quarta-feira, 26 de outubro de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION - EDIÇÃO EXTRA 3 - CARTA AOS ELEITORES DO BAIRRO DE CAMPO GRANDE (RJ)

Carta aos Campograndenses Cariocas I

Por Gabriel Nunes

 

Caro leitor,

seja bem–vindo! Se você é evangélico e Bolsonarista, pretende não votar ou ainda está indeciso em quem votar, é com você que venho falar, amistosamente, neste artigo.

Peço que averigue o que acreditar não ser verdade neste artigo, e tire suas conclusões por si só, pois seu voto, independentemente de quem seja, deve ser consciente, e a intenção deste artigo é conscientizá-lo, não dissuadi-lo.

 

É natural que sob ameaça de repreensão à nossa prática religiosa, e aos seus princípios, queiramos defender aquilo que faz parte de nós, às vezes, desde o berço. Mas também é um fato que a não assimilação de nossa própria religião, nos faz, antes de qualquer um, estar suscetível a agir contra seus princípios.

No lado Cristão, podemos citar como os mesmos que se diziam cristãos pediram a morte de Cristo, que não tinha a menor pretensão de ser entendido, mas cumpriu sua missão, atingindo àqueles que o entenderam ainda que parcialmente.

 

“Jesus disse: Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo." - Lucas 23:34

 

Ainda hoje, o homem usa da religião como um meio de satisfazer seus desejos egoístas. Estes, chamados de falsos profetas, já eram objeto de alerta de Cristo e seus discípulos em sua época:

"Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores.

Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas?

Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins.

A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons.

Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo.

Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão!"

                                                                                                            - Mateus 7:15-20

 

"Recomendo-lhes, irmãos, que tomem cuidado com aqueles que causam divisões e colocam obstáculos ao ensino que vocês têm recebido.

Afastem-se deles. Pois essas pessoas não estão servindo a Cristo, nosso Senhor, mas a seus próprios apetites. Mediante palavras suaves e bajulação, enganam os corações dos ingênuos."

                                                                                                         - Romanos 16:17,18

 

Os gregos apresentam o amor em três aspectos:

 Eros - o amor romântico; Philos - o amor da amizade; e por fim, Ágape - o amor imensurável, por tudo e por todos, um amor incompreensível para a mente humana, que seria o amor do coração de Cristo, e deve ser a busca constante de seus seguidores.

Como pode um verdadeiro seguidor deste Cristo, produzir maus frutos? Como podemos destilar veneno e esperar que cure alguém? Como se dizer cristão, agindo opostamente ao que Cristo viveu e pregou?

Como dito por Cristo, qualquer um pode se dizer cristão, mas apenas através de suas atitudes, de seus frutos, podemos ver se isto procede, pois o evangelho é para ser vivido, muito mais do que para falar que se vive. Não sendo cristão quem diz sê-lo numa hora, e na outra tudo o que sai de sua boca é torpe, sujo, baixo, é ódio etc., pois sabemos que a boca explana o que o coração guarda, e o amor incita ao amor, nunca à violência.

O Anti - Cristo sempre existiu, e segue existindo na consciência humana ,inclusive naqueles que se dizem cristãos, mas vivem o que Cristo repudiou; que adotam os moralismos, dizendo ser a moral. Porém, esta moral cristã independe da época, ou sociedade em que se vive, é atemporal, pois, antes ou depois de Cristo, cristão é quem vive na busca das virtudes pregadas por ele, e só assim podemos seguir a moral. Não a moral de uma época ou sociedade, mas a moral atemporal, como citei, pautada não em leis ou costumes, mas no amor.

O que vemos hoje mais do que nunca na política brasileira, são falsos cristãos, que se aproveitam da grande parcela de evangélicos em nossa sociedade, para usar de suas boas intenções e arrecadar votos, sob o pretexto de que serão representantes do cristianismo nos cargos de poder político. Não satisfeitos em fazer dos púlpitos das igrejas os seus palanques eleitorais, investem desmedidamente na propagação de Fake News, como por exemplo - as Fake News de que Lula fecharia igrejas, criaria banheiros unissex, e tantos outros absurdos que nunca foram propostas de campanha nem de Lula, ou de qualquer candidato à presidência, pois seria o mesmo que anular a própria candidatura, tendo em vista a mentalidade geral da sociedade que vivemos que é pautada numa moral evangélica.

