Para onde podemos ir?
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Na disputa pela escolha da maior barbárie cometida pelo
atual governo brasileiro, não nos faltam opções. Claro, entre elas incluem o
cancelamento das conquistas ambientais, a decisão de não investigar nenhum alto
funcionário importante desse mandato durante os 4 anos e quiçá por décadas, nomear
um elenco de grandes incompetentes para as pastas, desistir de fazer a reforma
tributária e fiscal, entre tantos outros. Mas prefiro olhar este último assunto,
especialmente à luz das primeiras ações do novo governo de Gabriel Boric no
Chile.
É sabido que uma das decisões mais difíceis de um novo
governo de dias é anunciar que aumentará impostos. Se deixarmos de lado os
clássicos eufemismos do liberalismo econômico, não há reforma fiscal e tributária
que não aumente a carga tributária de alguém: os ricos, os consumidores, a
economia formal, as grandes empresas. Por isso, a maioria dos governos que
buscam realizar reformas sociais profundas tenta obter financiamento para elas
desde o início de sua gestão, sabendo que a janela para uma reforma desse naipe
é pequena e efêmera.
Collor foi repreendido — e com toda a razão — por
ter feito um sequestro bancário no primeiro dia de seu mandato (que acabaria incompleto)
sem nenhuma negociação e que sequer apresentou um projeto de reforma fiscal e tributária.
Governos como os de Joe Biden, Álvaro Uribe,
François Mitterrand (1916-1996) e Patricio Alwyn (1918-2016) tentaram aumentar
impostos – com maior ou menor sucesso – nos primeiros meses no poder. A razão é
óbvia. Não há reforma mais impopular e custosa em termos de capital político do
que a tributária e fiscal; e geralmente não há momento de maior popularidade e
capital político de um presidente do que no início de seu mandato.
Boric entende isso, entre outras razões, porque
seus primeiros discursos como presidente mostram que ele frequentemente
conversa com o ex-presidente chileno Ricardo Lagos – por exemplo, sobre a
necessidade de diplomacia nas relações externas ibero-americanas para que ele
possa falar a uma só voz e duradoura. O primeiro item programático de campanha
com o qual trabalha (pretende apresentar essa reforma ao Congresso até junho) é
aumentar a carga tributária chilena em cinco pontos do produto interno bruto (PIB) ao
longo de seu mandato de quatro anos, com uma justificativa simples.
Não há como atender às demandas e/ou reivindicações
sociais do chamado “estalido” de outubro de 2019 sem aumentar os gastos
públicos. E é impossível atingir estes objetivos sem aumentar a porcentagem do
PIB que o Chile arrecada (20% por enquanto) em uma proporção significativa, a
menos que se acredite em estórias absurdas como a do tesouro português da Derrama
(1763-1764) baseada no dito combate à corrupção da Colônia em desfavor da
Metrópole.
Boric cumprirá sua promessa ou não. Mas pelo menos
ele está disposto a tentar. E os nossos, até aqui ninguém diz nada e nem se pensa
nisso. Ao renunciar a uma reforma fiscal e tributária o atual o governo, parece
esperar uma hipotética — e incerta — vitória nas eleições desse ano, satisfeito
com seus vouchers compradores de
votos e sempre convicto a não realizar nenhuma reforma social importante e
duradoura.
Diferenças a parte do mandato brasileiro ao de
Boric ainda que aparentemente semelhantes na ausência de maiorias parlamentares
de partida com as quais todos os governantes costumam sonhar, o nosso sempre faltou
inteligência e sabedoria no Ministério. Ao contrário, o economicismo primário et caterva preferiu manter a pressão
fiscal e tributária no mesmo nível de antes (com pequenas variações devido aos
esforços do Banco Central), condenando à impossibilidade de qualquer aumento
significativo dos gastos sociais (o mais baixo em vista ao tão desejado assento
na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE em relação
ao PIB). Só poderia – e poderá – reorganizar os gastos: cortando da educação,
saúde e habitação para aumentar – mal – a entrega do Auxílio Brasil a idosos, desempregados,
estudantes, deficientes e a população em geral largada à própria sorte. Insistamos:
Auxílio Brasil e só isso, cortando todo o resto.
Obviamente não houve reforma fiscal e tributária durante
este governo, nem haverá. Não há governo democrático no mundo que se preze que
não tente, inclusive por conta da pandemia e suas consequências que somado ao
cenário tenebroso ex-ante alguma
reforma fiscal e tributária, uma vez que só tornou esse assunto urgente
urgentíssimo. Aqui está o pior pecado do que aí se encontra: nem mesmo tê-lo
proposto, ao contrário de Boric. Um mandato de lastimas sem fim! Mas a cada circunstância
eleitoral colhe o que vota. Teremos a chance de corrigir o nosso rumo. Mas para
isso precisamos vencer o anacronismo e a ignorância; o Brasil pode e deve ser ousado
e globalizado, como Boric está mostrando.
3 de abril de 2022
2 comentários:
EXCELENTE. QUE SIRVA PARA O NORTE DA OPOSIÇÃO QUE ALMEJA CHEGAR AO PODER. MENOS PASSADO E MAIS FUTURO NOS DISCURSOS E PRÁTICAS!
Bravo!! Exatamente isso.
Que os futuros detentores do poder tomem as rédeas e ousem!!
O país não sobreviverá a mais retrocessos.
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