que o tornaria possível ao mesmo tempo em que expandia e reforçava a vida democrática.

A grandeza de uma vida pública tem muitos ângulos que a compõem. Em primeiro lugar, os seus resultados, o trabalho concreto, as transformações reais que a sua ação governamental produz.

Ainda que nas complexas sociedades modernas se obedeçam a outras lógicas, articulando vários sistemas dotados de movimentos próprios, em que, sob certas circunstâncias, como anotou Gramsci, os "protagonistas são como que os fatos", que turvam o papel dos atores na tentativa de condução das coisas do mundo.

Na experiência pregressa de Lula os números são claros, a economia cresceu superando os obstáculos do prolongamento da crise asiática, mas ao mesmo tempo a pobreza diminuiu significativamente e a desigualdade de rendimentos diminuiu.

Um país entregue em 2011 quase sem dívida pública e com grande prestígio econômico, social e político a nível global. Mas a grandeza de uma figura pública não termina aí, mas sim na sua capacidade de exercer liderança através do idealismo pragmático, parafraseando a bela definição de Jeremy Adelman na sua esplêndida biografia de Albert. O. Hirschman figura de destaque no desenvolvimento do continente americano.

Claro que, como em todo percurso, houve erros, tropeços e até mesmo quem cometeu abusos e atos desonestos que chocaram muito a opinião pública, apesar de a sua dimensão pouco ter a ver com o que vimos mais tarde. Mas a grandeza de espírito do tempo está na sua capacidade de aliar as suas convicções e a sua responsabilidade nas palavras de Max Weber, de ter uma visão construída a partir do sentimento da história, da curiosidade e de um olhar longo para o futuro, consciência de que a representação democrática exige governar para todos.

Essas foram as marcas dos governos de FHC que tiveram seguimento ao seu modo com Lula.

Esse andamento da política brasileira foi duramente atacado que a fez perder a força motriz dos primeiros trinta anos da democracia. Gradação, cooperação, acordos viraram palavrões. Eles se tornaram, pasmem, o caminho de uma má política, contra todas as evidências dos fatos. Toda virtude foi negada.

O Brasil pagou e paga caro por esta pós-verdade e falsificação da história por ignorância e/ou oportunismo.

Surgiram tendências na direita e na esquerda para rever o método do caminho percorrido e especialmente a esquerda radical e a extrema direita para negar o valor do que foi alcançado, terminando assim numa confusão perigosa da qual temos tido dificuldade de sairmos, como se viu no último dia 8/1.

Lula e Alckmin fizeram expressar no lema governamental a promoção da união de um país que, pela sua população e dimensão, está destinado a ser uma potência e um exemplo. Agora o fizeram com Tarcísio mais um gesto de grandeza, rara avis nesses tempos aziagos.

Nada deveria haver de extraordinário nesse fato de políticos de filiações partidárias diversas se unirem em questões cruciais. Sempre deveria ser assim, mas infelizmente tem sido fato raro no país. Que o acordo Lula-Tarcísio venha inspirar doravante nossa república e nossa democracia.

 

4 de fevereiro de 2024




[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.





domingo, 4 de fevereiro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - SOBREVIVÊNCIA DO PLANETA

O necessário despertar para um novo tempo

 

Marcio Junior[1]

 

Para Marco Aurélio Nogueira

 

São fatos recentíssimos a onda de calor que é sentida pelos argentinos, tal como foi e será por nós, assim como o aumento exponencial de detecção de determinadas doenças em populações que não conviviam com elas, principalmente por conta do clima ser um elemento importante no que diz respeito aos seus vetores de transmissão, como no caso da dengue.

A questão ambiental é central neste mundo turbulento, pois ela nos desafia a fazer, em poucos anos, um esforço que normalmente faríamos em muitos. A rotação do planeta, aquela que é, para Joaquim Nabuco, a verdadeira força de mudança, precisa ocorrer em um ritmo mais acelerado a fim de darmos conta da tarefa que a boa ciência tem nos colocado como necessária para a sobrevivência e o bem-estar das gerações futuras.

Logo, se impõe a pergunta: isso ocorrerá ou é necessário trabalhar compreendendo que este ritmo é mesmo lento? Respondê-la demanda um exercício histórico criterioso; não é porque há coisas que devem ser feitas, mas exigem um prazo maior para caminhar que não há outras, relacionadas a elas. Tão mais urgentes e precisam de resposta imediata. “De grão em grão a galinha enche o papo”.