Não me proponho aqui, a falar de direita ou esquerda, gregos ou troianos; proponho-me a levá-lo à uma breve reflexão da importância de seu voto, principalmente se é de sua intenção votar de acordo com sua consciência religiosa. Gostaria de salientar também, meu desejo de conscientizá-lo que seu voto em branco, ou nulo, pode lhe ser mais conveniente, pois, convenhamos poucos brasileiros ainda tem na política alguma esperança de melhora em nosso país. Mas pense comigo, qual candidato você pensa que está mais ou menos inclinado aos seus princípios cristãos, sendo declaradamente cristão, ou não? Perceba que não votar em quem você acha que está de acordo com seus princípios, e anular seu voto, não é se isentar de responsabilidade, mas sim dar seu voto ao candidato oposto.

 

"A religião que Deus, o nosso Pai aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo."

                                                                                                               -  Tiago 1:27

 

O seu voto pode não parecer tão importante, mas determinará o decorrer do seu país nos próximos 4 anos, atingindo a vida de milhões de outros tantos brasileiros. O seu voto pode matar a fome de milhões de brasileiros, dar educação de qualidade aos pobres, gerar empregos aos necessitados, e fazer muitas outras coisas boas por seu país e seus habitantes. Então, pense bem, reflita – o país que você viu nos últimos 4 anos, é o país que você quer para o futuro?

Você pode estar se dizendo neste exato momento, que o atual governo foi prejudicado por conta da pandemia, mas se atente à como o país foi regido durante esta pandemia. O Presidente Bolsonaro, desde o início, levou este momento de aflição para nosso povo com total indiferença e desdém ao mesmo, indo contra às recomendações da ciência, comprando e fazendo campanha de remédios sem comprovações de eficácia, de forma prematura e totalmente inadequada à um Presidente da República; além de se opor ao uso de máscaras e ao fechamento dos comércios em todo o país quando necessário. E como já não bastasse, conforme o aumento do número de mortos no Brasil em decorrência da Covid-19, Bolsonaro, diversas vezes quando questionado, não se absteve de debochar dos mortos e ignorar sua parcela de culpa na dimensão gravíssima que o vírus e seus reflexos tomaram no Brasil, chegando a imitar pessoas com falta de ar, em referência à falta de cilindros de oxigênio que tivemos em hospitais por todo o país. Bolsonaro se posicionou contra a vacinação da população desde o surgimento das vacinas, dizendo que não tomaria a vacina, e que tomasse quem quisesse, mas ao mesmo tempo, Bolsonaro decretou sigilo de sua carteira de vacinação.

Então, sim, Bolsonaro tem sangue em suas mãos, apesar de se dizer Cristão. E não vamos nem nos aprofundarmos em outras polêmicas como as rachadinhas, imóveis comprados com dinheiro público, nepotismo, e tantos outros escândalos de corrupção envolvendo Bolsonaro e sua família, nem mesmo um dos últimos episódios em que Bolsonaro diz ter “pintado um clima” entre ele e uma menina de 14 anos, sendo ele o homem que se autodenomina defensor da família, vamos apenas colocar nossa consciência em uso, e analisar se Bolsonaro age de acordo com o evangelho que deturpa e profana o tempo todo.  O evangelho é amor, mas se pergunte: você vê amor em Bolsonaro?

 

“Até quando vocês vão absolver os culpados e favorecer os ímpios? Garantam justiça para os fracos e para os órfãos; mantenham os direitos dos necessitados e dos oprimidos. Livrem os fracos e os pobres; libertem-nos das mãos dos ímpios.”

                                                                                                            - Salmos 82:2-4   


domingo, 23 de outubro de 2022

SÉRIE ESTUDOS - SOBRE O POPULISMO REACIONÁRIO

Sobre o populismo reacionário

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Lynch, Christian e Cassimiro, Paulo Henrique. Populismo reacionário: ascensão e legado do bolsonarismo. São Paulo: Contracorrente, 2022. 209 págs.

 

A noção de populismo encontra-se em discursos muito diferentes e, claro, em diferentes realidades. Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro propõem-se reconstruir em nossa história recente os elementos que lhe deram vida aqui e fazem uma crítica mais pertinente do que nunca. Para além das especulações de todo tipo e das diferentes abordagens acadêmicas, a verdade é que o fenômeno tem impactado e desgastado ao extremo – e talvez irreversivelmente – as democracias. Não é uma questão restrita às universidades e faculdades, mas está no núcleo do debate e da preocupação pública.

