quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 003 - PARA FAZER UM BALANÇO DE 2022


Sobre Resistências, Resiliências e Balanços

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Embora as tendências sociais, econômicas e políticas projetadas para 2022 no planeta não tenham sido negadas pelos acontecimentos, a realidade foi ainda mais dura do que se imaginava.

O ano que ainda não acabou foi um ano em que o mundo viveu em perigo houve até ameaças de uso de armas nucleares. Aos novos medos foi adicionado o renascimento de velhos medos. Foi um ano em que a barbárie teve mais presença do que a civilização.

Nesse quadro, porém, surgiram surpresas que mostram uma capacidade de resistência e resiliência cidadã contra a lei da selva, o bullying político, a imposição de um discurso e ação violenta, o que deixa aberta a esperança de um maior élan civilizatório e liberdades.

A maior surpresa foi à resistência da Ucrânia à invasão russa, cujo custo tem sido terrível para aquele país e tem repercussões políticas e econômicas em todo o mundo, mas cujo significado histórico, sem dúvida, influenciará o curso da história.

A invasão da Ucrânia pela Rússia tem suas raízes mais profundas na história distante, mas as raízes mais próximas estão na Rússia pós-soviética, já que o projeto democrático não conseguiu se enraizar naquele país e a democracia perdeu todas as esperanças com a sequência de eleições, cuja única orientação delas tem sido a reconstrução de uma suposta potência russa ferida e decadente. Elas se inspiraram tanto nos sonhos imperiais do czarismo abrigados pela Igreja Ortodoxa Russa quanto na versão mais nacionalista e anticomunista do stalinismo soviético.

A sequência de eleições russas tem combinado em seu pensamento um estranho casamento em que coexistem alegremente o capitalismo corrupto de raízes oligárquicas e o nacionalismo autoritário, distante de qualquer coisa que cheire a democracia.

O que tem sido móvel é a vontade geopolítica da Rússia em recuperar um suposto poder perdido por um imenso país, mas que tem mostrado sérias limitações para enfrentar os desafios hodiernos, perdendo seu papel de superpotência, concentrando sua força, sobretudo, nos recursos naturais e nas forças armadas e tendo que abraçar com relutância de forma subordinada uma China que em poucos anos ganhou dela uma distância irreconciliável.

Há vários anos, o caminho da Rússia tem sido o caminho da força. Passou pela Chechênia, Geórgia, Moldávia, aventurou-se na Síria e na Líbia, estabeleceu-se na Crimeia e está tentando fazê-lo no Donbass. A decisão de invadir a Ucrânia em fevereiro deste ano é a cristalização desse caminho.

A Ucrânia é um país com uma história nacional complexa, rica em recursos, mas fraca economicamente. Com uma democracia tão problemática quanto à russa e com um presidente do mundo do entretenimento.

A invasão era para ser uma opção vitoriosa e fácil, a ser concluída em poucos dias, quase uma caminhada triunfante, que ultrapassaria as cercas da geopolítica mundial. Mas a Ucrânia foi uma surpresa inesperada. Em primeiro lugar, apoiava-se na razão e no direito de se manter como nação independente e democrática e na vontade de fazer todos os sacrifícios necessários para consegui-lo.

A reconstrução da Ucrânia será um épico no dia em que a paz for alcançada, o que sabemos bem que não está na próxima esquina. Essa paz é necessária, mas terá de ser feita respeitando o complexo e enorme sacrifício planetário em prol da civilidade.


O Brasil esteve do lado certo da história neste conflito, a despeito das hesitações do governo nossa chancelaria não titubeou e se saiu bem, mesmo com o perigoso agravamento da polarização da sociedade brasileira numa situação mundial tremendamente incerta.

Pelos caminhos da vida a frente democrática se fez e conseguiu galvanizar uma reação negativa dos eleitores contra o discurso grosseiro e odioso, preferindo votar na defesa das conquistas sociais e da convivência democrática.

Nada está resolvido para o futuro, mas a deriva para o populismo narcisista por ora parece mais distante. Muito dependerá da capacidade da frente democrática sobreviver a fabula da frente ampla e o governo que se forma a represente e promova as mudanças sociais necessárias, sem provocar desequilíbrios que abram espaço para o discurso briguento.

É bom lembrar isso quando nos aproximamos do final do ano. O resultado eleitoral foi uma manifestação clara e indiscutível de bom senso, maturidade cívica, vontade de reforma e reforço democrático. Não foi um triunfo da esquerda nem tampouco de uma frente ampla, mas sim um triunfo da frente democrática, do caminhar sereno perante a exacerbação das identidades e a quebra dos contrapesos no exercício do poder.

Para o Governo em formação, a sua aceitação tem sido complexa. Mas aos poucos a realidade tende a prevalecer e mesmo com dificuldades, contradições e repulsa dos setores mais radicais e messiânicos, o resultado eleitoral é o embrião de um esforço real para produzir mudanças na vida. Esperemos que isso se consolide e se gerem amplos acordos para avançar.

Afinal, é a única forma possível de responder aos duros desafios que o planeta e o país enfrentam.

 

18 de dezembro de 2022



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.



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