segunda-feira, 21 de setembro de 2020

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DO CIDADÃO CARIOCA - 4

Meu Casaco de Intelectual

Por João Sem Regras

 

Numa semana agitada eu vivi naqueles tempos que ainda o Rio de Janeiro tinha figuras que influenciavam os cariocas pelos jornais. Hoje vejo que ninguém mais leria essas folhas impressas mesmo antes daquela “pandemia”. Alguns ainda se aventuram a leitura dos BLOGs como se fossem cultuar uma moda retrô por um disco de vinil. Como sempre fica aquela pergunta presente na série Dark. O correto não é perguntar em que tempo estamos, mas em que mundo estamos? Pois o carioca passou por uma vivência de vários mundos paralelos sem que se saiba onde estaria a “caverna” da passagem.

Meus ilustres, fanáticos e abnegados sete leitores desde o primeiro conto devem ter percebido o quanto tenho relato como se vivo ainda estivesse. Todavia mais vivo estou por não estar nesse mundo de vocês que estariam a ler essas linhas pensando que sou um “médium” a incorporar a ironia do Bruxo do Cosme Velho. Sabemos que tudo se individualizou nas leituras e tenho como me inspirar diante de uma eterna estabilidade.

Enfim, fui me perdendo nesses devaneios e o principal seria voltar a um ponto de minhas memórias perdida quando meu amável pai cismou que eu deveria praticar um esporte aquático. Meu pai era tricolor doente por culpa do Anjo Pornográfico eu presumo ou gosto de assim dizer para dar mais uma referência labiríntica para alguns leitores “zumbis” que apareçam por aqui. Esse fanatismo paterno me fez sair do distante bairro de Bangu até a Zona Sul Carioca para tentar nadar no time de coração de meu progenitor. Pois, foi ali que conheci um jovem de minha idade ou um pouco mais jovem. O Lula....

Não seria o então líder sindical na Ditadura Militar o qual vivíamos. Era o apelido da maior promessa da natação do clube naquele momento. Curiosamente, faço aqui uma “fofoca” para que os panfletários de “fakenews” se assustem, o meu colega de escolinha de natação foi depois um adolescente que chegou a usar a estrelinha (confesso que não era a de Davi). Nada de ressentimentos com essa referência biográfica nesse momento que penso muito no que fez tudo mudar. Eu não fiquei mais de três aulas por lá. Minha vida seria vestir um casaco de intelectual nem que fosse pelas vias da ficção. E esse casaco adorei vestir aqui nesse mundo do além.

Voltemos ao ponto que vivi numa semana agitada quando revi Lula falando em reconstrução da Cidade. Ele mobilizava alguns ex-atletas numa coletiva e parecia que estava desejando fazer política eleitoreira. Reconstrução é uma linda referência a história norte-americana pós Guerra Civil que aquele nadador citava muito mais por apelo de marketing do que conhecimento da leitura do Eric Froner. Se ele ainda nada além da liberdade, avaliei que esse meu conhecido daquele tempo distante sempre gostou de competição para ganhar ou impor problemas para os adversários.

Uma semana agitada se abriu com aquela imagem e muitos nem se davam conta do quanto nem boiar um cidadão carioca poderia. Fui vestindo meu casaco e não adiantava os alertas enquanto eu ouvia o samba “Pelo Telefone” em meu playlist. Ai ai ai.... Deixemos as mágoas para trás meu rapaz. Vou saindo de fininho antes que me cancelem no Twitter sobrenatural.


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DO CIDADÃO CARIOCA - 3

 

De Secretário por um dia

Por João Sem Regras

 

Numa noite distante estava eu num retiro na minha distante casa de campo. Recebi um telefonema de um antropólogo que não tinha ido para a Amazônia com teria sugerido um Ex-presidente para que considerasse uma possibilidade de alianças eleitorais. Nem mais me lembrava de como seria o Rio de Janeiro após uma semana distante. Ele estava muito jovial, pois teria visto uma possibilidade de mudança no cenário eleitoral. Estávamos em tempos de eleições e sempre gostavam de ouvir minhas opiniões para seguir caminho contrário.