Os autores resgatam elementos constituintes da construção narrativa da política populista reacionária: uma concepção do povo, uma modalidade de representação, uma política e uma filosofia da economia e um regime de paixões e emoções. Cada um desses elementos é analisado e, em seguida, são reconstruídos alguns dos episódios que deram azo a esses momentos que podem ser considerados como irrupções do populismo reacionário, para finalmente realizar uma crítica perspicaz e pertinente.

O livro vai longe. O componente e nutriente emocional do populismo reacionário mobiliza ressentimentos de forma destrutiva, colocando ácido nas balizas do acordo democrático, mas também deslocando a tradição que lançou a arquitetura da ilustração entre nós; uma arquitetura que apostava na razão, no conhecimento e na ciência como características modelares da conversa pública, da convivência e até mesmo da luta política.

Quando se mobilizam retoricamente as paixões, sempre se coloca sob suspeição a civilidade e se constitui uma ameaça à democracia. Inclinada a falsificar julgamentos, desviar comportamentos, perturbar as relações com os outros e derruir a convivialidade na sociedade, isso pode engendrar nos grupos humanos, compostos de indivíduos isoladamente racionais, um sentimento de multidão incontrolável e até criminosa. Primeiro em linguagem comum e, depois, mesmo na ordem intelectual, a conotação reacionária se firma. Por referir-se ao excesso, a uma força descontrolada, tudo passa a ser quase como um sinônimo de “emoção” ou mesmo mais uma variável da ação humana. No entanto, seu uso em linguagem cotidiana gera muitas apreensões, uma vez que se mostra relevante quando as paixões extremas (em oposição à razão) inundam o espaço público.



É claro que paixões e política não podem ser dissociadas. Elas são combustíveis fundamentais para mobilizações de todo tipo. Muitas vezes, para quem a encarna, a política está cheia de emoções, tratando-se de matéria de graus. Não estamos, quando falamos de política, diante de uma atividade “fria” e/ou apenas racional, mas, se a racionalidade estiver nublada – ofuscada – pela emoção, todos estarão em dificuldades.

O populismo reacionário soube capturar e explorar essas emoções. O sentimento de raiva, de não ser considerado, produto de uma divisão entre o mundo dos poderosos e o resto dos mortais, foi colocado à flor da pele. E esse ressentimento tornou-se um poderoso nutriente para o discurso populista.

Paradoxalmente, nas sociedades democráticas, a informação corre com enorme velocidade e combina verdades com inverdades descaradas. As redes aumentam o poder das trocas e a leitura do significado do que está acontecendo torna-se mais difícil. Há uma catarata imparável de informação, quase impossível de digerir e ordenar. Nesse roldão, as versões conspiratórias acabam maculando as tentativas políticas de restaurar a coerência em um mundo vivido como indecifrável e ameaçador. O populismo reacionário atua como uma espécie de sedativo, oferecendo ordem à desordem e suposta compreensão ao caos. E somado a isso há erosão da confiança nas instituições democráticas, o ambiente armado para a exploração de visões simplistas, como a contundente contraposição entre “nós, o povo” e “a máfia no poder”. Na percepção de Tocqueville, uma ideia falsa, mas clara e precisa, terá sempre mais força no mundo do que uma ideia verdadeira e complexa.

Não é então apenas a expansão de um impulso reacionário, mas algo mais profundo. É um composto discursivo que atenta contra os grandes pilares civilizatórios que apostam no conhecimento científico e no humanismo como forja de um espaço público conhecedor e razoável, promotor de diálogo e debate informados, uma sociedade de indivíduos e não alguma forma de rebanho.

Kant disse que o Século das Luzes significaria o abandono pela humanidade da condição de minoridade. Esse abandono da minoridade significava vencer a eventualidade de ser usado ou ser guiado por outra pessoa. O populismo reacionário marcha na direção oposta: o mito parasitário – nos termos de Manuel Bomfim – pastoreia uma visão de mundo como um mingau simplista e contundente, explorando as emoções e oferecendo-lhes uma sensação de falsa transcendência.

É necessário recordar, como o fazem Christian Lynch e Paulo Henrique Cassimiro, que foi o momento civilizatório das Luzes que forjou usos e costumes, bem como direitos, instituições e normas que permitem uma convivência cidadã. O mais preocupante com a proliferação das alavancas populistas reacionárias é que elas não apenas minam o arranjo democrático, mas também vão de encontro a muitos dos hábitos que permitem uma vida democrática e republicana.


