O Teatro Oficina e o
Diabo no Cenário Carioca
De Vagner Gomes de
Souza
Para Luiz Eduardo Soares
pela sua generosidade
A batalha das ideias no campo
cultural enfrenta as forças do retrocesso no Brasil. A pauta conservadora nos
costumes está a serviço do avanço do ultraliberalismo na economia que não se
incomoda com a destruição de uma rede de proteção social. A estagnação da
economia brasileira está contribuindo para o aumento da desigualdade social e
precisamos dialogar com as classes populares sobre os perigos dessas
características para a democracia.
Não é suficiente controlar a inflação para
alimentar o crescimento. Essa é a didática e a atualidade da peça Roda Viva de
Chico Buarque que originalmente foi escrita em 1968. Nos dias atuais, o Grupo
Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona tem a ousadia política de reapresentar numa nova
montagem para que o público veja diante de si as consequências de uma
assinatura de contrato em branco para uma sociedade que se alimenta de ódio e
pratica a antipolítica.
A trajetória do Grupo é marcada
pela iniciativa que muitos atribuem aos momentos do tropicalismo brasileiro.
Para além disso, eles atuam com amor pelo que estão fazendo e assumiram um
enfrentamento político ao trazer a peça para o Rio de Janeiro que consagrou
eleitoralmente o atual Presidente, um ex-Juiz com perfil de justiceiro do “juízo
final” e no município as movimentações da política do campo democrático
fraturado podem levar a reeleição do Bispo licenciado. Se as instituições
democráticas estão em perigo no mundo, o cenário carioca só trouxe de relevante
as massas populares rubro-negras circulando pelas ruas para comemorar seus
títulos.
A “Festa da Favela” incomoda o
racismo estrutural por mais que o Ex-Juiz se ajoelhe para o artilheiro das
Libertadores 2019. E, sempre, as forças policiais entram em confronto com os
populares. “Aleluia. Falta feijão na nossa cuia. Falta urna pro meu voto.
Devoto. Aleluuuuuuuia.” Eis o povo cantando e entrando em cena no texto
original como se entrasse num Rio de Janeiro com vários DJ Renan da Penha
marginalizados por faltar o básico.
Essa falta do essencial no social está cada
vez sendo justificada pela classe média que passou por uma mutação
antropológica. Houve uma antropofagia da classe média carioca no qual muitos
populares, ao se sentirem “emergentes”, se deram ao luxo de serem mais
reacionários que setores da elite econômica. A peça Roda Viva no Rio está a
nadar contra a corrente nesse cenário como se fosse para alimentar as chamas de
uma insurreição das ideias.
Numa semana de Black Friday. Em
que muitos comerciais lhe vão sugerir que compre, compre, compre, compre... Sem
que pensemos no próximo. Compre um pouco de democracia e vá a Cidade das Artes
para assistir a peça Roda Viva. Veja no Anjo, em belíssima atuação de Guilherme
Calzavara, o espelho de uma fase política que pode mudar. E mudará. Afinal, a
montagem de Roda Viva está muito conectada com Bacurau (que esse teimoso
articulista já analisou para esse BLOG) e além de lembrar o capítulo “A
intervenção tropicalista como contraponto à divisão radical” em O Brasil e seu duplo (2019) de autoria
de Luiz Eduardo Soares a quem dedico esse artigo.
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