Tempos de curiosidades e ternura para se falar ao telefone. Mas eram dias de operações da Justiça, Ministério Público, Polícia Civil e tudo que houver direito. Tão esperançado! Meu amigo pensou que os números eleitorais seriam somente a soma das intenções de voto em pesquisas feitas por telefone. Tinham esquecido que um Ex-Juiz, agora em desgraça nas linhas dos Pasquins Liberais, saiu do quase anonimato para a glória por causa dos grupos de Zap! Fingi muito interesse pelos argumentos, mas estava deveras cansado para meditar sobre a situação.

Numa semana agitada pelas operações de “limpeza da política” eu muito temia que aquilo tudo pudesse gerar uma monstruosidade. Ninguém parece ter lido os ensinamentos do autor de Liberalismo e Sindicato no Brasil que brincava com o a cidade do Homem Morcego. Uma pandemia teria surgido por causa de um morcego, mas a doença carioca já tinha muitos anos. Minha esposa olhava para mim com expressão de ansiedade. Sempre temia que eu descesse para a Capital como um “coronel de Esquerda” típico de alguns seletos parlamentares. Todavia, estou mais para um peão nesse tabuleiro vazio de programas.

Eu poderia estar saboreando um iogurte que por ter a marca em diminutivo poderia parecer um apelido em tempos da Universidade. Girava minha mente. E minha amorosa companheira de passeios, cada vez mais interrogativa. Então ouço a frase ao telefone.

- O pior – falava meu ilustre amigo e articulador político – é que ainda não achei secretário.

- Não? Mas secretário de que?

- Secretário para o Governo de Salvação do Rio de Janeiro.

- Ainda nem começou a campanha. Como pode pensar nisso?

- Ah! Precisamos mostrar que estamos capacitados para assumir esse barco sem “Capitão”.

- “Capitão”!?! Esse tem... Mas está no outro lado do navio. Muito bem à extrema direita.

Risos de meu interlocutor. Ele muito estava animado com a situação. Achava que abria uma janela de oportunidades numa cidade que majoritariamente teria votado num reacionário dois anos anteriores. Fui ouvindo os argumentos pensando nas conversas que eu tinha num fim de tarde com os camponeses da cidade. Até que um grito me alertou para voltar a realidade.

- Tenho uma brilhante ideia... Quer você conversar com o nosso Deputado?

Não sei o que lhe retruquei.

- Você tem perfil de “frentista” – continuou ele -, não precisa estar na cota das forças políticas. Você poderia ser um bom Secretário Municipal.

Minha alma saiu de minha matéria terrena muito mais explicitamente como estou hoje. Pensei no perigoso devaneio dessa proposta num momento de tamanha delicadeza para o Rio de Janeiro. Encarei a situação fixamente. Respirei aquele ar serrano, e não tive ânimo para dizer um “não”. Até porque nada se concretizaria nas próximas horas diante das pouca capacidade de termos notícias animadoras da cidade maravilhosa. Perderia tempo em perguntar sobra a formulação do programa ou se estavam levando em consideração os impactos de quase uma década da pandemia. Muito menos teríamos um orçamento flexível e uma hegemonia fiscalista na imprensa me assustava. Na verdade, desconfiava que de um “nada” na política um nadador poderia acabar surfando na “antipolítica” ou que por “WO” os fantasmas dos praieiros de 1848 rondariam aquele pleito. Mas fui premiado por uma pergunta.

- Você terminou seu Doutorado?

- Não. – foi minha resposta.

- Puxa! Agora ficou difícil ganharmos algo. Estávamos que essa eleição no “papo”.

