Ricardo José de
Azevedo Marinho[1]
Gauld, Tom. A vingança das
bibliotecas. Tradução de Érico Assis. São Paulo: Todavia, 2024. 96
págs.
Em A vingança das bibliotecas, Tom Gauld, conhecido por
sua capacidade de fundir sagacidade literária com simplicidade visual, nos
convida a refletir sobre o poder das histórias em quadrinhos enquanto nos
mergulha com humor na celebração da paixão pela leitura de uma forma única e
memorável. Uma coleção de tiras onde as bibliotecas, leitoras, leitores,
escritoras, escritores, editoras, editores, críticas, críticos, livreiras,
livreiros, bibliotecários, bibliotecárias são transformados em palcos para
risos e inteligência.
Importa saber que as tiras que compõem esta obra foram
originalmente publicadas para o grande jornal The Guardian, sendo
posteriormente compiladas num único volume pela Drawn and Quarterly para
as norte-americanas e norte-americanos em outubro de 2022. Esta edição recebeu
os aplausos da crítica e do público, a ponto de ganhar o Prêmio Eisner na
categoria de "Melhor Publicação de Humor" na edição de 2023. Para
nossa alegria, a Todavia decidiu apostar na sua publicação para as brasileiras
e brasileiras num exercício de grande talento editorial.
Primeiro, vamos falar um pouco sobre o autor. Nascido em 1976 em
Aberdeen, Escócia, Tom Gauld deixou uma marca distinta no mundo dos quadrinhos
com sua abordagem única e inteligência afiada. Durante sua formação, Gauld
mergulhou no mundo das artes gráficas, formando-se em Ilustração na Duncan
University of Jordanstone em Dundee. Desde então, conquistou a cena cômica com
obras que combinam humor sutil e observações interessantes.
O estilo de Gauld, caracterizado por traços limpos e personagens
minimalistas, encontrou um lar nas páginas de publicações como The Guardian,
The New Yorker e The New York Times. Sua capacidade de destilar
ideias complexas em vinhetas aparentemente simples lhe rendeu o status de
mestre da comunicação visual para muitos leitores.
Além de suas colaborações com jornais e revistas importantes,
Gauld publicou vários livros, consolidando seu status como um criador ativo.
Entre suas obras mais notáveis estão Golias (2019), Guarda Lunar (2021)
e, claro, A
vingança das bibliotecas, onde
demonstra seu amor pela literatura e sua capacidade de misturar o cômico com o
reflexivo.
Em A vingança das bibliotecas encontraremos uma coleção
de histórias em quadrinhos que gira em torno das experiências compartilhadas em
torno da leitura e da criação da escrita. Estamos, portanto, e em primeiro
lugar, diante de uma obra dirigida de forma muito específica a um público formado.
O humor que aqui nos é apresentado é muito específico e dificilmente funcionará
com um público mais geral. Estamos falando de piadas baseadas essencialmente em
um de dois princípios: a das referências cultas daquelas que fazem você dar uma
breve risada, e das experiências compartilhadas muito específicas.
O exercício de percorrer suas páginas com o vagar necessário, permite-nos
saborear cada tira em momentos soltos que foram distribuídos ao longo do livro.
E o que é essa experiência em geral? Como um profissional que lê e escreve
todos os dias, essas tiras revelam aquilo que está escondido por trás dessa
labuta nos oferecendo um significado muito mais relevante do que muitos
poderiam esperar. Tirado das entranhas dos estudos das gerações, o livro é um
conjunto de representações de uma busca planetária para encontrar as conexões
com as quais combateremos o crescente processo de isolamento e distanciamento
na sociedade.
Ler A vingança das bibliotecas pode nos dar algo que muitas vezes é muito mais difícil de
encontrar: aquele sentimento de conexão verdadeira, de compreensão mútua, de um
piscar, de um cumprimento capaz de celebrar um vínculo. A leitura que Tom Gauld
propõe nesta obra merece ser considerada como necessária para a sociedade que
almeja a boa companhia como se percebe na premiada com o Nobel Nadine Gordimer.
E necessário porque tanto a leitura quanto a escrita, apesar de
serem habilidades que devem ser compartilhadas, também são necessariamente
solitárias durante grande parte do processo. A maior parte da experiência de leitoras
e leitores e escritoras e escritores, no final das contas, está semiconfinada
aos seus próprios pensamentos. Essa realidade pode nos fazer sentir isolados,
de uma forma diferente, mas semelhante há como o mundo ainda se ressente durante
o auge da pandemia. É por esse motivo, entre outros motivos, que Gauld coloca
tantas de suas tiras no contexto da difícil dialética proximidade-distanciamento
que todos nós experimentamos. Muitos paralelos podem ser traçados entre essa
solidão física e a solidão psicológica.
A vingança das bibliotecas, em essência, visa abordar esse sentimento com um recheio de
humor. É um humor muito específico, que não é de fácil compreensão imediata para
todos, mas capaz de cumprir o propósito de fazer com que as leitoras e leitores
que se abracem com seu tom se sintam muito abraçados. Como uma voz gentil que
sussurra para você: "não, você não é a única ou único esquisito com quem
isso acontece". E esse sentimento, além da eficácia das inúmeras
tonalidades cômicas, já é bastante gratificante por si só.
21
de novembro de 2024
[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e
professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do
Instituto Devecchi.
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