quarta-feira, 11 de setembro de 2019

SÉRIE FILMES: BACURAU


A Comuna de Bacurau
Por Vagner Gomes de Souza 
Bacurau é um filme que cativa o público pelo roteiro original que apresenta um manifesto pela resistência abordando uma vila em meio do Nordeste em futuro próximo. Nas primeiras cenas o atropelamento de urnas funerárias numa estrada de buracos e moradores saqueando outros caixões. A morte seria um bom negócio? Além disso, a escolha de uma cidade do Oeste de Pernambuco com semelhanças ao sertão é um convite para inúmeras aproximações com o pensamento social brasileiro. Descreveremos algumas dessas possibilidades para contribuir na formação daqueles que ainda se sensibilizam com um cinema com opinião.
O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles começa com o velório de Dona Carmelita que seria uma espécie de matriarca formadora de personagens com protagonismo na localidade. Trata-se de um “Arraial” semelhante a Canudos, mas a fé foi suplantada pelo conhecimento. A movimentação das câmaras destacam os livros no interior da casa da matriarca o que demonstra outro lado numa narrativa em paralelo aos Sertões de Euclides da Cunha. O capítulo dedicado a “Terra” muito bem se assemelha as lições do filho de Carmelita para os alunos de primeiro segmento do ensino fundamental. Plínio (Wilson Rabelo) seria um Antônio Conselheiro que faz uma gestão colegiada em Assembleia. Sua liderança é agregadora de uma diversidade presente naquela comuna. O sertão vive um problema com a água o que sugere uma atenção para os efeitos políticos e sociais que a ganância possibilita.  Da “Terra” para a descrição dos personagens como o capítulo “Homem”. Portanto, Bacurau é a comuna da resistência, pois como escreveu Euclides da Cunha: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte.”
 



A resistência de Bacurau ao Brasil do arcaísmo como projeto é o lado utópico do filme no qual não há contradições e falsos moralismos numa aldeia em que a Igreja serve como depósito de móveis e outros utensílios. Há um Museu Histórico na localidade o que demonstra a importância do passado na formação de uma cidadania crítica. Lunga (Silvero Pereira) é um “herói-foragido” e como se fosse um Corisco no qual a câmera faz um close para as unhas pintadas. Com leveza nos lembramos de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963) de Glauber Rocha ao se perguntar sobre quem seria o Antônio das Mortes.

O estilo de suspense ainda estava por vir, mas antes vem o anuncio de que a seria ano de eleições municipais. Momento de otimismo em relação ao futuro da democracia? Ainda há eleições no futuro próximo de nossa pátria amada. Enfim, o Prefeito é 100% rejeitado pelos moradores de Bacurau, porém o voto é voto. O roteiro expõe a tentativa de uma aproximação pela via do assistencialismo. Mas aquela é uma localidade da resistência que aparentemente tem conhecimento do livro do pensamento social brasileiro Coronelismo, enxada e voto de Victor Nunes Leal (1948) uma vez que não há um “coronel” como mediador entre o político e o eleitor. A “ditadura da necessidade” de forma utópica não existe na comuna que o leitor poderia dizer que não tem condições de existir no mapa.


Então, cinematograficamente, Bacurau não está no “mapa” em um tempo que antecede outros eventos mais mortais. Os moradores prenunciam que algo de estranho estava por vir diante desse fenômeno. Numa noite de cavalos corredores na localidade, começam os assassinatos no que seria um momento magnífico no roteiro ao expor as implicações sobre a posse de armas em áreas rurais. De Glauber Rocha, aos poucos, o filme ganha um novo “corpo” ao estilo de Quentin Tarantino. E, sugerimos que seja o “Os Oito Odiados” (2015) a melhor referência em relação aos estrangeiros que estão ligados ao jogo das mortes. Quem fazia essa pontuação?

Então, o hoje esquecido Rui Facó de Cangaceiros e Fanáticos (1963) é outra possibilidade de leitura ao ponto dos fanáticos do século XXI seriam os fundamentalistas do acesso ao uso das armas e seus vínculos com o mercado da vida. Do conflito, emerge uma comunidade mais unida. Entretanto, na cena do enterro vivo de Michael (Udo Kier) ele alerta que aquele momento não era o fim, mas apenas o começo. Seria um presságio do Livro das Revelações? “E vi descer do céu um anjo que tinha a chave do abismo e uma grande cadeia na sua mão. 2 Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos. 3 E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que mais não engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo.” (Apocalipse 20: 1- 4). Há nessa fortuna a busca da volta da prática da virtú que Lênin tentou fazer após a leitura de A Comuna da Paris de Karl Marx.

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