De fato, fui Secretário nem por um dia, mas por algumas horas. E a Esquerda Carioca perdeu por minha culpa.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

SÉRIE FILMES: SEMENTES - Mulheres Pretas no Poder

 

Sementes no Rio de Janeiro Cidade Aberta

Vagner Gomes de Souza

No ano de 1945, Roberto Rossellini sacudiu o cinema italiano com uma ficção sobre a resistência ao fascismo. Foi em Roma Cidade Aberta que as sementes daquilo que seria a política de “compromisso histórico” entre comunistas e democratas cristãos (só defendida por Berlinguer nos anos 70) estariam sinalizadas pelos personagens. O filme era uma ficção produzida no “calor da hora” da derrocada do fascismo no mundo. Hoje ganha um grande contorno de registro histórico para muitos.

Nesse mesmo ano, no antigo estado do Rio de Janeiro (morador de Niterói), era eleito Claudino José da Silva como Deputado Constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) que era considerado o único negro na Assembleia Nacional Constituinte que se estabeleceu na no Palácio Tiradentes (atual ALERJ). Foi ele responsável por fazer o primeiro discurso da bancada comunista nos debates constituintes. Diante de tamanha responsabilidade, o discurso foi escrito por Jorge Amado e Carlos Marighella e ganhou notoriedade por ter durado 4 horas e 25 minutos além de ter obrigado a atenção dos outros constituintes, pois não queriam ser considerados reacionários por não ouvirem um negro na tribuna.



Foram essas as referências sobre o papel do legado em política que vieram a minha mente quando assisti ao filme Sementes: mulheres pretas no poder de Éthel Oliveira e Júlia Mariano em sua estreia no Youtube. O ano é 2018. Em março daquele ano há o assassinato da Vereadora Marielle Franco num ano eleitoral. O filme documentário registra a trajetória de seis mulheres negras do campo da esquerda que entram na disputa eleitoral desse ano marcado pela vitória eleitoral da extrema direita tanto no nível federal quanto no Rio de Janeiro de Claudino José. Por isso, seu registro ganha força para um analista uma vez que expõe as dificuldades materiais e de análise de conjuntura.

Todavia, o filme não tem essa responsabilidade uma vez que é tarefa dos atores políticos fazerem valer suas designações como forças políticas da esquerda. Portanto, é um documentário mais etnográfico que político. Uma memória social de mulheres de luta enfrentando o ovo da serpente. Minhas referências europeias se distanciam da proposta americanizada de seu roteiro. Entretanto, percebemos a alma e a voz de um Glauber Rocha (“Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”) numa cena emblemática de Tainá de Paula se maquiando diante do espelho enquanto faz uma análise de conjuntura. A muito do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol no percurso das aparições da arquiteta e urbanista começando pela forma como a religiosidade de matriz africana aparece em sua entrada em cena no filme.

Contudo, mesmo com as inserções do nacional popular, a americanização do roteiro alimenta as falas de uma Monica Francisco que faz um paralelo entre as escadarias da ALERJ e o Lincoln Memorial no qual discursou Martin Luther King. Está nela a vocalização da importância de vocalização da religiosidade sem necessidade uma instrumentalização. Uma questão muito pouco aprofundada uma vez que a há muitos perfis no filme desenvolvido em três momentos: as campanhas, a apuração e posse/começo da atuação parlamentar das eleitas.

Nas três etapas dessa desenrolar etnográfico e político, muito nos espanta a ausência dos atores políticos de forma mais orgânica. Falta amadurecimento para lidar com candidaturas negras de mulheres no estado que teve Claudino como Deputado Federal eleito.  A escolha do título é relevante, pois estamos num momento de resistência para evitar que a crise da democracia brasileira descrita por Adam Pezeworski no prefácio para os brasileiros de seu livro (A Crise da Democracia) se consolide. O legado da resistência passa pela ampliação do diálogo com uma pluralidade de segmentos sociais que permitirá a consolidação das demandas da sociedade. Entretanto, precisamos dos formuladores de programas para que as sementes não acabem caindo nas rochas como nos ensinou Jesus na Parábola do Semeador.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

ERA UMA VEZ A ANÁLISE DE CONJUNTURA

Ausência da Política dos Trabalhadores

Vagner Gomes de Souza 

Uma aprofundada observação dos meios de comunicação (tradicionais ou nas redes sociais) nos alerta para a ausência de qualquer debate dos problemas que afetam os trabalhadores. As desigualdades sociais aumentaram em grandes proporções, porém as reivindicações dos trabalhadores foram deixadas esquecidas em alguma prateleira. Elas não aparecem nos hashtags mais mencionados. Poderíamos até questionar se haveria exageros na insistência desse autor em cobrar essa existência. Contudo, há muito tempo que não se apresenta uma política dos trabalhadores.

