sábado, 25 de junho de 2022

BOLETIN ROMA CONECTION - NÚMERO 27 - A COMUNA 13 NAS ELEIÇÕES COLOMBIANAS


A sombra de Órion

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Montoya, Pablo. La Sombra de Orión. Bogotá: Random House, 2021. 428 págs.

 

Imagine uma montanha numa cidade, que o tempo encheu de cadáveres e lixo, que alguns relatam como a maior vala comum da Colômbia. Graças à literatura, esses fantasmas saem dos escombros e da morte, para contar sua história. Essa é a grande narrativa do romance A sombra de Órion (2021), de Pablo Montoya.

A sombra de Órion é uma obra literária que comporta em si pontos de vista díspares, é de uma densidade significativa que ao leitor desatento pode confundir, pois sua estrutura literária é de uma polifonia de vozes na melhor chave de Mikhail Bakhtin (1895-1975) e um olhar retumbante sobre o Operação Órion, que foi uma das dezessete operações militares que ocorreram há duas décadas na Comuna 13 de Medellín, e suas terríveis consequências. Essa multiplicidade de memórias póstumas enriquece o romance e as lembranças coletivas.

Além do personagem fictício deste trágico episódio, Montoya investigou minuciosamente sua origem, causas e entrevistou alguns protagonistas. A paisagem é apocalíptica; goles, amargos; as imagens, comoventes, que forçam uma leitura calma e dolorosa. Alguns dirão que é exagerado, mas para a nossa realidade e a colombiana supera qualquer comparação com ela. A Operação Órion cria uma novo patamar de atrocidades onde o leitor encontrará grande parte do carma colombiano (será que só deles?): a cruel aliança entre pessoas jurídicas da liderança nacional e alguns bandidos, os paramilitares como as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), para afastar outros bandidos, as milícias e guerrilhas como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército Popular (FARC-EP)[2], o Exército de Libertação Nacional (ELN) e os Comandos Armados do Povo (CAP), impossibilitando a pavimentação para qualquer caminho ao direito e perpetuam a impunidade infinita que se espalha pela pátria sem pátria.

O romance é escrito como se estivesse abordo da Operação Órion, através de um álter ego, Pedro Cadavid, o que permite uma reflexão aguda dos fatos. Este dialoga com os mortos de Órion e os posteriores desaparecidos (a grande ferida nacional que não cicatriza), que segundo parentes das vítimas estão enterrados na montanha de La Escombrera (um terreno de cerca de três hectares de lixões, utilizados para esconder os corpos das suas vítimas e não só), local de exploração sonora para o músico Mateo Piedrahita; onde na verdade à própria é enterrada dia após dia em um país anômalo com um sistema de justiça de horror.

Nesta descida ao inferno, o romancista, que também é protagonista, cai dominado pela depressão. "Estou cheio de mortos", diz ele, em meio as tempestades mentais. Ele ouve vozes, mergulha na irracionalidade, faz perguntas a si mesmo, e num epílogo delirante encontra cura no yagé (bebida dos povos originários utilizada na medicina ancestral sul-americana também por muitos povos colombianos).

Se não bastasse tudo isso, nos últimos anos, a Colômbia tem enfrentado um período de crescente polarização política, insatisfação popular e protesto social. Agravada pela pandemia da Covid-19, os acontecimentos que se desenrolam a partir de 28 de abril de 2021 são inéditos. Por cerca de três meses, grande parte do território do país ficou paralisada. A maioria dos comentaristas destacou a brutalidade da repressão policial (a sombra de Órion), as inúmeras mortes e demais atrocidades cometidas pelo Esquadrão Móvel Antidistúrbios (ESMAD, na sigla em espanhol).

Por conta desses eventos, anunciou a época que deixou de representar o país em eventos culturais, literários e acadêmicos internacionais num gesto simbólico de protesto contra essa situação e para se solidarizar com o descontentamento popular colombiano.

