domingo, 9 de junho de 2013

FAROESTE CABLOCO - O FILME (OPINIÃO)



 

Era uma vez em Brasília
Por Vagner Gomes
“Não é nossa culpa
Nascemos já com uma bênção
Mas isso não é desculpa
Pela má distribuição
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração
Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração (...)”

Faroeste Caboclo – O filme é um desafio para a geração que nasceu após a morte de Renato Russo. Um compositor talentoso que foi “levantado aos céus” como se fosse um neomessias de uma juventude sem bandeiras. Por isso, há um estranhamento quando jovens entram ao cinema para ver um filme achando que irão assistir ao “Vídeo-Clip”. Não é uma narrativa “fiel” a todos os versos da música e nem pretende ser isso em nossa avaliação.
Faroeste Caboclo é impactante pela ousadia de levar para as telas do cinema nacional o estilo do “western” ambientado numa Brasília no começo dos anos 80. Tempos de ditadura militar em que as “Cidades-Satélites” cresciam em pobreza e violência. Portanto, uma referência que logo surge em nossa mente é o diretor Sergio Leone através de duas obras: “Três Homens em Conflito” (1966) e “Era uma vez no Oeste” (1968 ).

Cena de Era uma vez no Oeste (1968)

A primeira cena do filme só faltaria uma gaita como fez Enio Moricone certa vez na história da trilha sonora dos filmes. Aliás, um bom “westen” precisa de uma boa trilha sonora que fique na cabeça do público do filme. Faroeste Caboclo – O filme acertou na trilha sob a condução do integrante da banda Plebe Rude, Philippe Seabra ao deixar a execução de Faroeste Caboclo – A música para o momento dos créditos. Outras músicas ganham destaque para reviver a memória dos contemporâneos do rock nacional e para a nova geração.
O diretor faz uma secularização de uma inspiração musical. Faz um duelo com aqueles que desejam transformar a obra de Renato Russo numa filosofia pós-moderna sem contextualizar. Portanto, a contextualização histórica aparece em alguns momentos incidentais que o público “fundamentalista” deixa passar sem muita atenção. A chegada de João de Santo Cristo em Brasília é ilustrada com cenas da época dos “quebra-quebras” em 1980 que a imprensa pouco exibia na TV. O slogan do Governo do último ditador militar, General João Baptista, aparece na narrativa – “Plante que o João Garante”. As manchetes do jornal Correio Brasiliense que servem para ilustrar as fotos na cadeia. Qual é a primeira edição? Será que os “fundamentalistas” se lembram? Muito bem, trata-se de uma referência ao atentado a bomba no RioCentro que foi importante para o isolamento político da “linha dura” do regime militar de então.

Faroeste Caboclo sem "puritanismo"


Nesse aspecto, o filme inverte o culto a Renato Russo com sua dessacralização e sua gradual aproximação ao momento político do rock nacional. Além disso, o filme aborda outros duelos da sociedade brasileira. O geracional: o Senador e a filha universitária. O social: “enquanto o rico projeta o pobre constrói”. O racial: lamentavelmente uma parcela do público na região onde assisti (Zona Oeste carioca) expressa seu “choque” com um romance intraracial entre João de Santo Cristo e Maria Lúcia. Deixemos a hipocrisia de lado. Fazer o discurso de que o filme tem cenas de sexo excessivas é um preconceito disfarçado em moralismo.

Que país é esse que observa “putaria” em uma heterodoxa história de Amor entre uma branca e um negro? Vejam a poesia das cenas de conteúdo adulto se desejar essa classificação dos tempos da CENSURA da Ditadura. O Diretor muito bem conduziu esses momentos necessários para servirem como um “soco” no estômago da nova geração de moralistas. As primeiras cenas há um contraste da pele negra com a pele branca. Num segundo momento há a engraçada brincadeira dos cômodos. Por fim, a cena da denúncia ao falso pudor. Numa sala carregada pelo cenário de inúmeros quadros sacros os dois fazem amor até que chega o Senador que expulsa os dois. Observem que não são mais de 5% da película, porém o senso comum comenta como se fosse uma “pornochanchada” dos anos 80.

O romance da citação ao Kunta Kinte

De fato, o filme expõe outras referências não captadas pelas vertentes “fundamentalistas” que vão ao cinema. A citação de Kunta Kinte nas boca de Jeremias é um convite a leitura do romance de Alex Haley para uma percepção comparativa do escravismo nos Estados Unidos e no Brasil. O balde de água vazio lembra “Vidas Secas”. Não podemos esquecer-nos de um pouco de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” se seguirmos nossa liberdade de leitura. Por fim, para não alongar mais, as drogas e a vingança lembram o Diretor Quentin Tarantino (“Pulp Fiction”, “Kill Bill Vol. 1 e 2” e “DJango Livre”).
Essa é a narração de uma história de um filme que não pode ser simplesmente descartado por uma nova forma de “fundamentalismo”. Estranhamente, uma nova geração que cultua ou pensa que cultua Renato Russo não percebeu que ele era um libertário, ou seja, não aceitaria que sua obra fosse uma doutrina ou estivesse distante da crítica social. Portanto, citamos uma passagem da música “Até quando esperar”, que está na trilha do filme, ao começo dessa resenha.

Três Homens em Conflito (1966)