[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

BOLETIM ROMA CONECTION - EDIÇÃO EXTRA 2 - CARTA ABERTA AO LULA

 

JFK@gov para Lula@pres

Ítalo Calvo 

(Pseudônimo de um rubronegro muito famoso)

Prezado Lula

Estava conversando com o Roosevelt e o Vargas com a intermediação de San Tiago Dantas e eles me contaram que você representa o último líder do movimento operário do século passado, uma classe praticamente extinta como os camponeses. Vendo a sua campanha e seus debates com o seu adversário fiquei rindo pensando que Nixon era um escoteiro comparado com o que vocês criaram no Brasil, terra que ajudei com o “Aliança para o Progresso” e ganhei como retorno um local na periferia chamado “Vila Kennedy” com gente sofrida, mas alegre.

Eu entrei para a História por vários motivos, uns bons, outros ruins, como o meu fraco por mulheres e o que fazia na Casa Branca. Vi que Trump fez muito pior, segundo me falou George Bush pai. Um dos motivos pelo qual sou lembrado é o debate que fiz com Nixon na televisão. Ele suava, eu fiquei mais calmo. Ele não sabia usar a televisão, eu aprendi a usar a essa máquina fazendo o papel de bom-moço. O programa dele era melhor que o meu, mas queriam “comprar” um produto e não, ouvi-lo. Nixon e eu rimos disso outro dia num pôquer. Ele perdeu porque eu sei blefar melhor. Minhas sugestões para essa reta final:

- Esqueça o voto evangélico. Não use essa expressão. Eu fui o único católico que presidiu os EUA e levei muita pedrada e nunca precisei fazer um pedido para qualquer outra religião. Na minha época já existia líder religioso picareta que depois entrou para a televisão. Eu incluí os negros, os latinos furiosos com Fidel. Acenei para os jovens. Fale para os jovens. Vi um rapaz fumando algo esquisito num programa e você falava sobre o que fará pelos jovens na geração 4.0. Foi algo positivo. Fale para os pobres. E diga algo legal: chame os evangélicos de Protestantes. Lembre que eles começaram protestando, Lutero era um revolucionário. Dica do Luther King que foi um ex-presidiário, como o Mandela.


- Os jovens têm hormônios em ebulição como eu. Fale de novo que todo mundo vai namorar. Só não diga “quem quiser”. Só namorar.

- Eu vi uma parte do seu debate falando sobre Petrobras. Não entendi nada. Perguntei ao Lacerda, com quem tenho boas relações e ele me disse: Lula nesse você “cirou”. Não entendi a piada interna. Só sugiro: evite números demais. Nunca precisamos disso para ganhar eleição nos EUA. O Dewey me falou que a garotada hoje presta atenção só uns 5 minutos no que se fala. Menos número e mais emoção. Mas controle seu tempo.

- Gostei da gravata. Ela chamou a atenção. Repita. Faça a sua marca. Aposente as vermelhas. Tem uma menina aí que já falou sobre isso. Teu povo fala sobre não ser vermelho e esquece que o nome do país vem de brasa, vermelho. Fale mais do futuro. O JK me disse que o slogan dele falava sobre futuro. Vargas me contou que ele sofreu porque só falavam de passado.

- Eu não bato papo com o Mussolini, mas meu pai tinha amizade secreta com ele por mais de dez anos. Meu pai me disse que não adianta chamar fascista de fascista. É elogio. Mussolini não gostava de lembrar das derrotas, como o desgaste na Etiópia e a vergonha na II Guerra. Fale mais da pandemia. E lembre que Bolsonaro foi expulso do exército. Patton ouviu uma frase um aliado seu e gostou: Quem nunca foi um bom soldado, jamais será um bom comandante. Lembre que seu adversário tem que sair expulso da presidência como saiu do Exército. Isso mexe com quem tem o cheirinho fascista. Imagino que deva ser esquisito ter um adversário que não é da sua praia. Tenha calma. Controle seu tempo. Ria. Roosevelt sepultou o Lindbergh (o nosso) com temperança.

