Bolsonarismo como linguagem da destruição
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Starling, Heloisa Murgel, Lago, Miguel e
Bignotto, Newton. Linguagem
da destruição: A democracia brasileira em crise. São Paulo: Companhia
das Letras, 2022. 174 págs.
O início do século XXI encontrou intelectuais de
várias experiências nacionais muito preocupados com o estado em que se encontra
a democracia. A análise e as conclusões obtidas pela "intelligentsia"
revelam crise funda deste sistema de governo. A crise tem se expressado de
diversas maneiras, entre as quais a falta de interesse pela política, a
diminuição do apoio a essa forma de governo e, sobretudo, a perda de confiança
na democracia e nos atores políticos que lhe dão vida. Há apenas quatro anos,
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt publicaram "Como as democracias
morrem" (Rio de Janeiro: Zahar, 2018), em que a democracia aparece como
sistema de governo muito deteriorado em termos de credibilidade, uma questão
muito sensível se pensarmos que é a cidadania que vai às urnas.
Nesse cenário, Starling, Lago e Bignotto destacam
as novas linguagens da destruição da democracia. O livro ilustra abundantemente
as significativas linguagens que fraturam e enfraquecem esse sistema de governo
entre nós. Combina, ainda, três bases teóricas – história, filosofia e ciência
política – para analisar a experiência brasileira nascida do resultado
eleitoral de 2018, que mostra as tentativas recentes de colapsar o sistema
político. Do ponto de vista desses acadêmicos, incentivou-se a infiltração na
estrutura do governo Bolsonaro de uma nova casta de políticos e líderes de
diferentes áreas, com mandato democrático, que utilizam os próprios
instrumentos do sistema para exercer o poder autoritariamente, às vezes
aparentando estarem próximos do tipo ideal totalitário de Hannah Arendt
(1906-1975). E são tão dogmáticos quanto às ideologias de igual estirpe
concebidas nos séculos anteriores.
A semelhança com os anos 1920 e 1930 para por aqui.
Lá havia o avanço do totalitarismo – o fascismo e o nazismo –, mas a nossa
circunstância é completamente diferente. No arcabouço histórico, filosófico e
político que fornece o sistema de governo democrático brasileiro,
representantes eleitos exercem uma liderança autoritária que destrói até mesmo
as formas mais simples de participação. Apesar de não advirem de golpes de
estado de velho tipo, com origem militar e/ou cívico-militar, o governo
Bolsonaro e o movimento que leva o seu nome cumprem uma trajetória que atenta
contra o desenvolvimento participativo e representativo da sociedade, como se
verificou durante várias décadas do século XX. Efetivamente, os golpes
sangrentos, que custaram à vida de milhares de cidadãos, foram substituídos em
nossos dias pelo advento de sujeitos autocráticos que exercem o poder, transgredindo
instâncias de participação vital para a democracia.
Nesta ascensão ao poder, o livro atribui
responsabilidade decisiva aos partidos políticos. Essas instituições é que
deveriam resguardar o sistema político democrático, evitando a ascensão em suas
estruturas de figuras autoritárias. Os políticos devem, portanto, ser guardiões
da democracia e os partidos não podem sucumbir a outsiders e a figuras
disruptivas que visam tão só o assalto ao poder. A preocupação dos textos gira
em torno da preservação da democracia, insistindo na necessidade de resguardar
dois princípios fundamentais: tolerância e contenção. Ambos devem ser
garantidos pelas instituições que sustentam nosso sistema político.
A análise apresentada por Starling, Lago e Bignotto
leva o leitor a reflexões sobre o governo brasileiro atual e sua reverberação
em outros lugares do mundo, com os consequentes impactos nas formas de
governança. O aviso fundamental de "Linguagem da destruição"
concentra-se nos líderes políticos que assumem o poder democraticamente, mas
transgridem autocraticamente as regras. Valendo-se dos fundamentos de uma
sociedade tolerante, eles podem se expressar livremente e têm nessa janela a
oportunidade de serem protagonistas das tentativas de derruição da democracia. Para
tanto, colocam mais lastros na cruz da desigualdade seiscentista (o que é
próprio da dimensão religiosa do bolsonarismo, que opõe a mística à
racionalidade) e erguem empecilhos para a construção de um futuro mais
equitativo e justo para todos os cidadãos.
24 de setembro de 2022
Finalmente um avanço qualitativo para um debate para o segundo turno: os partidos políticos vão insistir na autofagia? O exemplo do Republicano dos EUA é sintomático do que aqui pode virar. O Partido Liberal vai chancelar a autocracia?
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