Como se vê, a história da Colômbia é escrita em medidas menores. A incursão artística de Montoya indica outros caminhos para se aproximar da verdade. Junte todas as peças novamente para sair desse imbróglio e tentemos ajudá-los a abolir os hábitos não saudáveis do passado. Eis, se possível, o início da tarefa gigantesca de Gustavo Petro, Francia Márquez (a Alma Agudelo, a personagem feminina da trama; sua simbologia associada a Origem, a Pachamama – Mãe Terra, abre-se a múltiplas possibilidades; com ela, está o passado e quiçá o futuro da Comuna 13) e a grande frente democrática que os elegeu.

 

23 & 24 de junho de 2022



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

[2] PÉCAUT, Daniel. As FARC: uma guerrilha sem fins? São Paulo: Paz e Terra, 2010.

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 11 - BATMAN E OS SEGREDOS DE NOSSA GOTHAM


The Batman: o pessimismo da razão na Gotham hodierna

Por Pablo Spinelli 

Dedicado à professora Maria Alice Rezende de Carvalho e ao centenário de Bibi Ferreira

 

Batman é o herói das HQs que melhor transmite a conjuntura que vivemos por conta da sua flexibilidade, maleabilidade justamente por conta de suas fragilidades emocionais e psíquicas. Ele não tem poderes especiais além daquilo que o intelecto, a agilidade física e o dinheiro podem adquirir. Nessa linha de raciocínio entendemos o Batman dos anos 1960 dentro da conjuntura hippie-lisérgica; dos anos 1980-90 que Tim Burton deu sua marca do expressionismo alemão para falar dos EUA destruído pelos anos Reagan e nas suas anomalias, o dos anos 2000, de Christopher Nolan dentro do significado do 11 de setembro e da guinada conservadora da sociedade em busca de um Homem Providencial e, agora, o Batman de Matt Reeves (disponível em streaming) é uma densa análise do mal-estar da civilização nos dias atuais e resgata o perfil investigativo do personagem.

“The Batman” protagonizado por um ex-vampiro que vira um homem-morcego encontrou na palidez e na introspecção de Robert Pattison um ideal-tipo weberiano do cenário da juventude moderna. Sem um passado de referência e sem um futuro de perspectiva, mergulhado na dor da depressão sem saber qual caminho trilhar. Sua pulsão é o uniforme. Ali há vida. A sua certeza é que não há certezas. Tudo piora quando descobre os problemas psicológicos da mãe (uma ousada abordagem sobre os fantasmas do baú das famílias Wayne-Arkham). Seu papel em Gotham City não está bem definido nem para ele e nem para a cidade. Sua mola propulsora é a vingança e a redenção de um legado que aos poucos se mostra nada menos que uma idealização diante do mundo real.

O elenco é primoroso e consegue brilhar em cada pequena cena ou detalhe. Zoe Kravitz (Crimes de Grindewald) deu uma releitura à Selina Kyle que mostra uma determinação superior a de qualquer homem, com exceção da do vilão principal. É dela a percepção que a cidade irá matar Batman, pois o mata em vida. Paul Dano inteligentemente aproveitou bem a releitura do Charada. Pela primeira vez esse personagem saiu do caricato e do extremo para um serial killer que acha que tem que “lutar contra tudo que está aí” em busca da verdade. É o personagem da antipolítica, contra o sistema. É o Trump, o Bolsonaro, o Duterte, o “Fora FHC”, o “Fora Itamar”, o “Ele não”, o PCO e demais personagens que acham que fazem parte de uma Cruzada moral contra o Mal. Paul Dano reviveu com sabedoria seu personagem em “Sangue Negro” através do Charada. Colin Farrel (Minority  Report)  fez do Pinguim uma releitura de Al Capone, um pistoleiro de terceira linha que vai subindo no crime organizado a partir de traições e mortes dos superiores. Assim ocorreu com a Liga da Justiça da Zona Oeste até a famigerada narcomilícia que nos assola. John Turturro (Faça a coisa certa), filho de italianos, usa todo o seu talento para fazer de Falcone a liderança do submundo que tem menos “sub” do que se imagina. Jeffrey Wright (Jogos vorazes) é a última reserva de moral da cidade como Gordon.

