Wandinha
e os monstros contemporâneos
Em memória de
José Mojica Marins – o “Zé do Caixão”
Por Pablo
Spinelli
Vagner Gomes de
Souza
O lançamento da série
“Wandinha” para conquistar a adolescentes/jovens em diversos países nos chama a
atenção diante da apatia da juventude inerte à expansão do populismo
reacionário aqui e alhures. Em Stranger
Things, outro sucesso mundial, o
monstro do “reaganismo” se antecipa ao “trumpismo” e outros “ismos” (como o
neoliberalismo) do negacionismo da vida em prol dos interesses do presentismo num aqui e agora. Os fãs de
Stranger Things devem ter na memória a temporada que ocorre na semana anterior
ao Dia das Bruxas e da reeleição de ator-cowboy Ronald Reagan. Suas consequências
se desdobram em tons cizentos da “franquia” Star Wars, que, paradoxalmente,
muitos se encantaram com Darth Vader ao longo dessas décadas, não com Yoda.
Esse poderia ser o prenúncio do fascismo americanizado normalizado na sociedade
diante do enfrentamento das Corporações (modelo institucionalizado por
Mussolini) à ideia de República.
Os monstros, assim como
no século XIX, nos permitem uma metáfora sobre a política contemporânea. Comecemos
com Mary Shelley ao escrever seu “romance gótico” Frankenstein: ou O Moderno Prometeu (1818) para demonstrar como o
universo de escritoras femininas dialoga muito bem com esse conflito entre
Liberalismo e Democracia. Em seguida, Bram Stoker denunciaria o legado da “era
dos impérios” da questão irlandesa pela via do romance Drácula (1897). Tanto as forças da “Restauração” quanto as
mutilações do “Neocolonialismo” ou do Imperialismo, de Edward Said, seriam
denunciadas nesses textos literários metaforicamente.
No cinema, Nosferatu
(1922) inaugura essa sensibilidade em tempos de pandemia da Gripe Espanhola e
no nascimento do fascismo. O debate imobiliário na Alemanha dos anos 20 pouco é
mencionado pelos amantes do cinema, porém desdobraram-se inúmeras lideranças de
massas diante do declínio dessas forças da tradição que “moderavam” a ascensão
da igualdade. Os temas fascinantes das mudanças mobilizaram muitos jovens em
inúmeros ativismos políticos e culturais diante de temáticas universais. A
geração das vanguardas e suas filiações políticas se desdobraram nos anos 30
com a Segunda Guerra mundial marcando essa “era dos extremos”.
A série Wandinha é
herdeira de toda essa geração. Sua cena de abertura na escola Nancy Reagan com
as piranhas devoradoras do neoliberalismo dos anos Reagan é o cartão de visita
para aquilo que a série se propõe. Esse spin-off da Família Addams, quadrinhos
de Charles Addams, primo de uma das mais importantes líderes feministas das
Américas, coloca a adolescente como protagonista numa roupagem de nossa época:
individualista, narcisista, apática. Ao parar em uma escola que tem como
patrono Edgar Allan Poe, o identitarismo dos ditos excluídos – todos ricos –
fica explícito quando se explode uma estátua por uma visão particular sem
estudo ou república.
A série tem a boa
fortuna de ter um dos poucos diretores do cinema que conseguem ter uma marca
própria nos seus filmes. Tim Burton – fã do brasileiro Zé do Caixão -, diretor
de Edward Mãos de Tesoura, Batman, Marte Ataca, Os Fantasmas se divertem,
dentre outros, é o diretor americano com maior influência do expressionismo
alemão e suas histórias são marcadas pelo olhar crítico liberal ao
republicanismo conservador e aos interesses do mercado privatista. Portanto,
por mais que a Wandinha comece como uma idólatra do self ela só avança como uma Enola Holmes gótica com a ajuda dos
outros. Ela aprende a se doar numa frente que reúne lobisomens, sereias,
agentes do Estado, professora, mãozinha, família para evitar aquilo que temos
nos dias de hoje: a destruição mutiladora da juventude.
Além de todo o acervo
literário clássico – Shelley, Stoker, Poe, Conan Doyle – a série resgata os
“monstros” da Universal – Lobisomen, Drácula – e o clássico moderno literato do
mundo pop, Stephen King, cuja obra sempre foi pontuada contra o individualismo
(Conte Comigo), o perigo do fascismo para os jovens (O Aprendiz), a
perversidade juvenil (Carrie – que tem a famosa cena do banho de sangue no
baile revisitada). A série sabe dosar o tom. Além de evidenciar os desvarios do
fanatismo religioso também não poupa os discursos sectários identitários.
Prefere, sem causar alarme, ocupar o primeiro lugar no Brasil com referências a
um casal lésbico sem que haja abaixo-assinados virtuais. Tim Burton saiu da
Disney e reencontrou o que há de melhor em si mesmo. Assim como a Wandinha, que
ao se deparar com os monstros que cercam a juventude recorreu aos estudos e ao
trabalho em equipe.
19 comentários:
Excelente artigo pra uma excelente série!
Nunca li tanta besteira
Muito bom
Muito bom o artigo, muitas referências.
Rayff diga quais besteiras foi escrita ?
Sensacional
Sempre um alento suas análises. Sempre me traz olhares por prismas não alcançados antes.
Excelente, mestre! Adorei as referências!
amei ler prof, muito bem observado cada detalhe.
O senhor sempre arrasa professor!!
Infelizmente só pessoas com uma sensibilidade aguçada sabem reconhecer o que é bom do que não presta. Pena vc não ser uma delas.
Ótima análise, Professor. Muito preciso nas observações.
Se você tivesse parado em "Nunca li" estaria mais coerente com seu grau de intelectualidade.
O artigo ficou muito bom indo muito a fundo nos detalhes
Besteira é nunca ler.
Excelente! Trazer a juventude para a república e democracia é urgente. Perpassando por trazer eles para a frente ampla, o que só será possível se as escolas se abrirem, permitindo repensar qual o seu papel na sociedade atual.
Que conexões "nada a ver"
Ótimo texto e observações,professor!
Artigo muito interessante que mostrou várias referências literárias que eu nunca tinha notado. Mas ficou confuso a parte das picanhas representarem o neoliberalismo (foi isso que entendi). Teria como explicar?
Agradeço a leitura em nome do blog. A referência à picanha é quanto à fala metafórica do então candidato que priorizava o consumo (seja alimentar ou o que for) ao tema caro à origem do candidato e que é mais sensível à geração de Wandinhas e Wandinhos no país: emprego a partir de boa educação pública. O eixo neoliberal prioriza o privado consumista ao público da República. Foi uma crítica construtiva na tentativa de ajudar ao que hoje escutamos do senso comum: "cadê a picanha?". É essa a analogia.
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