sexta-feira, 12 de julho de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 048 - MULHERES NA POLÍTICA

A primeira-dama Laura Bush e a Sra. Michelle Obama sentam-se na residência privada da Casa Branca na segunda-feira, 10 de novembro de 2008, depois que o presidente eleito e a Sra. Obama chegaram para uma visita. Foto da Casa Branca por Joyce N. Boghosian.

Mrs. Obama e a bengala de seu pai

Vagner Gomes de Souza[1]

 

“Não o conflito violento entre partes da verdade, mas a supressão silenciosa de metade dela é o mal formidável: há sempre esperança quando as pessoas são forçadas a ouvir ambos os lados; É quando atendem apenas a um que os erros se endurecem em preconceitos, e a própria verdade deixa de ter o efeito de verdade, por ser exagerada em falsidade. E como há poucos atributos mentais mais raros do que aquela faculdade judicial que pode sentar-se em juízo inteligente entre dois lados de uma questão, dos quais apenas um é representado por um advogado diante dela, a verdade não tem chance senão na proporção que cada lado dela, toda opinião que incorpora qualquer fração da verdade, não só encontra advogados, mas é tão defendido que deve ser ouvido. Reconhecemos agora a necessidade para o bem-estar mental da humanidade (do qual dependem todos os outros outros bem-estar) da liberdade de opinião e da liberdade de expressão de opinião (...)”

John Stuart Mill -  On Liberty, p. 60.

 

O nome Michelle ganha uma diversidade de conotações políticas no mundo político brasileiro diante dos limites da leitura da análise de conjuntura. O tema da tolerância definida por John Stuart Mill em seu clássico livro On Liberty colocaria a versão brasileira como a grande força de um movimento de empreendedorismo como forma de empoderamento feminino. A circulação livre do pensamento num “mercado de ideias” sob o ponto de vista de uma identidade nacional e com viés religioso. Os atributos de uma tolerância que não implica em mais democracia, porém nos atentemos que essa leitura americanizada e autônoma observou no perfil de muitas expressões de candidaturas identificadas com o campo progressista.

O liberalismo político muito se expandiu nesse mundo globalizado, porém digamos que dos princípios de uma luta pela tolerância enunciadas por Locke a muito dos desafios apresentados por Hobbes. Não nos esqueçamos de também que Mill escreveu um ensaio entre os pioneiros na luta pelos direitos das mulheres (A Sujeição das Mulheres) pouco conhecido por aqueles que se enjaulam nas opiniões simplistas. A força das mulheres na política é um impacto que se deve mensurar diante dos desafios da Democracia uma vez que muitas lideranças políticas femininas desde a Senhora Thatcher assumiram esse legado distante do compromisso com o reformismo social mesmo que alimentasse o reformismo societal de costumes.

Em suas notas sobre o americanismo e o fordismo, Gramsci se atentou em relação aos aspectos da questão sexual. Segundo o pensador sardo, “a função econômica da reprodução: ela não é apenas um fato geral, que interessa à sociedade em seu conjunto, para a qual é necessária uma determinada proporção entre diversas idades tendo em vista a produção e a manutenção da parte passiva da população (passiva em sentido normal, por idade, por invalidez, etc.), mas é também um fato ‘molecular’, interior aos menores aglomerados econômicos, como a família.”[2] Desde o Manifesto de 1848, a leitura marxista sobre esse tema que não nos seria estranha em enunciar os novos sujeitos da sociedade em distinção aos movimentos de natureza reacionária como observamos na gestão italiana de Georgia Meloni.

Portanto, os tempos políticos de incertezas nos permitem a afirmar que nenhuma postulação política está consolidada com antecedência diante da emergência de um eleitor-vigilante que se alimenta da denúncia para se fazer ativo na política. Toda reeleição legislativa (vejam os exemplos recentes de eleições legislativas em Portugal, parlamento da União Europeia, Inglaterra e França) é um grande desafio na política contemporânea o que fez muitos parlamentares democratas irem ao desespero diante das falas do presidente Joe Biden na sua insistência em disputar a reeleição diante de uma candidatura negacionista do bom senso da política democrática.

O tempo urge por uma saída honrosa para as forças democráticas norte-americanas. Há um silêncio respeitoso sobre a Senhora Obama uma vez que a tarefa é árdua para um partido que se deixou contaminar por uma individualização dos sujeitos excessiva. Todavia a percepção de Michelle Obama sobre Laura Bush desde a visita da Casa Branca na transição é um primor para aqueles que desejam defender a tolerância contra as nuvens cinzentas da invasão do Capitólio e suas derivações. A grandeza política dela se observa tanto em Minha História quanto em A Luz que nos Ilumina: Superação em tempos incertos livros de memórias comparáveis às memórias tocquevillianas, porém poucas lideranças políticas aprenderam com a leitura da ex-primeira dama que na introdução de seu livro de 2022 menciona o desafio de seu pai em dar seus passos na vida com o uso de uma bengala. A lembrança da “bengala” do pai de Obama é um pouco do que se espera de novos rumos a se dar em trajetórias políticas aqui em alhures. Desde que tenhamos sanidade na política.



[1] Doutorando em Ciência Política na UNIRIO na área Comportamento Político e Eleitoral.

[2] Gramsci, Antonio – Cadernos do Cárcere, volume 4. Edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 251.

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