Apesar do elenco competente, o personagem central é a cidade de Gotham e a sua política. Nunca houve uma Gotham mais suja, mais depravada, mais doente, mais sem esperança do que em “The Batman”. Não há sol sobre a cidade. O diretor faz uma homenagem logo na abertura à Blade Runner (1982) e Bruce Wayne, assim como o caçador de androides é o personagem-narrador, uma alusão aos filmes noir dos anos 1940 e 1950, quando o cinema americano mostrava o lado B da sociedade americana pós-guerra em filmes preto e branco e com personagens imorais ou amorais. The Batman resgata esse cinema, a releitura de “Chinatown” (1974) e a influência dos excelentes “Seven” (1995) e “Coringa” (2020) para que Gotham torne-se um simulacro urbano universal.


 Em um ano de eleição para Governador, senador e deputados, Gotham nos tem muito a dizer. Um projeto de “Renovação” que não seguiu adiante por oportunismo eleitoreiro – despoluição da Baía de Guanabara; revitalização da região portuária; soluções midiáticas de combate ao crime (do candidato que dizia que ia acabar com a violência em 6 meses a UPP e o fim do crime no Complexo do Alemão sendo televisionado ao vivo) que na verdade são formas de reorganizar em termos nada republicanos a privatização da cidade nas mãos de grupos políticos, empresariais e criminosos. Gotham, como diria o octagenário e imortal Gil, é aqui. Médico/Empresário empreendedor pede favor a um criminoso para calar a imprensa; o bastião contra a corrupção é um dependente químico numa zona de prostituição; o fanático religioso quer recriar uma nova Jerusalém a partir da destruição diluviana da Sodoma moderna; o exército psicopata de cidadãos de bem (termo aparece no filme mais de uma vez) armados pela deep web; policiais servindo de escolta para criminosos, a sutil denúncia de pedofilia em um orfanato, tudo sob as mais variantes versões musicais de Ave Maria na trilha sonora e os tons metálicos e cortantes em uma homenagem ao argentino Lalo Schifrin, compositor dos filmes de Dirty Harry.

A película é o que na literatura se chama de “romance de formação”. Batman vive aquilo que um pensador (talvez não devesse ser referenciado por conta do “patriarcalismo branco ocidental”) categorizou como de estado de transição: o passado não morre e o novo não nasce. Aguardemos a saída do palhaço de Arkham e a governança de uma mulher jovem negra na prefeitura da cidade. É o otimismo que pairava com a vitória de Kamala Harris – que Biden magistralmente conseguiu sepultar – e que se renova com a segunda mulher seguida na vice-presidência da Colômbia. Nesse filme barroco há uma forte denúncia: Gotham é um exemplo da separação moderna de democracia e da República. Batman foi para a direita, Mulher-gato foi para a esquerda. Que não sigamos a perspectiva niilista de Bruce Wayne que diz "que para melhorar ainda há que piorar mais". O Brasil e o Rio de Janeiro não aguentam descer mais círculos do inferno dantesco que nos assola.


terça-feira, 14 de junho de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION - NÚMERO 26 - ALERTA SOBRE A PANDEMIA!


Com Pandemia, Sequelas & Democracia

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

A pandemia do covid-19 é um dos vinte episódios mais mortais dos últimos 700 anos. Temos já milhões de pessoas no mundo que faleceram enquanto as temidas ondas de infecção seguem acontecendo aqui e em grande parte da Europa e nos Estados Unidos da América (EUA). As medidas de confinamento realizadas para controlar a propagação do coronavírus causaram uma desaceleração nas atividades econômicas globais. Diante desse cenário, formuladores de políticas economia (salvo os de alguns governos que negavam a pandemia, dentre os quais o nosso) responderam a perda de emprego e atividade dos negócios com medidas fiscais e monetárias agressivas.

Em geral, os países entenderam que o caminho era gerenciar a crise econômica mesmo quando produziram divergências políticas sobre como equilibrar a necessidade para controlar a propagação do vírus com as perdas econômicas causadas pela política sanitária. Eles programaram grandes pacotes de apoio fiscal para garantir as trabalhadoras e os trabalhadores desempregados. Os Bancos Centrais rapidamente desenharam políticas monetárias que deram garantias de liquidez aos mercados. As lições da crise financeira global de 2008 ainda estão frescas nas mentes de muitos gerentes de política econômica.

