segunda-feira, 27 de março de 2023

SÉRIE ESTUDOS - CIDADE INVISÍVEL SEGUNDA TEMPORADA

A Frente é Visível

Vagner Gomes de Souza

 

“Madrugada fria de estranho sonho acordou João

Cachorro latia, João abriu a porta

O sonho existia

Que João fugisse

Que João partisse

Que João sumisse do mundo

De nem Deus achar, Ierê”

Trecho da letra Matita Perê de Tom Jobim e Paulo César Pinheiro

 

A segunda temporada da série Cidade Invisível (NETFLIX)[1] é uma fábula sobre a política da Frente Democrática que pode nos permitir um aprendizado para muitos sujeitos políticos prisioneiros de derivas ainda mais nesse momento de reconstrução do país, quiçá de nossa nacionalidade pelos tortuosos caminhos da República e da Democracia. Se você, meu caro leitor, ainda não assistiu a essa série não tema em ler as próximas linhas uma vez que nosso intuito é pensar a conjuntura política a partir do universo da ficção. Por outro lado, se você se considera um fã da série não busque aqui um debate sobre se a segunda temporada é melhor ou pior, pois nosso intuito é realçar que politicamente é muito superior.

O tema do garimpo ilegal sai do universo da sociologia como observamos no filme “Serra Pelada” (2013) - que seria um belo “Era uma vez no Oeste” se fosse mais ousado no roteiro. A série, apesar de ter cinco episódios, nos permite melhor pensar numa proposta de um manifesto das forças do campo democrático a partir do tema do meio ambiente. Um Avatar brasileiro muito melhor na sua envergadura política.

Na segunda temporada, somos levados aos subterrâneos da extração ilegal de ouro em terras indígenas no Pará. Um tema de tamanha atualidade diante da questão Yanomami que se tornou uma emergência nacional nesses primeiros 100 dias do terceiro Governo Lula. A linha da fantasia através da inserção das lendas de povos originários da Amazônia ao roteiro nos permite em muito elevar a importância do pensamento social de Darcy Ribeiro para enfrentar os desafios de um estreante Ministério dos Povos Originários.

Nas águas sagradas renasce o pai de todos os seres míticos da natureza mesmo que ainda não se perceba. Afinal, Eric é um ex-policial ambiental que será chamado de “gringo” pelos moradores locais por ser branco e de olhos azuis. Sua reaparição é como se fosse a ressurreição de Lázaro nas passagens bíblicas, mas porque a filha Luna faz um pedido a Matita Perê[2] em troca de um dilema de algo. O renascimento pai de Luna e dos seres míticos se faz numa forma confusa e desnuda. A confusão é muito comum nas forças democráticas se essas estiverem ainda prisioneiras do individualismo. Enfim, ele sai em busca de sua filha e vai num gradual processo de “acumulação de forças” ao longo dos episódios.

Sugerimos que há uma crítica ao hegemonismo no interior da política de Frente, pois não se podem pensar as alianças como uma “maldição”. A Inês/Cuca chama a atenção de que os seres da floresta (assim como os seres do mundo político) não podem se sentir amaldiçoados. Todos estariam conectados com a natureza. Portanto, na Democracia todas as forças políticas do campo democrático precisam estar em harmonia em que cada um acolha um ao outro. Não se pode fazer da ação política uma explosão voluntarista como Eric faz em seus momentos mais perigosos.

A Democracia brasileira precisa de passar por um longo processo de travessia pela sua cura. Belas palavras como “racismo ambiental” não aparecem na série que se pautou pelo que seria pela ascensão dos herdeiros dos colonizados (nos dizeres de Caio Prado Júnior em Formação do Brasil Contemporâneo) no mundo do Direito. Aliás, o espanto do “chefão” do Garimpo com a sentença desfavorável se assemelha ao pioneirismo da sentença dada ao Coronel Jesuíno Mendonça no livro Gabriela de Jorge Amado. Os dois autores irmanados pela interpretação do tema democrático no Brasil e que foram alunos do curso de Direito. Entendamos, que a Frente está muito visível nessa série como um bom remédio para exorcizar as ameaças da possível volta do Corpo-Seco.

[1] Criada por Carlos Saldanha (Rio), Cidade Invisível tem Marco Pigossi (Tidelands), Alessandra Negrini (Travessia), Julia Konrad (1 Contra Todos), Simone Spoladore (Desmundo) e Zahy Tentehar (Independências) no elenco.

[2] Tom Jobim, em 8 de maio de 1973, lançou um álbum com esse nome. Esse álbum é muito conhecido pela composição “Aguas de Março” em que Matita Pereira está na primeira estrofe da música.

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