- Por último, o “sonho americano” chegou com 100 anos de atraso. Os pobres não gostam mais de serem chamados de empregados ou funcionários. Todos são colaboradores. E o “sonho americano” agora é dizer que é “empreendedor”. Você teve e criou nos anos 1980 o sonho americano no sindicalismo. Não bata nisso dizendo que as pessoas são exploradas etc. Diga que vai ajudar no sonho. Sabemos que é um pesadelo, mas as pessoas gostam de sonhar.

Jacqueline mandou recomendações. Disse que a anterior na sua campanha é melhor que a atual. “O menos é mais”. Não entendi o que ela quis dizer.

Atenciosamente,

John Fitzgerald Kennedy


sábado, 22 de outubro de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION - NÚMERO 35 - ESTAMOS DE FATO NA RETA FINAL?

Sob a ameaça de Torquemada

Em memória de Lyncon Guidion

Vagner Gomes de Souza

 

Tomás de Torquemada foi um inquisidor-geral espanhol que viveu no século XV. Esteve a serviço da Igreja Católica em nome de um fanatismo que lhe qualificaria em muito a mentalidade distinta do iberismo hispânico em relação ao português. Sebastián de Olmedo o chamou de "O martelo dos hereges, a luz de Espanha, o salvador do seu país, a honra da sua ordem". Essa era a “espinha” dorsal de uma unificação sob a égide da religião como discurso de Estado. Estima-se que foi responsável por aproximadamente 2200 pessoas levadas ao suplício da fogueira.

Nesses tempos de “linchamento virtual” presentes em tantos quadrantes políticos, expor o ódio contra a afeição se tornou cada vez mais uma ameaça a Democracia no mundo. A mobilização nas redes sociais contribuiu para aceleração da individualização da sociedade numa lógica de um profundo individualismo metodológico em que muitas vezes as instáveis aproximações seriam em contextos de tentar ter algum benefício individual como se fosse um “efeito carona”.


Novos inquisidores se materializaram como vozes rudes que refletem uma sociedade fraturada e muito mais aberta aos pronunciamentos reacionários. O medo dos fantasmas de um sistema político que deixou de existir desde a queda do “Muro de Berlim” se observa muito nesse universo inquisitorial de Torquemada na sua busca identitária. Nada abala as concepções dos fanáticos como observamos nas lições sobre o fascismo (uma das múltiplas correntes do extremismo de direita) surgido no entre guerras junto com a pandemia da “Gripe Espanhola”.

Não nos estranha que o temor de que tenhamos “Casas de Banho” Unissex não tenha sido solidário no repúdio as falas e práticas infelizes sobre as jovens venezuelanas. Os olhos estariam vendados para a sensibilidade e a racionalidade numa política cada vez mais “Barroca”. O mundo do absolutismo está se tornando mais forte nesse contexto que se permite condenar a globalização ao contrário de orientar para sua republicanização. Os desafios são inúmeros, mas percebemos na leitura da fundamentação programática do bloco governista a “manipulação do medo” em relação ao novo e as mudanças.

As palavras do candidato a reeleição ressoam forte ao vaticinar na noite do dia 2 de outubro sobre os perigos de abraçar as mudanças. Todavia, desejam que se ande para trás em inúmeras conquistas sociais em relação ao poder de compra dos assalariados e aposentados/pensionistas. No país da “fila do osso” há aqueles que acreditam nos devoradores de cães acima da linha do Equador. Aqueles que desacreditaram que havia mortos nos caixões por conta da COVID-19 seriam os mesmos a acreditar numa ameaça a liberdade religiosa. Não confortaram as famílias e órfãos da COVID-19 e cinicamente dizem que defendem os valores da família. Não é somente as perdas da pandemia,  mas também a perda gradual da afeição. O mundo reacionário é movido pelo ódio e pela mentira.

A Carta Constitucional de 1988 está sob a ameaça dos visionários fechados as boas novas anunciadas na partilha do Pão. E anunciam cada vez mais novos retrocessos que vão atingir as mulheres e a juventude uma vez que há fratura em nossa Terra Prometida uma visão do paraíso. Sob ameaça de Torquemada surgem parlamentares que insinuam a inquisição de jovens universitários que seriam “taxados” como “filhos de papai”. Esse é mais um exemplo do perfil ignóbil de uma sociedade adoecida uma vez que se indultou um parlamentar condenado por atacar um dos Três Poderes (ao mesmo tempo em que mais de 19% de eleitores sufragaram, mesmo sub judice, esse candidato ao Senado enquanto que o mesmo teve aproximadamente 25% dos eleitores num bairro predominantemente evangélico na capital carioca).

