A Dialética e a peça “O Alienista”
Por Vagner Gomes de Souza
“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois
quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio
ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o
revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja,
do combate entre os contrários.”
Heráclito
Livremente inspirado na obra de Machado de Assis, a peça “O
Alienista” está nos palcos do Rio de Janeiro até 10 de abril[1].
A Companhia de Teatro EPIGENIA transformou o texto pelas mãos de Celso Taddei e
Gustavo Passo (Diretor da Peça) muito além de uma simples proposta de
modernização da linguagem do conto machadiano para esses dias de pandemia e
outras loucuras. Assim como, o HQ Batman
Noel refundou o conto Um Conto de
Natal do escritor Charles Dickens. Portanto, vá ao Teatro aberto para
perceber que a essência das ideias pode persistir e mudar muitas coisas da
realidade numa perspectiva sugerida por Heráclito já na Grécia antiga.
O mundo nos expõe a cada dia uma diversidade de posturas de
ampla insanidade e, muitas vezes, nos questionamos como diversas pessoas se
permitem a acompanhar essas ideias? Na peça, a ganância e a manipulação da fé
até numa crença de um “cientificismo oxidoduoquadrosistêmico” expõe o quanto o
mundo político estaria aprisionado num contexto de insanidade em reflexo a um
possível estágio de anomia da sociedade. As “bancadas da Bíblia” se reúnem para
votar verbas públicas num legislativo em “troca de favores”. A livre inspiração
da peça se antecipou as recentes denúncias de possíveis “tráfico de influência”
no Ministério da Educação que, junto com a Cultura, é um dos segmentos que mais
regrediu a atual gestão do Governo Federal.
A regressão se faz presente no desenvolvimento da peça, pois
Itaguaí de Metrópole vai caindo até a condição de simples vilarejo. E, aos
poucos, Simão Bacamarte vai assumindo uma postura centralizadora e autoritária
uma vez que suas iniciativas eram respaldadas por um meio político semelhante
ao “Centrão”. Rupturas se observam ao longo da peça, mas perceberemos a
mensagem que não se pode deixar a “Caixa de Pandora” do autoritarismo aberta em
tempos de ressentimentos sociais.
Os desrespeitos a Ciência como método de reflexão e
desenvolvimento da crítica associados aos regressos em tantos setores sociais
exigem que a plateia busque mudar. E passa tudo por começar a desenvolver uma
postura mais incisiva na formação de um debate por um programa que valorize a
República e a Democracia. Por exemplo, quais seriam os critérios que
justificariam a volta de um Ministério da Cultura em nosso país? Precisamos ter
essa resposta na ponta da língua com argumentos que demonstrem possibilidades
de realizações culturais que gerem emprego e inserção da juventude (ainda
ausente do debate político pré-eleitoral) em atividades que valorizem a leitura
e a interpretação.
Todo tipo de fundamentalismo se aproxima da loucura. A peça
coloca esse ponto de forma tênue apesar de ampliar a temática também para a
questão feminina. Alguma coisa se sugere que Dom Casmurro seria uma possível continuação nessa saga machadiana
da Epigenia. Lembremos que Machado de Assis fez sucesso recentemente nos EUA
com a reedição de Memórias Póstumas de
Brás Cubas. Entretanto, a essência da ironia da política dos textos de do “Bruxo
de Cosme Velho” não pode se perder em fraturas da sociedade.
[1] A peça está na Grande Sala da Cidade das Artes. Texto: Celso Taddei e Gustavo Paso. Direção e Cenário: Gustavo Paso. Dias 16 e 17 de abril estará no SESC PALLADIUM em Belo Horizonte.