Pelas experiências vividas até aqui podemos indicar três projeções de como a pandemia pode moldar nosso futuro econômico comum. Primeiramente, a dívida corporativa (medida em relação ao PIB) segue no mais alto nível nesses últimos 150 anos em muitas economias. Uma onda de falências causadas pela pandemia vai empurrar economias para outra crise financeira? Provavelmente não. Em segundo lugar, como tem sido possível conduzir as quedas na economia pelo combate a pandemia? Essas quedas reduzirão o potencial de crescimento da economia do que o estimado. Em terceiro lugar, o que as pandemias nos ensinaram sobre as perspectivas econômicas, décadas depois da pandemia? É provável que a taxa de juros fique deprimida por muitos anos, com implicações importantes para política fiscal e monetária.

As pandemias ocorrem muito raramente (algumas vezes num século, em média), o que faz do aprendizado histórico desse passado especialmente difícil, ainda que não impossível. Nos primeiros dias da pandemia do covid-19, os pesquisadores mobilizaram as lições das respostas econômicas aos desastres naturais, como furacões, terremotos, inundações, entre outros. Além desses se trouxe à baila os a metáfora dos conflitos armados, que no passado causaram grandes perdas de vidas. Mas elas estavam corretas? Essas comparações fizeram sentido? Foram um guia útil para o presente as lições aprendidas com tais eventos? Argumentamos em junho-julho de 2021 que as melhores experiências não tinham aderência a esses cenários, e para não voltarmos a 700 anos, houve percepções de gestão de crises sanitárias mais bem sucedidas como a que aconteceu no século XIX em Hamburgo com o Partido Social-Democrata da Alemanha.


Assim, os três principais fatores que elencamos para se projetar como a pandemia de covid-19 em curso e suas sequelas podem afetar a situação econômica futura devem ser entendidas de forma diferenciada e democrática. Pelo lado positivo, os balanços domésticos relativamente saneados e uma regulamentação financeira mais rigorosa advindas da crise de 2008 sugerem que o risco de uma crise financeira pode estar contido apesar do boom da dívida corporativa. Do lado mais negativo, como a pandemia deprimiu a demanda ao longo desse período nascido em 2020, trará consequências nas capacidades de produção futuras e a economia provavelmente será afetada. Também a incerteza que ainda persiste quanto ao manejo final da pandemia ainda não presente no horizonte atua como mais um lastro na demanda que reforça este mecanismo.

As implicações nas políticas econômicas ainda se encontram em modo provisionado. Podemos entender isso de modo sucinto. Do lado fiscal (e deixando de lado a questão de como projetar a melhor política fiscal para resolver as necessidades da pandemia e suas sequelas), a realidade é que a dívida pública vai crescer consideravelmente em todo o mundo. É provável que muitos governos sintam a necessidade de aparar e consolidar suas contas públicas. Mas fazer isso implica numa conduta prematura e o risco de afundarmos a economia global numa depressão é real. Por ora os governos democráticos estão em melhor posição para resistir a níveis mais altos de endividamento e acompanhando e estimulando a recuperação na expectativa de que ela tome conta do cenário (ainda que não haja evidências para isso). Da mesma forma, se a dinâmica econômica permaneça baixa (mesmo que não caia muito mais), os Bancos Centrais terão mais tempo para colaborar para que se tente a recuperação da economia antes de moderar o grau de acomodação atual. Além disso, é improvável que as economias deprimidas pela pandemia possam seguir colocando muita pressão sobre inflação de curto prazo. Inclusive se o custo da inflação tem uma incidência desigual, a forma mais segura de ajudar aos mais necessitados é manter o tom acomodatício durante mais tempo. De todo modo está claro que a história das pandemias desde à Peste Negra segue oferecendo lições úteis e a principal é que a melhor condução delas e suas sequelas é a democracia.

 

12 de junho de 2022



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

SENÕES DOS SERTÕES - As Eleições de 2022 e debate programático em "pílulas"


A Pílula do Doutor Caramujo

Por Hermes Messger

Formado em filosofia e criador de cabras.

