Pelo Outubro Rosa
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Por compromissos internacionais
a 39.º Presidência da República Federativa do Brasil passou quase todo o mês de
setembro em viagens, Tão Longe, Tão Perto do que acontecia no Brasil, mas
aqui estava por ocasião da condenação pelo Plenário
do Supremo Tribunal Federal das primeiras ações penais sobre os atos
antidemocráticos de 8/1.
É claro que muitos
acontecimentos ocorreram nos meses anteriores e outros serão implementados posteriormente,
com a persistente e intensificada busca pelos demais envolvidos, tarefa mais
concreta e proeminente nestes tempos democráticos. Como bem sabemos, o conteúdo
do julgamento ainda não conseguiu ser - e talvez nunca o seja - um momento revigorante da nossa textura democrática.
Isto não é apenas o produto
de um certo momento difícil, mas também é fruto de confusão pedagógica
democrática e de uma falta de capacidade de gestão. Parte disto sem dúvida
existe, mas graças as homeopáticas mudanças ministeriais, algumas até com uma
interpretação teórico-militar como “giro táctico”, mais o savoir faire de Napoleão de Ridley
Scott foi acrescentado à conduta do Estado, embora os resultados positivos
sejam até agora muito parciais e fazendo os passos em falsos tenderem a seguir e
predominar.
Também não é produto de uma
incapacidade de aprender por parte da Presidência, que tem feito um esforço
para melhorar a condução do seu staff no Palácio do Planalto no exercício
político cotidiano, apesar das suas contradições em ações e palavras, impulsos
emocionais numa direção ou outra e alguma atitude cuja lógica racional é
difícil de decifrar tanto pelos seus seguidores como pelos seus adversários e,
sobretudo, pela maioria dos cidadãos, que tendem a ter uma posição bastante
distanciada em face ao poder. A cidadania simplesmente aprova ou rejeita suas
ações de acordo com a forma como a percebe.
Apesar das falhas, a Presidência segue dedicada ao seu trabalho, com
vontade de acertar, boas intenções e certo espírito democrático que o tem
levado a mudar frequentemente de ideias, na maioria das vezes para corrigir
erros.
O problema está em outro
lugar. O que impede um bom governo parece residir sobretudo na composição da
coligação governamental da Frente Democrática, o que torna muito difícil para
esta expandir a sua base de apoio num sistema democrático, porque as suas
propostas e ações não são inteiramente consistentes na sua orientação e com
dificuldade de gerar credibilidade.
Tendo minimamente duas almas
desencontradas ou não como certa vez ensinou o saudoso Gildo Marçal Brandão, se
a proposta e a ação forem radicais não desperta entusiasmo nos seus setores
mais reformistas e se for moderada terá oposição dos setores radicais. A consequência
natural é a imobilidade, o páramo.
Podem, consequentemente,
encontrar um denominador comum ocasionalmente, mas nem sempre, e dificilmente
em questões de longo prazo. A esquerda democrática considera a democracia
liberal como um valor permanente e quer reformar e regular como ficou claro no
compromisso pelo trabalho e sindicatos firmados por Lula e Joe Biden; mas isso não
elimina um momento intransponível de atrito com vários componentes radicais que
consideram esse evento como tático e seguem aspirando um regime político e econômico
diferente que já não se sabe muito bem em que consiste. Como resultado, a
coesão da coligação governamental a longo prazo será sempre fraca,
contraditória e insuficiente.
É natural que os setores radicais
apoiem com sincera convicção os regimes cubano, nicaraguense e venezuelano. Que
sentem uma certa simpatia pela Coreia do Norte e, claro, com alguns pontos de
interrogação, pelos seus aspectos capitalistas, pelas experiências chinesa e
vietnamita. Que eles possam ser tocados por tudo o que o suposto
anti-imperialismo passa e também que possam subitamente se envolver com a
Rússia oligárquica de Putin, com quem partilham um olhar nostálgico sobre o
passado soviético, reconstruindo assim na sua imaginação um mundo simples com
amigos e inimigos claros ou não a lá Carl Schmitt.
Afinal de contas, são a sua identidade
política, que pouco tem a ver com a cultura democrática e as situações
geopolíticas atuais, mas que permanecem a existir nos seus corações e ficam a girar
nas suas cabeças. É muito difícil dirigir eficazmente um governo quando nele
coexiste um pensamento simples, doutrinário e identitário com outro que, embora
tenha hesitações, é mais complexo.
Hoje, as forças de extrema
direita seguiram tentando impor as suas visões unilaterais que negam o bom
senso alcançado pela sociedade brasileira. Falta-lhes qualquer espessura
democrática e aparece o seu duro fundamentalismo político, arrastando a direita
institucional para o passado. Se não houver vontade de encontrar soluções
aceitáveis para o Grande Número brasileiro, o país corre o risco de uma nova
rejeição à política.
É evidente que o Brasil
precisa reduzir o peso das posições antipolíticas para reforçar a sua
coexistência democrática. Não basta que os novos líderes políticos estejam
satisfeitos com o fato de as coisas não piorarem e de as divisões existentes
não se aprofundarem. É muito razoável que a Presidência encontre uma zona de
conforto ao sentir que tem um apoio, mesmo que as coisas não estejam bem econômica
e socialmente.
O discurso ambíguo
permite-lhe preservar a coesão da sua coligação governamental, mesmo que não
avance para os acordos que possam desbloquear a situação atual. Mas manter a ambivalência
também significa resignar-se, acomodando-se na letargia. A mudança é difícil,
terá custos emocionais e políticos, exige muita coragem e um grande sentido de
Estado.
Entendemos que talvez o que
se afirma não passe de um bom desejo, mas se não acontecer, poderemos estar
pavimentando um mal caminho para o gattopardismos, que não aspira a
modernidade em sua plenitude e abre a possibilidade para a desconfiança de
novos avanços democráticos e republicanos.
1 de outubro de 2023
[1] Presidente da CEDAE
Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da
UniverCEDAE.
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