terça-feira, 4 de outubro de 2022

SÉRIE ESTUDOS - RESENHA DO LIVRO LINGUAGEM DA DESTRUIÇÃO ALERTA SOBRE O BOLSONARISMO


Bolsonarismo como linguagem da destruição

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Starling, Heloisa Murgel, Lago, Miguel e Bignotto, Newton. Linguagem da destruição: A democracia brasileira em crise. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 174 págs.

 

O início do século XXI encontrou intelectuais de várias experiências nacionais muito preocupados com o estado em que se encontra a democracia. A análise e as conclusões obtidas pela "intelligentsia" revelam crise funda deste sistema de governo. A crise tem se expressado de diversas maneiras, entre as quais a falta de interesse pela política, a diminuição do apoio a essa forma de governo e, sobretudo, a perda de confiança na democracia e nos atores políticos que lhe dão vida. Há apenas quatro anos, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt publicaram "Como as democracias morrem" (Rio de Janeiro: Zahar, 2018), em que a democracia aparece como sistema de governo muito deteriorado em termos de credibilidade, uma questão muito sensível se pensarmos que é a cidadania que vai às urnas.

Nesse cenário, Starling, Lago e Bignotto destacam as novas linguagens da destruição da democracia. O livro ilustra abundantemente as significativas linguagens que fraturam e enfraquecem esse sistema de governo entre nós. Combina, ainda, três bases teóricas – história, filosofia e ciência política – para analisar a experiência brasileira nascida do resultado eleitoral de 2018, que mostra as tentativas recentes de colapsar o sistema político. Do ponto de vista desses acadêmicos, incentivou-se a infiltração na estrutura do governo Bolsonaro de uma nova casta de políticos e líderes de diferentes áreas, com mandato democrático, que utilizam os próprios instrumentos do sistema para exercer o poder autoritariamente, às vezes aparentando estarem próximos do tipo ideal totalitário de Hannah Arendt (1906-1975). E são tão dogmáticos quanto às ideologias de igual estirpe concebidas nos séculos anteriores.

A semelhança com os anos 1920 e 1930 para por aqui. Lá havia o avanço do totalitarismo – o fascismo e o nazismo –, mas a nossa circunstância é completamente diferente. No arcabouço histórico, filosófico e político que fornece o sistema de governo democrático brasileiro, representantes eleitos exercem uma liderança autoritária que destrói até mesmo as formas mais simples de participação. Apesar de não advirem de golpes de estado de velho tipo, com origem militar e/ou cívico-militar, o governo Bolsonaro e o movimento que leva o seu nome cumprem uma trajetória que atenta contra o desenvolvimento participativo e representativo da sociedade, como se verificou durante várias décadas do século XX. Efetivamente, os golpes sangrentos, que custaram à vida de milhares de cidadãos, foram substituídos em nossos dias pelo advento de sujeitos autocráticos que exercem o poder, transgredindo instâncias de participação vital para a democracia.

Nesta ascensão ao poder, o livro atribui responsabilidade decisiva aos partidos políticos. Essas instituições é que deveriam resguardar o sistema político democrático, evitando a ascensão em suas estruturas de figuras autoritárias. Os políticos devem, portanto, ser guardiões da democracia e os partidos não podem sucumbir a outsiders e a figuras disruptivas que visam tão só o assalto ao poder. A preocupação dos textos gira em torno da preservação da democracia, insistindo na necessidade de resguardar dois princípios fundamentais: tolerância e contenção. Ambos devem ser garantidos pelas instituições que sustentam nosso sistema político.

A análise apresentada por Starling, Lago e Bignotto leva o leitor a reflexões sobre o governo brasileiro atual e sua reverberação em outros lugares do mundo, com os consequentes impactos nas formas de governança. O aviso fundamental de "Linguagem da destruição" concentra-se nos líderes políticos que assumem o poder democraticamente, mas transgridem autocraticamente as regras. Valendo-se dos fundamentos de uma sociedade tolerante, eles podem se expressar livremente e têm nessa janela a oportunidade de serem protagonistas das tentativas de derruição da democracia. Para tanto, colocam mais lastros na cruz da desigualdade seiscentista (o que é próprio da dimensão religiosa do bolsonarismo, que opõe a mística à racionalidade) e erguem empecilhos para a construção de um futuro mais equitativo e justo para todos os cidadãos.

 

24 de setembro de 2022



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

Um comentário:

Pablo De Las Torres disse...

Finalmente um avanço qualitativo para um debate para o segundo turno: os partidos políticos vão insistir na autofagia? O exemplo do Republicano dos EUA é sintomático do que aqui pode virar. O Partido Liberal vai chancelar a autocracia?