 

Nas contínuas mutações vivenciadas pela humanidade no mundo que a cada dia se constrói, observa-se um debate no campo das realidades, assim como nos imaginários. A representação no imaginário tem seu desenrolar impulsionado pelas redes, no campo da realidade por sua vez acontece nos becos, nas ruas, nas vielas, usualmente em locais insalubres e renegados. As pesquisas de intenção de voto a cada dia desenham um cenário (cada dia mais palpável) de liderança de Lula, com possibilidade de vitória em primeiro turno e, em havendo segundo turno, também com vitória com margem considerável sobre o atual presidente.

Em primeiro lugar, deve-se pontuar que os cenários na política são extremamente dinâmicos e o presidencialismo, o patrimonialismo e os inúmeros artifícios que a “máquina” (Leia-se poder) oferta ao presidente de turno é inegavelmente poderosa. A dinâmica do “Centrão” segue seu curso na busca de uma maioria no Parlamento.

Potencializados pela relação despreocupada e obscena que se viu entre o executivo e o congresso com orçamentos secretos, emendas dos mais variados tipos e direcionamento de verbas sem o menor rigor e/ou assombro. Segue-se a “bomba” preparada para a gestão pública nos anos vindouros por Paulo Guedes.

Retornando ao tema inicial, os números das pesquisas não são fruto do imaginário, pelo contrário, reflete a realidade que se impõe ao debate, com desemprego elevado, fome, inflação alastrante, custo de vida insuportável, redução de salários, qualidade de vida em queda, felicidade em declínio e ansiedade e incertezas como poucas vezes vistas e vividas.

Nessa dicotomia social temos sempre núcleos de debate com maior ou menor grau de influência do imaginário e da realidade, as camadas mais pobres da sociedade estão menos suscetíveis ao abstrato, sentem a realidade em suas próprias vidas e nos desafios cotidianos, e se não o sentem, uma singela olhadela para o lado os faz reconhecer nos olhares que se cruzam nas comunidades.

Algumas parcelas da sociedade, usualmente com mais poder aquisitivo (no entanto menor expressão numérica na sociedade – visto a desigualdade vigente) se permite delirar e migrar sua vida do real para a virtual (seria o tal metaverso?) onde se aglutinam em formação de defesa contra o avanço do comunismo… contra a rede mundial de banqueiros socialistas… posicionamentos diversos de pseudo-religiosos sobre o que seria a vontade divina.

Curiosamente, até parte considerável dos militares brasileiros imergiu em bolhas de opinião (ou uma espécie de “Negativismo”) e vivem o mundo da imaginação, não se atendo aos seus limites constitucionais e ignorando o quão perigoso é que forças de estado estejam alheias a realidade e mal consigam identificar os reais inimigos (os que atentam contra a democracia).

 No debate político dessa nova era, deve-se entender que a realidade sempre se impõe aos mais fracos, estes não tem opção para se proteger dela, cedo ou tarde terão de enfrentá-la. Os discursos de Bolsonaro apelam continuamente ao mundo imaginário, a realidade paralela, até onde se observa o efeito eleitoral não é significativo para além de sua base fiel, cabe entender qual o efeito em outros caminhos que se acredite viável para a manutenção do poder e qual o custo disso para o país.

Cabe àqueles que defendem a democracia, seja qual for o espectro político, sempre que desviado, retornar a atenção do debate para o mundo real, Jair Boslonaro sempre conduzirá o debate para o seu mundo, aonde teorias conspiratórias diversas conduzem a vontade divina de sua reeleição, o mundo real por sua vez o deixa incomodado, mostra os descaminhos do Brasil e que há sim escolhas para redirecionar o país para um caminho de desenvolvimento e sustentabilidade.