Não é liberdade de expressão que está sob ameaça, mas seus limites republicanos impostos pelos marcos legais. Nesse momento a força da Cruzada Iliberal contra um Brasil muito abalado economicamente pela pandemia precisa de que a juventude dedique mais tempo de ocupação das ruas para dialogar com eleitores indecisos. A fase das Lives e dos influenciadores já passou. As ruas estão abertas para que os jovens falem para os jovens que se deixaram mobilizar pelas fake news. Os segmentos mais idosos precisam ser acolhidos pelo ânimo desses eleitores novos para que suportem a travessia de reconstrução nacional. Por fim, as mulheres seriam mais bem acolhidas pela juventude nessa dinâmica eleitoral. Aqueles que não tenham tempo nesses próximos dias que justifiquem no futuro, aos seus filhos e netos, o motivo de sua omissão. Não façam como o memorialismo sob a Alemanha Nazista registrou diversas respostas evasivas sobre atitude: “Não sabíamos de nada”.


terça-feira, 11 de outubro de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION - NÚMERO 34 - PANTANAL E O BRASIL REAL

Pantanal e as eleições

Por Pablo Spinelli

 

Acabou Pantanal, um dos poucos casos raros de remake de uma novela que deu certo no mesmo nível que a anterior. A original, exibida por uma emissora carioca – rompendo o monopólio global – rompeu com uma estética convencional da teledramaturgia que ainda era presa ao teleteatro e aos planos da televisão americana. Num misto de ousadia e inventividade por falta de recursos financeiros, a Rede Manchete mostrou para o país aquilo que o presidente JK, amigo do então dono da emissora, Adolpho Bloch, realizara no governo: a marcha para o Oeste brasileiro, pelo bem e pelo mal.

Curiosamente, a conjuntura brasileira não era de boa fortuna para a democracia e instituições brasileiras, assim como a do remake: um presidente que foi eleito com discurso da antipolítica; do anticomunismo; defensor da moralidade pública e nos costumes e defensor do neoliberalismo. Esse era o perfil de Fernando Collor, esse ano derrotado fragorosamente em Alagoas e aliado de primeira hora do atual presidente e candidato à reeleição.

Muita coisa mudou de lá para cá. A Manchete faliu e dois impeachment depois, a sociedade brasileira tem que fazer um ato da ética da responsabilidade acima da ética da convicção pela manutenção da democracia, do pão, da razão e da própria existência do pantanal. Para a Aliança Democrática de oposição o tema tem que sair da antropofagia modernista e entrar no Brasil real que não é o da USP, mas o do patriarcado de capitalismo moderno e avançado representado pelo Marcos Palmeira e seu José Leôncio.

A oposição tem que parar para pensar que o Brasil conservador e a panaceia do “voto evangélico a favor da teocracia” assistiu a uma novela que tinha um “Cramulhão”; um espírito das águas e das matas, quase um orixá caboclo vivido pelo Osmar Prado, o mesmo que os mais velhos riam das estripulias do poliamor do Tabaco na novela Roda de Fogo. Os conservadores não fizeram um abaixo-assinado e nem passeatas ao ver dois peões se beijando no último capítulo – como aconteceu com outras novelas. Há necessidade de paciência com o mover do mundo, já nos dizia Joaquim Nabuco.

Um país formado por rupturas pelo transformismo não irá ver uma sociedade feita à fórceps pelo identitarismo americano que tomou força nos discursos neo-anarquistas do mundo acadêmico. As palavras perdem força diante dos fatos: Maria Bruaca, interpretado com força de Isabel Teixeira, defendida pelas feministas, nada mais queria que ser a única esposa de sua família. Fez de tudo para seu casamento não ruir, inclusive propor o trisal, para manter o marido. Todas as mulheres queriam não outra coisa a não ser um casamento (Filó, Zefa), ser mãe (Juma, Guta) e felizes (todas). Nessa reta final para o segundo turno a candidatura da Aliança Democrática tem que entender a novela pela sociologia e pela política. O cantor Sérgio Reis, autor da música mais tocada na roda dos peões, apareceu na festa de José Leôncio. Que a mulher do Pantanal, Simone Tebet, possa ajudar a campanha para um “larga mão” da Avenida Paulista pelo futuro dos filhos dos filhos dos nossos filhos no embarque da chalana da Esperança.

sábado, 8 de outubro de 2022

BOLETIM ROMA CONECTION - NÚMERO 33 - DESAFIOS NO SEGUNDO TURNO

Prorrogação

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Os resultados do primeiro turno das eleições brasileiras trazem várias lições para o país e para toda a América, que valem a pena assimilarmos. São de vários tipos, mas gostaríamos de nos concentrar em três: para os pesquisadores de toda a região; para Lula, para seu partido, para sua coligação eleitoral; e para os progressistas do continente.