O longa The Age of Stupid, A Era da Estupidez na tradução brasileira (2009), na prática é um documentário composto por gravações de várias partes do mundo mostradas coordenadamente por um personagem do futuro, um arquivista que guarda os registros de um mundo humano que não sobreviveu por conta das mudanças climáticas, nos põe um desafio já em seu título: a terminologia utilizada na tradução, se confrontada com a da língua inglesa, põe em choque duas escalas utilizadas para medir o tempo pela geologia, e nesta cronologia as "eras" contém em si um tempo muitíssimo maior do que as "idades", e para um geólogo esta seria uma confusão em cima de um conteúdo básico. Paralelamente a isso, nada impediu que Hobsbawn visse eras no interior da modernidade ou até mesmo que William Blake escrevesse, no prefácio do excepcional Milton (1810): Rouze Up O Young Men of the New Age, extraordinariamente bem lido pelo Prêmio Nobel de Literatura de 1994 Kenzaburo Oe, o qual um de seus livros se intitulou, em português, Jovens de um novo tempo, despertai (2006), tradução que é também cabível ao verso de Blake.

A dificuldade de lidar com essas diferenças também de cronologias, mais relacionadas à compartimentalização histórica das ciências e disciplinas do que ao problema ambiental em si, não é bem enfrentada tamanha a (im)possibilidade de recepção e debate bem feito deste mundo antropocênico pelas Humanidades, principalmente do que é produzido pelas geociências e não só, terminando por insular as ditas ciências humanas fora das discussões mais avançadas e torna-las incapazes de produzir um conhecimento sobre o tema que esteja em conformidade com nosso tempo, tornando os intelectuais impermeáveis à compreender que, apesar de se acreditar que os conhecimentos de diversas áreas não tem relação entre si, existem caminhos pelos quais podem conversar e formar agendas com um foco comum. Deriva disso que as Humanidades acabam fazendo falta, pois, mesmo com imensos avanços nos estudos ambientais e climáticos, as sociedades são dinamicamente complexas de modos muito particulares. E levar pouco em conta as várias formas que operam pelo mundo afora cria uma grande lacuna; afinal, a força sui generis que é o tecido social em que os indivíduos estão interligados entre si está intimamente relacionada com o fato do homo sapiens ser o grande dominador que é.

As consequências são várias, mas a que de fato importa é que isso nos atrasa politicamente no que diz respeito à formulação de um pensamento democrático e republicano para a mudança molecular em direção à consciência e mitigação do que nós e nossas atividades causam aos ecossistemas, assim como na contenção de mercados operando soltos e desregulados, cujo fetiche pelo crescimento sem freios esgota os recursos planetários a ponto de alterar suas dinâmicas de forma irreversível. Nada mais inadequado para este enfrentamento do que um liberalismo sem freios.

A política climática pressupõe, assim, uma frente democrática pelo bem-estar das espécies planetárias calçada em ação que convoque o que temos de mais avançado em matéria civilizatória, mas estudada e percebida de maneira inseparável à todas as formas de vidas e dinâmicas ambientais, unindo, como no caso da Agenda 2030 das Nações Unidas, Estados nacionais, empresariado e todo tipo de organização, elucidando os possíveis conflitos para que possa ser possível media-los e avançar. Afinal, ao contrário de sopas em afrescos, a luta pela Casa Comum pressupõe tanta seriedade, dedicação, estudo e lucidez quanto qualquer outra tentativa de tornar a vida melhor e mais digna. Talvez, além da produção de conhecimento e ciência de mais alta qualidade, seja necessário também um despertar para um novo tempo, tarefa sobretudo educacional provocada pelos literatos.



[1] - Doutorando em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

OSCAR 2024 - EM BUSCA DO EQUILÍBRIO - ENTREVISTA COM O PROFESSOR PABLO SPINELLI


 VOTO POSITIVO, desde 2018, entrevista o professor Pablo Spinelli sobre as indicações ao Oscar. A caminho de uma década de colaboração, muito da percepção cinematográfica sobre a conjuntura mundial se buscou desvendar aqui. Reafirmando esse compromisso, aqui voltamos para tentar celebrar as possibilidades da “sétima arte” na formação de uma opinião. 

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1) Seria possível fazer um breve balanço das indicações ao Oscar 2024 sob a luz do terceiro ano do mandato de Joe Biden? 

