Confissões de um
Diálogo Necessário
Vagner Gomes de
Souza
Em tempos de falsas
polarizações no cenário político brasileiro, as manifestações culturais são
mais lúcidas que muitas articulações políticas. A peça “Confissões de um Senhor
de Idade” permite que os segmentos democráticos da esquerda trilhem um caminho
de diálogo com os religiosos. O autor/ator principal escreveu o texto antes da
emergência eleitoral de uma “onda conservadora” favorável a busca de uma
supremacia religiosa da chamada “Teologia da Prosperidade”. Entretanto, os
diálogos entre o personagem Flávio e Deus ganham uma nova conexão com os novos
tempos.
Chegamos ao momento
político em que a peça ganha uma vida própria para além das intenções de seu
criador. A peça ganha um livre-arbítrio na leitura do público. Assim, o personagem Flávio estaria a redigir
sua autobiobrafia após 63 anos de carreira como ator e recebe a visita de “Deus”.
Nesse encontro inesperado há uma proposta de “Pacto” no qual “Deus” deseja ser
hegemônico, porém, aos poucos, o incrédulo personagem vai expondo sua vida e
seus motivos de reflexões sobre a espiritualidade.
No desenvolvimento da
peça o expectador tem a oportunidade de conhecer um pouco de Flavio Migliaccio
num depoimento em que expõe o quanto a cultura poderia enfrentar as dores
humanas. A infância depoimento/peça é uma versão brasileira do filme italiano
“A Vida é Bela”. O “Deus” faz a partir daí um julgamento sobre o nosso personagem
sem fé ao mesmo tempo em que é dialeticamente confrontado com sua existência
diante da humanidade.
Há fortes inspirações
filosóficas no texto teatral, porém não deixemos de destacar seu impacto na
sociologia política contemporânea. As bancadas religiosas ganharam força após a
“Era Collor”. O discurso de modernização liberal extremado se conectou na
sociedade e a crise do Estado de Bem Estar Social permitiu que denominações
religiosas consolidassem a “Teologia da Prosperidade”. A mobilidade social em
favor de uma falsa “Nova Classe Média” foi a “alavanca” sociopolítica desse
novo olhar sobre a religião. Aos poucos, o conservadorismo político se
transformou no ator político dessa metamorfose social.
Diante dos mais
politizados, a peça demonstra que a morte da “Teologia da Libertação” é um
fenômeno que deixou um vazio no diálogo da esquerda com as classes subalternas.
Longe de lançar uma solução para essa fratura, a peça resgata o discurso do
Amor presente no cristianismo primitivo. Agora, o texto tem o desafio de ser
“testado” nas periferias das grandes cidades onde o neopetencostalismo e
setores neoconservadores da Igreja Católica transitam num processo de “novos
intelectuais orgânicos” do autoritarismo ultraliberal.
A peça é didática ao
estilo das escritas nos tempos do CPC da UNE. Os atores políticos não podem
estar ausentes dessa reflexão para que haja a coexistência democrática entre
fé, conhecimento científico, liberdade cultural e tolerância. A política do
charlatanismo está manipulando a fé das camadas populares. No campo do
marxismo, Gramsci foi um estudioso sobre essa relação religião e política e
testemunhou a ascensão do fascismo sob o silêncio de muitos religiosos. Essa seria
uma interessante leitura para esses novos tempos além de ir ao Teatro.