Pela segunda vez em poucos meses, as pesquisas subestimaram o eleitorado de centro-direita e de direita na América. Foi o que aconteceu no Chile, tendo em vista a proporção muito maior do que as pesquisas apontavam, no referendo sobre a nova Constituição, no início de setembro. E agora, claramente, as pesquisas no Brasil também operaram em desenhos análogos sobre o voto a favor da centro-direita e da direita. Algumas pesquisas que lhe deram 48% estavam corretas na estimativa do percentual de Lula, mas quanto às centro-direita e a direita, a maioria das pesquisas previa entre 35 e 40% dos votos, e elas terminaram com 43%, uma diferença considerável.

A explicação mais provável em ambas as experiências – Chile e Brasil – é algo que já havia sido visto nos Estados Unidos da América (EUA) e em alguns países europeus, a saber: eleitores de centro-direita, de direita e/ou de extrema-direita relutam em confessar sua verdadeira intenção de votar ao pesquisador.

Essa síndrome, que nos EUA é uma teoria chamada de efeito Bradley, nasceu com a eleição para governador da Califórnia em 1982. Nessas eleições, o prefeito de Los Angeles, Tom Bradley (1917-1998), negro, estava à frente em todas as pesquisas. Ele perdeu para seu rival republicano George Deukmejian (1928-2018). A explicação encontrada pelos pesquisadores, que previam a vitória de Bradley, é que grande parte dos eleitores, mais de centro-direita, não quiseram admitir que jamais votassem num negro.

A lição para Lula e sua aliança é que, além da fragilidade que certamente se percebe nas duas casas do Congresso, onde a centro-direita e a direita alcançaram números melhores do que o esperado, o país permanece muito dividido. Se olharmos para os resultados desastrosos da gestão de Bolsonaro, em questões econômicas: na gestão da pandemia, na defesa do meio ambiente e no seu ridículo papel internacional, racionalmente poderia se esperar uma rejeição muito mais retumbante do eleitorado. Mas não é por esse parâmetro que as pesquisas deveriam ter ido. O povo obviamente votou; em parte contra o PT, em parte por causa do reacionarismo de Bolsonaro; mas não o abandonou por causa de critérios racionais por seu péssimo desempenho como presidente. Obteve quase dois milhões de votos a mais do que em 2018.


Isso significa que Lula, na prorrogação, tem tudo menos um programa para um mandato. Inteligentemente, o ex-presidente antes do início da prorrogação, falou pouco sobre o que planejava fazer e muito sobre o que havia feito durante seus anos como presidentes. Mas agora, por necessidade, terá que dizer, moderadamente, suas ambições sociais, ambiental, econômica e internacional dada a força que consolidou a centro-direita e a direita brasileira. Lula é um político inteligente, e com certeza saberá se alinhar com a realidade.

A lição para os democratas ibero-americana é que, apesar da pandemia, da contração econômica derivada dela a partir de 2020, da desigualdade, da péssima gestão da centro-direita e da direita em muitos desses países, os eleitores da região estão não estão dispostos a dar a seus governantes um mandato fora da revolução passiva. Querem alternância, querem mudança, querem uma política social ambiciosa, ousada e eficaz, mas não procuram uma revolução que não seja passiva. Concretamente, a centro-direita e a direita continental existe. Os resultados do Brasil e do Chile confirmam isso.

Teremos que ver com mais detalhes nos próximos dias e semanas porque os brasileiros votaram como votaram, qual é o perfil preciso das eleitoras e do eleitor da centro-direita e da direita, o porquê da opção inicial pelo reacionarismo de Bolsonaro e das eleitoras e eleitores de Lula, tanto em termos regionais quanto étnicos, em termos de gênero, religião, idade e inclinação política. Mas, por enquanto, essas três lições preliminares parecem ter chegado do primeiro turno das eleições brasileiras.

