O
Sorriso de Eunice Paiva
Por Giovana de
Lima Freire [1]
Eu cheguei de
muito longe
E a viagem foi
tão longa
E na minha
caminhada
Obstáculos na
estrada, mas enfim aqui estou
Mas estou
envergonhado
Com as coisas
que eu vi
Mas não vou
ficar calado
No conforto
acomodado como tantos por aí (...)
"É preciso dar um Jeito, meu amigo" - Erasmo Carlos - 1971
Com a trilha sonora de
Erasmo Carlos [2], temos o sucesso de bilheteria “Ainda estou aqui” que estreou
no Brasil em 07 de novembro de 2024, o longa "já premiado
internacionalmente pelo Festival de Veneza de 2024, o filme retrata a história
por trás do livro publicado por Marcelo Rubens Paiva, Ainda estou aqui, (2015) [3]; autor do livro “Feliz Ano Velho
(1982)” [4].
No Rio de Janeiro de
1970 sob a sombra da ditadura militar, acompanhamos a história de Eunice Paiva,
uma mulher que luta para superar um desaparecimento político, definido pelo
próprio filme como “morrer em guerra”. Diante da dor e da incerteza, Eunice se
questiona: “Você pode publicar isso?”
Ao longo da trama,
percebemos como o regime autoritário permeia o cotidiano de Marcelo, ainda
criança. A presença constante de helicópteros, comboios militares e até mesmo
uma violenta batida policial, retratada em uma das primeiras cenas, demonstra a
brutalidade da ditadura. A pergunta que fica é: “até que ponto o filme consegue
retratar a complexidade desse período histórico?" Quando Rubens Paiva é
levado ouvimos um: “posso ir com ele?” E a seguinte resposta: “seu marido já
volta pra casa”. Infelizmente para a tristeza da família Paiva ele nunca mais
voltou.
Tanto no livro quanto
no filme o enredo nos leva a se apaixonar pela força da falecida Eunice Paiva
(1929-2018) a mulher que nos inspira sorrisos mesmo após os 12 dias de seu
interrogatório nos anos de chumbo [5], mas a partir de então, torna-se uma
advogada, ativista e símbolo da luta contra a ditadura militar no Brasil. Sua
luta contra o sistema motivada pelo desaparecimento de seu marido Rubens
Beyrodt Paiva, torturado e morto, sendo ela confirmada 40 anos depois pela
“comissão da verdade” [6].
“Não se encontra no
lugar designado” a frase escrita por Eunice em um bloco de notas, cena de 5
segundos que transmite a exata dúvida que os familiares dos mortos da ditadura
tinham sobre o paradeiro de seus familiares. Uma foto icônica, um sorriso, ou
melhor, o pedido da matriarca por sorrisos mesmo em tempos de luto [7]. Foto na
Revista manchete ou como foi dito no filme pela atriz que interpretou a filha
mais velha de Rubens e Eunice “porque vamos falar com aquela revista vendida”.
Um corte temporal de 25
anos, para o ano de 1996, finalmente é entregue a certidão de óbito e Eunice
interpretada por Fernanda Torres, a personagem em uma entrevista dá a seguinte
resposta que me chamou muita a atenção “Não, eu acho que seria preciso
indenizar as famílias, e fazer o mais importante; que é esclarecer e julgar
todos os culpados pelos crimes cometidos durante a ditadura, pois, caso
contrário, nada impede que esses crimes continuem sendo praticados
impunemente.” Frase que para nós Brasileiros deveria ser utilizada em diversos
aspectos já que a maioria dos crimes são cometidos pela certeza da impunidade.
Novo corte agora para
São Paulo 2014 com uma das cenas que melhor retratou a situação real de Eunice
que já lutava contra o Mal de Alzheimer, está um almoço de família onde são
ditas palavras avulsas que remetem a momentos ou fotografias que aparecem no
decorrer do filme: “Manchete, Praia, Despedida, Brasília e Xarete” palavras que
fará muito sendo aos que leram a obra literária e assistiram o longa e o
questionamento “que dia é feriado?” se referindo ao dia do desaparecimento de
Rubens.
Em suma, e com a
protagonista no atual momento vivida por Fernanda Montenegro imóvel e na frente
de um televisor com a seguinte reportagem que dizia: "duzentos e trinta locais
onde esses crimes foram cometidos, como quartéis das forças armadas, além de
áreas usadas para ocultação de cadáveres, como a restinga da Marambaia no Rio
de Janeiro; algumas dessas vítimas tornaram se ícones da resistência contras os
abusos do regime militar, como o jornalista Vladimir Herzog [8], o estudante
Stuart Angel [9], e o Deputado Rubens Paiva. O corpo de Rubens Paiva assim como
o de pelo menos 200 corpos nunca foi localizado!” cena de 53 segundos
cronometrados de silêncio ininterrupto, próxima e a última cena uma nova foto de
família e novamente um pedido ecoa dessa vez não pela matriarca já debilitada
mas por seus filhos “todos sorrindo”.
[1] Graduanda em
História pela UFRRJ e graduando em Pedagogia pela UCAM.
[2] É preciso dar um
Jeito, meu amigo- Erasmo Carlos (1971)
[3] PAIVA, Marcelo Rubens. Ainda Estou Aqui. 1ª edição. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2015. , referência bibliográfica do livro que inspirou o
filme.
[4] PAIVA, Marcelo Rubens. Feliz Ano Velho. 35. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1984. 232 p , referência bibliográfica do livro que retrata o
acidente que deixou o autor tetraplégico.
[5] Os anos de chumbo
foram o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil, estendendo-se
basicamente do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro daquele ano,
até o final do Governo Médici, em março de 1974. Alguns, reservam a expressão
"anos de chumbo" especificamente para o governo Médici.
[6]
https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade
[7]https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/11/07/eles-ainda-estao-aqui-filhos-de-eunice-e-rubens-paiva-falam-sobre-o-filme-que-retrata-a-luta-da-mae-contra-a-ditadura.ghtml
[8]
https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/vladimir-herzog/
[9]
https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/stuart-edgar-angel-jones/
22 comentários:
👏👏👏
Super importante e enriquecedor! Estou ansiosa para ler e assistir o filme que não conhecia... Obrigada por isso!
👏👏
De uma leitura leve, abordando perfeitamente um tema forte e atual. Perfeito!
👏
👏👏👏👏
Excelente análise !👏
👏👏
Que perfeição, excelente 👏🏼👏🏼👏🏼🫶🏼
Muito bom, adorei ler e é enriquecimento magnifico
Ótimo texto. Parabéns! 👏
Muito bom, meus parabéns 👏👏👏
Muito bom ! - Rodrigo
Perfeito. 👏
Muito bom. Ansioso para ver esse filmes histórico. Parabéns. 👏👏👏👏
Excelente análise. Me motivou ainda mais a assistir ao filme, que vem recebendo boas avaliações!
Muito bem escrito, parabéns!
Continue assim!
Parabéns ao blog!
Magnífico. É a engrenagem final para o "querer" assistir
O filme é excelente. Parabéns pelo relato.
Que lindo, emocionante, real e necessário!Parabéns.
Parabéns. 👏🏻👏🏻👏🏻
Ótimo filme e ótimo o artigo, professor. 👏
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