sexta-feira, 22 de novembro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - LEITORES: AINDA ESTAMOS AQUI

A revanche das bibliotecárias

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]


Gauld, Tom. A vingança das bibliotecas. Tradução de Érico Assis. São Paulo: Todavia, 2024. 96 págs.

 

Em A vingança das bibliotecas, Tom Gauld, conhecido por sua capacidade de fundir sagacidade literária com simplicidade visual, nos convida a refletir sobre o poder das histórias em quadrinhos enquanto nos mergulha com humor na celebração da paixão pela leitura de uma forma única e memorável. Uma coleção de tiras onde as bibliotecas, leitoras, leitores, escritoras, escritores, editoras, editores, críticas, críticos, livreiras, livreiros, bibliotecários, bibliotecárias são transformados em palcos para risos e inteligência.

Importa saber que as tiras que compõem esta obra foram originalmente publicadas para o grande jornal The Guardian, sendo posteriormente compiladas num único volume pela Drawn and Quarterly para as norte-americanas e norte-americanos em outubro de 2022. Esta edição recebeu os aplausos da crítica e do público, a ponto de ganhar o Prêmio Eisner na categoria de "Melhor Publicação de Humor" na edição de 2023. Para nossa alegria, a Todavia decidiu apostar na sua publicação para as brasileiras e brasileiras num exercício de grande talento editorial.

Primeiro, vamos falar um pouco sobre o autor. Nascido em 1976 em Aberdeen, Escócia, Tom Gauld deixou uma marca distinta no mundo dos quadrinhos com sua abordagem única e inteligência afiada. Durante sua formação, Gauld mergulhou no mundo das artes gráficas, formando-se em Ilustração na Duncan University of Jordanstone em Dundee. Desde então, conquistou a cena cômica com obras que combinam humor sutil e observações interessantes.

O estilo de Gauld, caracterizado por traços limpos e personagens minimalistas, encontrou um lar nas páginas de publicações como The Guardian, The New Yorker e The New York Times. Sua capacidade de destilar ideias complexas em vinhetas aparentemente simples lhe rendeu o status de mestre da comunicação visual para muitos leitores.

Além de suas colaborações com jornais e revistas importantes, Gauld publicou vários livros, consolidando seu status como um criador ativo. Entre suas obras mais notáveis estão Golias (2019), Guarda Lunar (2021) e, claro, A vingança das bibliotecas, onde demonstra seu amor pela literatura e sua capacidade de misturar o cômico com o reflexivo.

Em A vingança das bibliotecas encontraremos uma coleção de histórias em quadrinhos que gira em torno das experiências compartilhadas em torno da leitura e da criação da escrita. Estamos, portanto, e em primeiro lugar, diante de uma obra dirigida de forma muito específica a um público formado. O humor que aqui nos é apresentado é muito específico e dificilmente funcionará com um público mais geral. Estamos falando de piadas baseadas essencialmente em um de dois princípios: a das referências cultas daquelas que fazem você dar uma breve risada, e das experiências compartilhadas muito específicas.

O exercício de percorrer suas páginas com o vagar necessário, permite-nos saborear cada tira em momentos soltos que foram distribuídos ao longo do livro. E o que é essa experiência em geral? Como um profissional que lê e escreve todos os dias, essas tiras revelam aquilo que está escondido por trás dessa labuta nos oferecendo um significado muito mais relevante do que muitos poderiam esperar. Tirado das entranhas dos estudos das gerações, o livro é um conjunto de representações de uma busca planetária para encontrar as conexões com as quais combateremos o crescente processo de isolamento e distanciamento na sociedade.

Ler A vingança das bibliotecas pode nos dar algo que muitas vezes é muito mais difícil de encontrar: aquele sentimento de conexão verdadeira, de compreensão mútua, de um piscar, de um cumprimento capaz de celebrar um vínculo. A leitura que Tom Gauld propõe nesta obra merece ser considerada como necessária para a sociedade que almeja a boa companhia como se percebe na premiada com o Nobel Nadine Gordimer.

E necessário porque tanto a leitura quanto a escrita, apesar de serem habilidades que devem ser compartilhadas, também são necessariamente solitárias durante grande parte do processo. A maior parte da experiência de leitoras e leitores e escritoras e escritores, no final das contas, está semiconfinada aos seus próprios pensamentos. Essa realidade pode nos fazer sentir isolados, de uma forma diferente, mas semelhante há como o mundo ainda se ressente durante o auge da pandemia. É por esse motivo, entre outros motivos, que Gauld coloca tantas de suas tiras no contexto da difícil dialética proximidade-distanciamento que todos nós experimentamos. Muitos paralelos podem ser traçados entre essa solidão física e a solidão psicológica.

A vingança das bibliotecas, em essência, visa abordar esse sentimento com um recheio de humor. É um humor muito específico, que não é de fácil compreensão imediata para todos, mas capaz de cumprir o propósito de fazer com que as leitoras e leitores que se abracem com seu tom se sintam muito abraçados. Como uma voz gentil que sussurra para você: "não, você não é a única ou único esquisito com quem isso acontece". E esse sentimento, além da eficácia das inúmeras tonalidades cômicas, já é bastante gratificante por si só.

 

21 de novembro de 2024





[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.

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