Creio que o Oscar, mesmo decadente e sem a mesma influência na juventude, vítima da combinação do algoritmo com inércia, ainda é um termômetro do principal mercado de cinema mundial. E esse mercado ainda dita algumas regras e é reflexo da conjuntura. Após uma avalanche de equívocos sob a pressão das corporações identitárias que resultaram em filmes que não eram vistos a não ser nesses nichos, as indicações tiveram mais em conta algo que combinasse desempenho, força na bilheteria e representatividade. Creio que dentro do que veremos nos EUA esse ano houve um aprumo das pautas do liberalismo corporativo (contradição em termos?) para aquilo que o prêmio se tornou: uma elegia à indústria, aos bons elencos, à bilheteria. Há um equilíbrio entre os Democratas raiz e os de “novo tipo” - os identitários, cuja “narrativa” mostra sinais de esgotamento aqui e alhures, basta ver Trump. O esquecimento do remake “A Cor Púrpura” é um indicativo não do racismo estrutural, mas do enfado coletivo mesmo que ainda se encontre “Pobres Criaturas”, um libelo contra os homens. A síntese do estado das coisas está na aposta que Taylor Swift possa reverter o caos a favor do atual presidente.  

 

2) Oppenheimer ser consagrado no Oscar de 2024 ou a volta de Donald Trump a Presidência dos EUA. Qual é a grande “barbada” de 2024? 

Muito dura a sua provocação. A curto prazo, o filme deve vencer em categorias importantes como Melhor Filme, Direção, Ator e Ator Coadjuvante. A médio prazo se avizinha um péssimo cenário. A volta de Trump mostra os equívocos da gestão Biden – nos conflitos bélicos, na comunicação com a sociedade, na falta de um candidato melhor (a vice foi uma escolha identitária de cota, e agora, como se faz a política? Como se faz omelete sem quebrar os ovos?). A economia americana está melhor, com desemprego em queda livre, inflação voltou ao controle, aposta numa energia renovável, mas isso não chegou a furar a bolha do ressentimento. Sobre o tema do ressentimento, creio que o personagem brilhantemente vivido por Robert Downey Jr em Oppenheimer é bem didático sobre as suas consequências.  

3) Em 2018, você assim afirmou: 

“(...)Além disso, aparecem dois filmes que dialogam entre si; “O Destino de uma Nação” e “Dunkirk”, cuja temática é a derrota vitoriosa, algo de difícil digestão para os públicos mais jovens que são inundados por um heroísmo mítico que tem a vitória – seja a que preço for – como meta alcançada.” 

O que mudou para que Oppenheimer (sob direção do C. Nolan de “Dunkirk”) chegasse as 13 indicações ao Oscar 2024? 

O dinheiro. O filme fez bilheteria. É brilhantemente bem desenvolvido. Tem um diretor com uma influência nos mais jovens que foi a excelente trilogia Batman. Um tema árduo como a física e bomba nuclear – e toda uma discussão moral sobre o episódio - numa cinebiografia com mais de 100 personagens com muitos diálogos conseguiu captar a atenção tiktokeana. Esse filme mostra a importância do ensino de História na educação básica. Quando se sabe sobre II Guerra, Roosevelt, Macarthismo, URSS, as coisas ficam mais fáceis de compreender. Creio que Dunkirk tenha sido um ensaio geral para Oppenheimer. Além disso, há a política. O projeto Manhattan não surgiu de um grupo ideológico “X”. Foi uma frente de cientistas – todos homens e brancos – contra o nazismo e o totalitarismo japonês que precisa ser mais bem conhecido.  

 

4) Em “Dunkirk”, há a atuação de Cillian Murphy. Esse ano ele é o favorito ao Oscar na categoria Melhor Ator?  

Ele é um ator que mostra sua força há muito tempo. Ele ficou em segundo na disputa pelo Batman de Nolan, ficou como o Espantalho, além de ter atuado numa das séries mais populares entre os jovens, “Peaky Blinders”. Paul Giamatti (Os Rejeitados) é um ator inteligente, mas é para cinéfilos. Colman Domingo (Rusty) é muito promissor e está no filme errado. Não vi o trabalho de Jeffrey Wright (American Fiction) mas sempre é muito competente. O grande equívoco é a escolha por Bradley Cooper – que é um bom ator, mas não foi feliz na concepção e atuação em Maestro. Cadê Leonardo e Barry Keoghan (Saltburn)? 


5) Na categoria Melhor Atriz, temos alguma favorita?  