No máximo, de tempos em tempos, algumas categorias de trabalhadores ainda organizadas consolidam uma reivindicação “defensiva” que consegue “furar a bolha”. Essa situação consolida a proliferação de alternativas “ideologizadas” seja a direita ou a esquerda pois a realidade não está sendo debatida. Esse contexto não é uma novidade imposta pelos altos índices de desemprego. Há muitos anos o artigo de Luiz Werneck Vianna, O Estado Novo do PT (2007), alertava para essa tendência de modernização sem os atores modernos.

Segundo ele,

“(...) Assim, o governo que, no seu cerne, representa as forças expansivas no mercado, naturalmente avessas à primazia do público, em especial no que se refere à dimensão da economia — marca da tradição republicana brasileira —, adquire, com sua interpelação positiva do passado, uma certa autonomia quanto a elas, das quais não provém e não lhe asseguram escoras políticas e sociais confiáveis. Pois, para um governo originário da esquerda, a autonomia diante do núcleo duro das elites políticas e sociais que nele se acham presentes, respaldadas pelas poderosas agências da sociedade civil a elas vinculadas, somente pode existir, se o Estado traz para si grupos de interesses com outra orientação.”

A crise desse mundo se fez presente a partir das manifestações de 2013 como se fosse uma “Intentona de 1935” sem uma bandeira clara para fazer valer um programa para os trabalhadores. O “assalto aos céus” abriu um cenário de reação das forças do conservadorismo do capitalismo brasileiro que muito se tornou dependente do mercado financeiro. Aos poucos, a ideia de uma “Nova Política” se configuraram como a expressão do empreendedor de sucesso coroado pela fé numa teologia da prosperidade. Essas forças “bisonhas” foram moldadas aos poucos até emergirem com muita força nas eleições de 2018 como se as conquistas da Carta Constitucional de 1988 fossem nosso principal entrave para o crescimento econômico.

As classes dominantes aderiram ao “fundamentalismo” do mercado de forma pragmática da mesma maneira que foram aderindo a outras “formas políticas” desde que não houvesse perdas de suas riquezas. Nesse momento, o debate sobre uma reforma tributária e da Renda Brasil sugere o quanto faltam linhas políticas que atendam uma política dos trabalhadores. Pelo contrário, aqueles que geram as riquezas da elite econômica aparecem sempre espelhados como um “custo Brasil”. A imagem do “bom patrão” que não consegue dormir sossegado enquanto o seu empregado muito bem goza de uma noite de sono.

O símbolo da hipocrisia que se alimenta dos erros do campo democrático em não saber construir uma oposição aos devaneios desse Ministro da Economia que prefere destruir a sociedade brasileira se puder consolidar os lucros do grande capital dos bancos. Que fazer? Essa é a pergunta sempre repetida em muitos debates sobre o momento político atual cada vez mais com poucas análises de conjuntura e mais explanações de opiniões sobre os fatos do dia a dia.

 É muito importante compreender que a aproximação das eleições municipais poderiam trazer de volta os PT (Pontos dos Trabalhadores). Para exemplo de ilustração,  seria a necessidade de creches públicas em horário integral, a ampliação do tempo dos  bilhetes únicos do transportes públicos, defesa de ações da Prefeituras nas periferias com melhorias nas habitações, incentivar o uso de espaços abertos para atividades culturais como alternativa aos impactos negativos da COVID19 na cultura, etc. Todavia, essa política se faria presente na formulação de programas para formas as alianças políticas como se deveria ser o papel de uma “esquerda positiva”.