“Oppenheimer” e o anticomunismo
Por Nilvio Pessanha (1)
Filmes que contam a
história da vida ou parte da vida de personagens históricos não possuem uma
missão muito simples. Estão sempre tendo de optar em que parte da biografia do
vulto histórico pôr o seu foco. A obra se ocupará da vida toda, fazendo alguns
recortes? Mas quais recortes fazer? Ou optar-se-á por uma fase específica da
biografia do indivíduo? Mas qual seria essa fase? Então, como disse, não é uma
missão fácil. Talvez por isso, a maioria das cinebiografias tenha uma narrativa
chata, careta. Esse, porém, não é o caso de “Oppenheimer”, novo filme do
diretor Cristopher Nolan.
Em
“Oppenheimer”, Nolan acompanha a trajetória de Julius Robert Oppenheimer, o
físico que ficou conhecido como o “pai” da bomba atômica. O longa é uma
adaptação da biografia homônima escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin e não tem medo de fazer
recortes e não focar em momentos e personagens importantes para a vida de
Robert Oppenheimer, como sua juventude e seu irmão, respectivamente. Porém o
que realmente importa para a trama está lá e muito bem contada, que é o
processo de criação da bomba e toda a dualidade de sentimentos enfrentada pelo
cientista que, inclusive, é muito bem transposta para a grande tela pela
interpretação do excelente ator Cilian Murphy, que o interpreta. As imagens
grandiosas que causam todo um impacto visual no público que já conhece outros
filmes da filmografia do cineasta estão lá, mas talvez, nesta obra, Nolan trata
a imagem de uma forma ainda mais estilizada. A opção por apresentar uma
narrativa não linear com três momentos temporais diferentes que se entrelaçam
no fim é outro acerto do cineasta que também assina o roteiro.
Algo que também salta aos olhos, ou melhor, aos ouvidos, é o
desenho de som do longa e ajuda a criar um tensionamento. A cena do teste da
bomba é um exemplo disso. Num primeiro momento a explosão se faz com toda
exuberância de imagens que me encantaram e me extasiaram, imagens estas que
foram acompanhadas por um quase que total silêncio, por opção estética. O meu
encantamento só foi quebrado quando veio o som da explosão acompanhado das
imagens do deslocamento de ar oriundo do efeito da bomba. O som me trouxe o
terror do poder destrutivo e me fez ver que estava encantado com as imagens de
uma explosão de uma arma de destruição em massa. Mas isso se deve ao trabalho
de um grande diretor, isso se deve a cinema de qualidade.
Cristopher
Nolan também se mostrou corajoso no tom político que permeia sua obra.
“Oppenheimer” mostra claramente a paranoia anticomunista que se apossou dos EUA
e de todo o mundo ocidental, não só nos anos de guerra e pós-guerra, mas ainda
vigente nos dias atuais. Sem entrar em terreno de spoiler, o terceiro ato do
longa se transforma num filme de tribunal, onde Lewis Strauss, personagem de
Robert Downey Jr. ganha mais destaque. O foco nesse ato são as duas audiências
que ocorrem em tempos distintos. Em uma delas, está sendo decidido se será
renovada a credencial de segurança de Oppenheimer. Nesse julgamento vemos o
tempo inteiro ser questionado um envolvimento do físico com comunistas.
Oppenheimer se mostra durante todo o filme simpático a causas caras aos
comunistas como o apoio à luta antifascista na Guerra Civil Espanhola, apoio a
causas sindicais, além de ter participado de reuniões com comunistas, mas nunca
se filiou ao partido.
Toda a perseguição a Oppenheimer e a
forma como isso foi aceito pela sociedade estadunidense mostra o tamanho da
paranoia anticomunista que, claro, foi promovida pelas autoridades
ultrarreacionárias da nação símbolo do imperialismo. Oppenheimer se mostra, no
filme, um homem que tem preocupações humanistas – apesar de ter criado a arma
de destruição mais poderosa do planeta –, se mostra um ferrenho opositor do
fascismo, se mostra um cara leal ao seu país; porém nada disso foi suficiente
para fazer com que fosse admirado, fosse minimamente respeitado pelas
autoridades do seu país.
E nós, brasileiros, sabemos bem onde essa histeria em torno
do medo do fantasma do comunismo pode levar. Sabemos quão danosa ela pode ser
para a nossa tacanha democracia. Recentemente, em uma entrevista no canal no
YouTube da Uol, o presidente do Supremo Tribunal Militar disse, respondendo a
uma pergunta sobre o distanciamento dos militares em relação ao presidente
Lula, que antigamente ser de esquerda era visto como ser comunista, mas hoje
não. Disse também que o Lula nunca foi comunista. Enfim, deixou claro que os
militares ainda permanecem com a paranoia anticomunista na cabeça, a ponto de
alguns se associarem a fascistas para tramarem golpe de estado. Assim foram as
autoridades estadunidenses, retratadas no filme, que muitas vezes mostravam
mais preocupação com os comunistas do que com os nazistas.
Resumindo, o que Cristopher Nolan
nos mostra numa obra com imagens grandiloquentes, com uma tensão que se constrói
a partir design de som e de uma ótima trilha, é que você pode ser alguém
sensível a causas de interesse da classe trabalhadora, você pode ser alguém que
se coloca radicalmente contra o fascismo, você pode ser um cientista brilhante
e se afirmar o tempo inteiro como fiel ao seu país, no entanto se há algo que
te associa à ideologia comunista, será tratado como um pária, como um traidor.
[1] Nilvio
Pessanha é professor da rede pública e cocriador dos podcasts Cine Trincheiras
e Trincheiras da Esbórnia.