Em 1973, Marlon Brando recusou o Oscar e mandou uma descendente indígena fazer um discurso contra o tratamento aos indígenas americanos. Foi uma grande polêmica, ainda se vivia sob a sombra de John Wayne. Passado meio século, eis que uma atriz de origem indígena muito, muito boa, que não se apequenou diante de Leonardo Di Caprio e Robert DeNiro é no momento da entrevista a favorita. Lily Gladstone (Os assassinos da Lua das Flores) tem muito a nos ensinar sobre a tragédia que se abate sobre os yanomami. Ao lado dela há a ótima Emma Stone (Pobres Criaturas) que tem uma grande atuação física; depois Carey Mulligan, que é o centro de Maestro e Sandra Hulley pelo impecável “Anatomia de uma queda”. Anette Bening, uma ótima atriz tem uma atuação caricatural em Nyad. Inacreditável que Margot Robbie tenha perdido essa vaga por Barbie. Vão querer premiá-la por um filme menor ano que vem ou em 2026. 

6) Esse ano, o Oscar de Direção será consagração de um inglês que já ambientou Gothan em “O Cavaleiro das Trevas” (2012) ou podemos ter surpresas? 

O mundo gótico tem seu berço na Inglaterra. Não creio que Scorsese ganhe por aquele que pode ser um dos seus últimos trabalhos. Uma pena. Acho que Nolan fez por merecer ao ousar fazer e escrever um filme tão complexo. Agora, se em fevereiro o lobby corporativo tomar conta dos corações e mentes, a concorrência (justa) será com a francesa vencedora de Cannes, Justine Triet por Anatomia de uma queda. Acho que vai dar Nolan. Interessante que não se questionou nas redes a ausência da diretora de Barbie. Será que a expectativa se frustrou ao ver uma boneca querendo engravidar? O tema do aborto será um ponto na campanha eleitoral. Não deveria, mas será.  

7) Na categoria Melhor Filme Estrangeiro, o estado de natureza humana de “A Sociedade da Neve”, em tempos de VOX, concorre com as consequências da anomia em Durkheim do filme “Io Capitano”, em tempos de Fratelli d´Itália. O que sugerem essas indicações? 

Mal sinal. Os filmes são bons. A sociedade da neve tem sucesso pelo sadismo que o público apurou com o BBB e o cinema (ruim na maioria) atual de terror. O Papa gostou de “Io Capitano” que trata sobre o tema dos refugiados e fez boa trajetória no Festival de Veneza. A sociedade da neve tem uma trajetória divertida. Os críticos lembram que o episódio triste que ocorreu com atletas uruguaios foi retratado por americanos (Vivos) e que foi melhor uma versão com pessoas falando em espanhol. Ora, essas correias identitárias e suas contradições em termos. Dos EUA não pode, mas da “visão colonial” pode? O filme podia ser avaliado em outros contextos, como a sua provocação: A Academia dará o Oscar para a direita? Sim. Acho que vencerá Zona de Interesse. Lembremos que Israel está em guerra contra o Hamas.  

 

8) Há 40 anos, “Memórias do Cárcere” foi lançado no cinema brasileiro por Nelson Pereira dos Santos. Não seria esse um bom desafio para que tenhamos um filme competitivo para o Oscar 2025 - algo que não ocorre desde a animação “O Menino e o Mundo” (2016) que perdeu para “Divertida Mente”? 

O problema é que desde os anos 2010 o que vemos é a multiplicação de tratados sociológicos. O cinema brasileiro tem ótimos atores, extraordinários diretores de fotografia, melhorou o som, mas o que falta na comparação com os argentinos? Roteiro. Um roteiro para além do gueto, para além dos Festivais internos. A comédia de costumes ocupa a maior parte do nicho do consumo interno. Por quê? Porque fala para a classe média. E os subalternos gostam de se ver como tal? Joãozinho Trinta falou algo sobre isso. Paulo Gustavo dava uma reviravolta nos extremos. Como filmes de um homem vestido de mulher falando sobre o universo gay com dezenas de palavrões conseguia chegar aos conservadores? É necessário lembrar da nossa literatura com carinho. Há uma tradição em uma Rachel, num Jorge Amado, num Graciliano. É possível fazer rir, ser universal, ser crítico? Oduvaldo Vianna Filho e Armando Costa em plena ditadura fizeram A Grande Família. Nelson Pereira dos Santos adaptou o conservador Nelson Rodrigues e filmou a trajetória de Milionário e Zé Rico. Um pouco de “centrismo” não faz mal a ninguém.