 Há um clássico do cinema, onde o debate é travado pela escolha com sabedoria da pílula. Entretanto, estamos num “mar de toalhas” e a tagarelice não falta por causa talvez da outra pílula: do Doutor Caramujo diante da crise dos preços do Diesel do Poço do Visconde.

terça-feira, 7 de junho de 2022

SÉRIE ESTUDOS - O Mistério de Irma Vap (2022)


 Foto: Priscila Prade

No Outro Brasil de O Mistério de Irma Vap[1]

Por Vagner Gomes de Souza

 

A peça O Mistério de Irma Vap nasceu nos sombrios anos Reagan nos EUA pelas mãos de Charles Ludlam. Seu teatro de vanguarda poderia parecer caótico, mas se relacionava as perspectivas de um olhar geracional diante dos problemas a enfrentar com a nova onda conservadora norte-americana. Assim, O Mistério... cumpre sua trajetória como se fosse uma paródia da produção cinematográfica do terror e suspense. Tudo nos conformes para sobreviver pela arte aos dias de Guerra Fria e a década do HIV. A paródia emerge como receita cultural para sair de uma paranoia social.

No Brasil, O Mistério de Irma Vap foi encenado por 11 anos de 1986 até 1997. Naquele tempo a crítica teatral muito destacou seu gênero como “besteirol”, porém a muito de surpreendente nessa durabilidade da peça que foi encenada pelos atores Marco Nanini e Ney Latorraca e atraiu aproximadamente três milhões de pessoas ao teatro em tempos que se anunciava a sua crise. Alguns justificam o sucesso por Ney Latorraca vir de uma brilhante atuação na Minisérie Anarquistas Graças a Deus e, em seguida, ser muito visto como o “Pré-Histórico” tio do WhatsApp, o velhinho Barbosa do humorístico TV Pirata (1988 – 1989). Entretanto, entendemos que tudo foi mais um retrato da reação da sociedade ao desfecho da transição democrática com as idas e vindas da “Era Collor” cujas raízes se fizeram presente na fratura social do país.

Temos um texto que foi se autonomizando com o tempo e adquirindo força em atrair emoções por fixar uma conexão com o caos dessas últimas décadas. A peça, assim como vampiros e lobisomens, misteriosamente se transformou num legado de manifesto pela resistência da cultura contra os desatinos perversos de um pensamento iliberal na política, ultraliberal na economia e reacionário nos costumes. A preocupação da nova versão pela valorização do trabalho do ator deve ser sublinhada. Assim, a nova montagem de O Mistério de Irma Vap, sob o olhar de Jorge FarJalla, demonstra como uma geração de intervalo só aprofundou as cenas de horror na sociedade com seus reflexos na política.

Um outro Brasil é exposto nesse ano de bicentenário da nossa independência por uma peça que faz a plateia rir do quanto o besteirol assumiu um lugar de onde precisa sair. Pois, Damares Alves é apenas a “ponta do Iceberg” de uma situação de catástrofe no qual precisamos exorcizar. Eis uma bela definição para tudo que se assiste em cena. A nova versão busca um exorcismo cultural das falas e narrativas loucas presentes no nosso país com o objetivo de que o “besteirol” volte para o Teatro nos livrando de sua presença no cotidiano e nas manifestações ditas políticas.

No palco Luis Miranda e Mateus Solano seriam os trabalhadores da cultura a serviço de uma plateia em busca de alegria nesse “mar de lágrimas”. Eles garantem a qualidade do espetáculo com “cacos” que são retribuídos por aplausos e permitem muitas reflexões em seguida. Consequentemente, poderemos compreender melhor esses tempos nos quais suas sementes estão nos anos 80 como insinua o seriado Stranger Things. A peça faz esse choque, pois o “besteirol” em cena está mais politizado pela ética do trabalho ao expor as trocas de figurinos como a metamorfose ambulante do ator e no cartaz (“+ 20 atores”). Agora torcemos para que contribua para a continuidade da renovação geracional da plateia do teatro brasileiro atraindo novos segmentos e cidades.


[1] Ficha técnica: Direção, Encenação e adaptação: Jorge Farjalla Texto: Charles Ludlam Tradução: Simone Zucato Assistente de direção: Raphaela tafuri Elenco: Luis Miranda, Mateus Solano, Fagundes Emanuel, Greco Trevisan, Thomas Marcondes e Gus Casa Nona Direção de produção: Marco Griesi e Priscila Prade Coordenação de produção: Daniella Griesi Produção executiva: Maristela Marino Cenografia: Marco Lima. Temporada no Rio de Janeiro até 27 de junho no Teatro Casa Grande.