Nada há ainda de relevante no Rio de Janeiro após o Decreto da Intervenção na Segurança Pública Estadual. A Saúde Pública continua um verdadeiro retrato de violência para as classes populares. A cada dia, a política de confronto policial mata duas pessoas. O futebol carioca transformou-se no mais elitizado do país. E a Educação Pública é tratada como gasto ao contrário de investimento da construção de uma cultura democrática de paz e tolerância.
Não nos calemos diante da gravidade da situação que clama por medidas políticas claras para a sociedade. Esse é o espaço do debate que o BLOG VOTO POSITIVO deseja dar continuidade com a entrevista com o professor Jarley Frieb.
Confira e sigamos em frente nesse movimento de reflexão.
Professor Jarley: "A opção por lecionar no Ensino Fundamental foi tomada por mim em uma idade em que já tinha uma vivência intensa das realidades das Classes Populares (...)"
1)
O Estado do Rio de Janeiro tem vivido uma
sequência de atos associados a violência. Mesmo sob a Intervenção Federal na
Segurança Pública, a sensação de tranquilidade da população não existe. Por
outro lado, há setores da sociedade que defendem maior investimento social para
reduzir os impactos da violência. Como Pedagogo, qual sua opinião sobre esse
quadro?
Professor Jarley - Como pedagogo,
professor na Rede pública Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, cidadão... não
vislumbro possibilidade de melhora no quadro de violência em lugar algum do
mundo, e ainda mais em um país tão desigual como o nosso, que não contemple
amplos investimentos – e melhor uso dos que já existem – na Educação e na
saúde. Não que a Segurança não precise de verbas – precisa, e muito – mas se as
duas primeiras áreas forem prioridades, a violência diminuirá a longo prazo. A
curto prazo, penso que o fim de
incursões em Comunidades como prática corrente, as quais colocam em risco a
vida de moradores e dos policiais, sem ter resultado nem próximo do esperado,
devem ser repensadas imediatamente. Não me iludo achando que a violência
acabará, ela está presente em todo o mundo, mas alimentada pela desigualdade
social e a falta de investimento público em setores fundamentais, a espiral de
violência não tem fim.
2)
Sua formação em Pedagogia foi pela UERJ. Como o
Senhor se sente ao ver as notícias relativas a Crise da UERJ?
Professor Jarley - Triste, muito
triste. Tenho amigas, amigos e conhecidos que lecionam nessa Universidade,
alguns foram meus professores, outros fizeram graduação comigo e seguiram a
carreira acadêmica, e fico horrorizado com o processo de sucateamento de uma
Instituição que sempre ofereceu tanto retorno à Sociedade. E não é só a UERJ:
quanto ganha um professor de Ensino Médio da Rede estadual??? Há muito tempo
lecionar no Estado deixou de ser minimamente atrativo, e com isso temos
multidões de alunos que ficam ser aulas em disciplinas importantes para sua
formação, com os resultados esperados de tudo isso: não chegam às universidades
públicas; não tem perspectiva de bons empregos, e vão engrossar o mercado de
mão de obra barata para a Elite, essa mesma Elite que em sua maioria não está
nem aí para nossa profissão nem para a urgente necessidade de melhora na
Educação no país, pois seus filhos não são usuários de Redes públicas de
Ensino.
3)
Após sua formação, sua atuação se concentrou no
efetivo exercício do magistério nas salas de aula da Rede Municipal e teve uma
experiência em Sala de Leitura. Como a prática lhe auxiliou a repensar os
problemas da população carioca?
Professor Jarley - A opção por lecionar no Ensino
Fundamental foi tomada por mim em uma idade em que já tinha uma vivência
intensa das realidades das Classes Populares: desde muito pequeno, não sendo
oriundo de uma família burguesa-tradicional, apesar de criado na Zona Sul,
conhecia bem os subúrbios, por volta dos 20 anos frequentava a Baixada
Fluminense 3 a 4 dias por semana por quatro anos... subindo Comunidade de
segunda a sexta, presenciando trocas de tiros entre traficantes e policiais,
convivendo com as diferenças econômicas que existem dentro da própria
Comunidade, tudo isso formou a visão que hoje tenho da Cida de que NÃO QUERO –
a que está aí – mas também me fez refletir sobre as mudanças que quero ver. Quanto
ao trabalho com Sala de Leitura, foi uma experiência maravilhosa: conheci os
melhores diretores de Escola com os quais trabalhei, reconstruímos a Sala de
Leitura , atendia 30 turmas – Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos.