 

7 de outubro de 2022



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

SÉRIE ESTUDOS - RESENHA DO LIVRO LINGUAGEM DA DESTRUIÇÃO ALERTA SOBRE O BOLSONARISMO


Bolsonarismo como linguagem da destruição

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Starling, Heloisa Murgel, Lago, Miguel e Bignotto, Newton. Linguagem da destruição: A democracia brasileira em crise. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. 174 págs.

 

O início do século XXI encontrou intelectuais de várias experiências nacionais muito preocupados com o estado em que se encontra a democracia. A análise e as conclusões obtidas pela "intelligentsia" revelam crise funda deste sistema de governo. A crise tem se expressado de diversas maneiras, entre as quais a falta de interesse pela política, a diminuição do apoio a essa forma de governo e, sobretudo, a perda de confiança na democracia e nos atores políticos que lhe dão vida. Há apenas quatro anos, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt publicaram "Como as democracias morrem" (Rio de Janeiro: Zahar, 2018), em que a democracia aparece como sistema de governo muito deteriorado em termos de credibilidade, uma questão muito sensível se pensarmos que é a cidadania que vai às urnas.

Nesse cenário, Starling, Lago e Bignotto destacam as novas linguagens da destruição da democracia. O livro ilustra abundantemente as significativas linguagens que fraturam e enfraquecem esse sistema de governo entre nós. Combina, ainda, três bases teóricas – história, filosofia e ciência política – para analisar a experiência brasileira nascida do resultado eleitoral de 2018, que mostra as tentativas recentes de colapsar o sistema político. Do ponto de vista desses acadêmicos, incentivou-se a infiltração na estrutura do governo Bolsonaro de uma nova casta de políticos e líderes de diferentes áreas, com mandato democrático, que utilizam os próprios instrumentos do sistema para exercer o poder autoritariamente, às vezes aparentando estarem próximos do tipo ideal totalitário de Hannah Arendt (1906-1975). E são tão dogmáticos quanto às ideologias de igual estirpe concebidas nos séculos anteriores.

A semelhança com os anos 1920 e 1930 para por aqui. Lá havia o avanço do totalitarismo – o fascismo e o nazismo –, mas a nossa circunstância é completamente diferente. No arcabouço histórico, filosófico e político que fornece o sistema de governo democrático brasileiro, representantes eleitos exercem uma liderança autoritária que destrói até mesmo as formas mais simples de participação. Apesar de não advirem de golpes de estado de velho tipo, com origem militar e/ou cívico-militar, o governo Bolsonaro e o movimento que leva o seu nome cumprem uma trajetória que atenta contra o desenvolvimento participativo e representativo da sociedade, como se verificou durante várias décadas do século XX. Efetivamente, os golpes sangrentos, que custaram à vida de milhares de cidadãos, foram substituídos em nossos dias pelo advento de sujeitos autocráticos que exercem o poder, transgredindo instâncias de participação vital para a democracia.

Nesta ascensão ao poder, o livro atribui responsabilidade decisiva aos partidos políticos. Essas instituições é que deveriam resguardar o sistema político democrático, evitando a ascensão em suas estruturas de figuras autoritárias. Os políticos devem, portanto, ser guardiões da democracia e os partidos não podem sucumbir a outsiders e a figuras disruptivas que visam tão só o assalto ao poder. A preocupação dos textos gira em torno da preservação da democracia, insistindo na necessidade de resguardar dois princípios fundamentais: tolerância e contenção. Ambos devem ser garantidos pelas instituições que sustentam nosso sistema político.

A análise apresentada por Starling, Lago e Bignotto leva o leitor a reflexões sobre o governo brasileiro atual e sua reverberação em outros lugares do mundo, com os consequentes impactos nas formas de governança. O aviso fundamental de "Linguagem da destruição" concentra-se nos líderes políticos que assumem o poder democraticamente, mas transgridem autocraticamente as regras. Valendo-se dos fundamentos de uma sociedade tolerante, eles podem se expressar livremente e têm nessa janela a oportunidade de serem protagonistas das tentativas de derruição da democracia. Para tanto, colocam mais lastros na cruz da desigualdade seiscentista (o que é próprio da dimensão religiosa do bolsonarismo, que opõe a mística à racionalidade) e erguem empecilhos para a construção de um futuro mais equitativo e justo para todos os cidadãos.

 

24 de setembro de 2022



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.