A
Frente é Visível
Vagner Gomes de
Souza
“Madrugada fria
de estranho sonho acordou João
Cachorro latia,
João abriu a porta
O sonho existia
Que João fugisse
Que João
partisse
Que João sumisse
do mundo
De nem Deus
achar, Ierê”
Trecho da letra
Matita Perê de Tom Jobim e Paulo César Pinheiro
A segunda temporada da
série Cidade Invisível (NETFLIX)[1] é
uma fábula sobre a política da Frente Democrática que pode nos permitir um
aprendizado para muitos sujeitos políticos prisioneiros de derivas ainda mais
nesse momento de reconstrução do país, quiçá de nossa nacionalidade pelos
tortuosos caminhos da República e da Democracia. Se você, meu caro leitor,
ainda não assistiu a essa série não tema em ler as próximas linhas uma vez que
nosso intuito é pensar a conjuntura política a partir do universo da ficção.
Por outro lado, se você se considera um fã da série não busque aqui um debate
sobre se a segunda temporada é melhor ou pior, pois nosso intuito é realçar que
politicamente é muito superior.
O tema do garimpo
ilegal sai do universo da sociologia como observamos no filme “Serra Pelada”
(2013) - que seria um belo “Era uma vez no Oeste” se fosse mais ousado no
roteiro. A série, apesar de ter cinco episódios, nos permite melhor pensar numa
proposta de um manifesto das forças do campo democrático a partir do tema do
meio ambiente. Um Avatar brasileiro muito melhor na sua envergadura política.
Na segunda temporada, somos
levados aos subterrâneos da extração ilegal de ouro em terras indígenas no
Pará. Um tema de tamanha atualidade diante da questão Yanomami que se tornou
uma emergência nacional nesses primeiros 100 dias do terceiro Governo Lula. A
linha da fantasia através da inserção das lendas de povos originários da
Amazônia ao roteiro nos permite em muito elevar a importância do pensamento
social de Darcy Ribeiro para enfrentar os desafios de um estreante Ministério
dos Povos Originários.
Nas águas sagradas
renasce o pai de todos os seres míticos da natureza mesmo que ainda não se
perceba. Afinal, Eric é um ex-policial ambiental que será chamado de “gringo”
pelos moradores locais por ser branco e de olhos azuis. Sua reaparição é como
se fosse a ressurreição de Lázaro nas passagens bíblicas, mas porque a filha
Luna faz um pedido a Matita Perê[2] em
troca de um dilema de algo. O renascimento pai de Luna e dos seres míticos se
faz numa forma confusa e desnuda. A confusão é muito comum nas forças
democráticas se essas estiverem ainda prisioneiras do individualismo. Enfim,
ele sai em busca de sua filha e vai num gradual processo de “acumulação de
forças” ao longo dos episódios.
Sugerimos que há uma crítica
ao hegemonismo no interior da política de Frente, pois não se podem pensar as
alianças como uma “maldição”. A Inês/Cuca chama a atenção de que os seres da
floresta (assim como os seres do mundo político) não podem se sentir
amaldiçoados. Todos estariam conectados com a natureza. Portanto, na Democracia
todas as forças políticas do campo democrático precisam estar em harmonia em
que cada um acolha um ao outro. Não se pode fazer da ação política uma explosão
voluntarista como Eric faz em seus momentos mais perigosos.
[1]
Criada por Carlos Saldanha (Rio), Cidade Invisível tem Marco Pigossi
(Tidelands), Alessandra Negrini (Travessia), Julia Konrad (1 Contra Todos),
Simone Spoladore (Desmundo) e Zahy Tentehar (Independências) no elenco.
[2] Tom
Jobim, em 8 de maio de 1973, lançou um álbum com esse nome. Esse álbum é muito
conhecido pela composição “Aguas de Março” em que Matita Pereira está na
primeira estrofe da música.
Um comentário:
Bom texto!
Postar um comentário