Minha trajetória nessa área
começa no entanto em 1994, quando participei por dois anos do Grupo de
Contadores de Histórias da UERJ. Até hoje não estou convicto de que ouvir
histórias faça de alguém um grande leitor, mas é uma arte maravilhosa, os
narradores orais atravessaram a história da Humanidade encantando gerações, eu
mesmo tive contato com uma grande contadora – por sinal, analfabeta – em minha
infância. E devo a ela, e ao incentivo de meu pai, a paixão pela Narrativa e
pelos livros que até hoje me acompanham. Diria mais: que me formaram.
Professor Jarley - Colocando nos
cargos de Gestão – a começar pelos que decidem as coisas de fato – professores
DE SALA DE AULA. Nós é que vivenciamos diariamente as dificuldades em lecionar
no Ensino Público. Claro que o diálogo com as Universidades também é vital,
pois ali se pesquisa, se produz conhecimento; remunerar bem os profissionais de
Educação, promover formação continuada... novos concursos públicos... e algo
que deveria ser primordial em todas as reuniões de pais de qualquer escola
pública: explicar como funcionam essas instituições, desde como os
profissionais ali ingressam (através de concursos públicos), até quais são as
verbas, e de onde vêm, que possibilitam o funcionamento das mesmas. A família
tem deveres mas os gestores e professores têm
o dever de informar que a Escola
Pública é um direito de todos e todas, e convocar as famílias a construir o
processo educativo conosco é fundamental.
5)
Há Projetos de Lei defendendo que os educadores
não desenvolvam temas com uma abordagem crítica. O argumento é de que se trata
de uma doutrinação da esquerda estimular uma educação crítica e valorizadora
dos Direitos Humanos. Enfim, qual o recado que o Senhor daria para os
defensores do “Escola sem Partido”?
Professor Jarley - Primeiramente,
agradeço todos os dias ao Destino que meu pai não tenha pensado como eles,
risos... doutrinação? Ah, tá... bem, para os da minha geração eu
perguntaria: - Ué, se esta existe, como
estudei com tantas pessoas que são ultra fãs do modelo capitalista, incluindo
alguns de Direita, e eu sou Esquerda?? Eles ficaram imunes à doutrinação dos
comunistas e socialistas que nos deram aulas no ensino médio como? E tendo
estudado em um colégio bem conhecido e tradicional de Copacabana, onde muitos
de nossos professores eram também de esquerda e trabalhavam em outras tantas instituições
ainda hoje “de elite”- e que formam alunos que buscarão ocupações que os
permitam seguir sendo elite - minha curiosidade sobre como não se
“contaminaram” só aumenta KKKKKK... Bem, é direito dos pais querer definir e
traçar o destino dos filhos... agora, que sou muito feliz por ter tido pais que
naõ influíram em minhas escolhas
ideológicas nem profissionais, disso não tenho dúvida. Para finalizar: nunca
conheci um professor que doutrinasse alunos; fico imaginando e não posso evitar
o riso ao pensar em como um/uma professor poderia fazer lavagem cerebral COMUNISTA
em crianças de 4-10 anos para derrubarem o Sistema Capitalista... agora,
doutrinação de Esquerda não pode, mas a
de Direita pode, né??? e ela começa aonde?
Alguns destes pais tão preocupados com a possibilidade de seus filhos virarem
adultos progressistas deveriam conhecer mais o processo educacional como um
todo, e não verem o professor apenas como um transmissor de conteúdos. Educação
é muito mais que isso, mas certamente poucos deles o sabem, pois sua opção
profissional não foi lecionar no Ensino Fundamental, e nem cursar Pedagogia nem
Licenciaturas, áreas que não atraem as Classes Dominantes. A educação cidadã é
necessária a todos e todas, mas se eu defendo um modelo onde vejo conspiração
da Esquerda (como se existisse UMA esquerda única, risos) em tudo, onde penso
que o Bolsa Família irrisório é um benefício a quem não quer trabalhar, ou que
fui bem sucedido por ser mais inteligente, ter Q.I de tanto etc... fica difícil
descontruir a desigualdade e sobra um medo, em minha opinião infundado, onde
deveria existir o diálogo e o respeito às diferenças ideológicas. Não preciso
concordar com alguém, mas como educador devo ouvi-lo e, se necessário, dialogar.
Até para entenderem os limites que um
teste de Q.I tem, para o que serve, o que significa “inteligência”...mas será
que parte da Elite está interessada em saber disso, ou somente em criar
semelhantes em pensamento e atitude? Enfim, a questão é complicadíssima, pois
como falei anteriormente, quem vai direcionar a Educação dos filhos, e não
poderia ser diferente, claro, pois é um direito delas, são as famílias (viu?
Sou socialista mas não defendo que o Estado separe os filhos das famílias para
dar-lhes formação maoísta KKK). O problema, a meu ver, é
quando não buscam orientações sobre isso, pois em sua maioria, por escolhas
profissionais, são leigas no assunto Educação.
Professor Jarley - Para começar, o
próprio profissional de Educação deveria ser tolerante para com a diversidade.
Se acho que minha religião ou posição política é a única a ser respeitada, a
coisa já começa mal; por isso defendo uma escola pública laica, sem imagens nem
representações religiosas que possam ser objetivo de controvérsias que ali não
cabem. Os praticantes das religiões de matriz afro, entre os quais me incluo –
sou ogan (sacerdote que não é “tomado” pelo orixá, não cai nunca em transe)
confirmado há 29 anos no Candomblé, na Raiz do Jeje mahin, – devem amparar-se na Lei que proíbe a
discriminação religiosa, e devemos estar unidos e dialogando com toda a
Sociedade – por isso defino-me religiosamente também como um universalista,
vejo Deus em várias manifestações religiosas e também onde elas não
existem. A Sociedade é formada por
praticantes de distintas fés e ateus, agnósticos...para contemplar tanta
diversidade, só muito diálogo e respeito para com o/a outro/outra, para com sua
Verdade.
7)
No último ENEM, o tema de redação foi sobre os
Deficientes Auditivos na Educação. Sabemos que o Senhor tem dialogado com
especialistas na área sobre isso. Conte-nos mais a respeito.
Professor Jarley - Durante um bom
tempo fiz cursos em uma instituição de referência que atende a portadores de
cegueira e baixa visão, o Instituto Benjamin Constant, sem dúvida uma das
referências mundiais nessa área. Isso abriu minha visão ainda mais sobre a
necessidade da Inclusão de pessoas com qualquer Necessidade Especial, e essa
inclusão não está e nem pode ser restrita somente aos educadores e familiares:
tem que ser objeto de reflexão por TODA a Sociedade. Dessa maneira podemos
participar da construção de um Mundo para Todos. Provocar a reflexão nos jovens
sobre esses temas é fundamental, por isso achei a escolha muito feliz.
Professor Jarley - O diálogo. Sempre. Conheci poucos
profissionais de Educação que ensinem seus alunos a ouvir, a escutar o outro –
e isso é possível. Se não ouço, não mudo meu pensamento, não me questiono...não
dialogo. O estudo das diferentes técnicas de Escuta (Ativa, Empática etc.)
deveria constar no currículo de todo curso de Pedagogia. E acredite: esse
trabalho pode começar ainda na Educação Infantil. Outra coisa: a exemplo do que
ocorre na Argentina, temos que ter mediadores de conflito nas escolas.
Profissionais de educação, pais, membros da Comunidade escolar...que com treinamento e formação adequada, e partindo
também de seus saberes já constituídos, possam atuar dirimindo conflitos tão
comuns nessas instituições. Fica a sugestão para que os diferentes municípios e
Estados invistam nisso, mas enquanto não tivermos governos progressistas
certamente isso não ocorrerá... em tempos de Sociedade brasileira atingida
permanentemente pela violência, a Escola tem que ser um ambiente onde se forme
uma cultura de Paz – porque fora dela, o que grassa é a violência, a barbárie.
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