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1) Seria possível fazer um breve balanço das indicações ao Oscar 2024 sob a luz do terceiro ano do mandato de Joe Biden?
Creio que o Oscar, mesmo decadente e sem a mesma influência na juventude, vítima da combinação do algoritmo com inércia, ainda é um termômetro do principal mercado de cinema mundial. E esse mercado ainda dita algumas regras e é reflexo da conjuntura. Após uma avalanche de equívocos sob a pressão das corporações identitárias que resultaram em filmes que não eram vistos a não ser nesses nichos, as indicações tiveram mais em conta algo que combinasse desempenho, força na bilheteria e representatividade. Creio que dentro do que veremos nos EUA esse ano houve um aprumo das pautas do liberalismo corporativo (contradição em termos?) para aquilo que o prêmio se tornou: uma elegia à indústria, aos bons elencos, à bilheteria. Há um equilíbrio entre os Democratas raiz e os de “novo tipo” - os identitários, cuja “narrativa” mostra sinais de esgotamento aqui e alhures, basta ver Trump. O esquecimento do remake “A Cor Púrpura” é um indicativo não do racismo estrutural, mas do enfado coletivo mesmo que ainda se encontre “Pobres Criaturas”, um libelo contra os homens. A síntese do estado das coisas está na aposta que Taylor Swift possa reverter o caos a favor do atual presidente.
2) “Oppenheimer” ser consagrado no Oscar de 2024 ou a volta de Donald Trump a Presidência dos EUA. Qual é a grande “barbada” de 2024?
Muito dura a sua provocação. A curto prazo, o filme deve vencer em categorias importantes como Melhor Filme, Direção, Ator e Ator Coadjuvante. A médio prazo se avizinha um péssimo cenário. A volta de Trump mostra os equívocos da gestão Biden – nos conflitos bélicos, na comunicação com a sociedade, na falta de um candidato melhor (a vice foi uma escolha identitária de cota, e agora, como se faz a política? Como se faz omelete sem quebrar os ovos?). A economia americana está melhor, com desemprego em queda livre, inflação voltou ao controle, aposta numa energia renovável, mas isso não chegou a furar a bolha do ressentimento. Sobre o tema do ressentimento, creio que o personagem brilhantemente vivido por Robert Downey Jr em Oppenheimer é bem didático sobre as suas consequências.
3) Em 2018, você assim afirmou:
“(...)Além disso, aparecem dois filmes que dialogam entre si; “O Destino de uma Nação” e “Dunkirk”, cuja temática é a derrota vitoriosa, algo de difícil digestão para os públicos mais jovens que são inundados por um heroísmo mítico que tem a vitória – seja a que preço for – como meta alcançada.”
O que mudou para que Oppenheimer (sob direção do C. Nolan de “Dunkirk”) chegasse as 13 indicações ao Oscar 2024?
O dinheiro. O filme fez bilheteria. É brilhantemente bem desenvolvido. Tem um diretor com uma influência nos mais jovens que foi a excelente trilogia Batman. Um tema árduo como a física e bomba nuclear – e toda uma discussão moral sobre o episódio - numa cinebiografia com mais de 100 personagens com muitos diálogos conseguiu captar a atenção tiktokeana. Esse filme mostra a importância do ensino de História na educação básica. Quando se sabe sobre II Guerra, Roosevelt, Macarthismo, URSS, as coisas ficam mais fáceis de compreender. Creio que Dunkirk tenha sido um ensaio geral para Oppenheimer. Além disso, há a política. O projeto Manhattan não surgiu de um grupo ideológico “X”. Foi uma frente de cientistas – todos homens e brancos – contra o nazismo e o totalitarismo japonês que precisa ser mais bem conhecido.
4) Em “Dunkirk”, há a atuação de Cillian Murphy. Esse ano ele é o favorito ao Oscar na categoria Melhor Ator?
Ele é um ator que mostra sua força há muito tempo. Ele ficou em segundo na disputa pelo Batman de Nolan, ficou como o Espantalho, além de ter atuado numa das séries mais populares entre os jovens, “Peaky Blinders”. Paul Giamatti (Os Rejeitados) é um ator inteligente, mas é para cinéfilos. Colman Domingo (Rusty) é muito promissor e está no filme errado. Não vi o trabalho de Jeffrey Wright (American Fiction) mas sempre é muito competente. O grande equívoco é a escolha por Bradley Cooper – que é um bom ator, mas não foi feliz na concepção e atuação em Maestro. Cadê Leonardo e Barry Keoghan (Saltburn)?
5) Na categoria Melhor Atriz, temos alguma favorita?
Em 1973, Marlon Brando recusou o Oscar e mandou uma descendente indígena fazer um discurso contra o tratamento aos indígenas americanos. Foi uma grande polêmica, ainda se vivia sob a sombra de John Wayne. Passado meio século, eis que uma atriz de origem indígena muito, muito boa, que não se apequenou diante de Leonardo Di Caprio e Robert DeNiro é no momento da entrevista a favorita. Lily Gladstone (Os assassinos da Lua das Flores) tem muito a nos ensinar sobre a tragédia que se abate sobre os yanomami. Ao lado dela há a ótima Emma Stone (Pobres Criaturas) que tem uma grande atuação física; depois Carey Mulligan, que é o centro de Maestro e Sandra Hulley pelo impecável “Anatomia de uma queda”. Anette Bening, uma ótima atriz tem uma atuação caricatural em Nyad. Inacreditável que Margot Robbie tenha perdido essa vaga por Barbie. Vão querer premiá-la por um filme menor ano que vem ou em 2026.
6) Esse ano, o Oscar de Direção será consagração de um inglês que já ambientou Gothan em “O Cavaleiro das Trevas” (2012) ou podemos ter surpresas?
O mundo gótico tem seu berço na Inglaterra. Não creio que Scorsese ganhe por aquele que pode ser um dos seus últimos trabalhos. Uma pena. Acho que Nolan fez por merecer ao ousar fazer e escrever um filme tão complexo. Agora, se em fevereiro o lobby corporativo tomar conta dos corações e mentes, a concorrência (justa) será com a francesa vencedora de Cannes, Justine Triet por Anatomia de uma queda. Acho que vai dar Nolan. Interessante que não se questionou nas redes a ausência da diretora de Barbie. Será que a expectativa se frustrou ao ver uma boneca querendo engravidar? O tema do aborto será um ponto na campanha eleitoral. Não deveria, mas será.
7) Na categoria Melhor Filme Estrangeiro, o estado de natureza humana de “A Sociedade da Neve”, em tempos de VOX, concorre com as consequências da anomia em Durkheim do filme “Io Capitano”, em tempos de Fratelli d´Itália. O que sugerem essas indicações?
Mal sinal. Os filmes são bons. A sociedade da neve tem sucesso pelo sadismo que o público apurou com o BBB e o cinema (ruim na maioria) atual de terror. O Papa gostou de “Io Capitano” que trata sobre o tema dos refugiados e fez boa trajetória no Festival de Veneza. A sociedade da neve tem uma trajetória divertida. Os críticos lembram que o episódio triste que ocorreu com atletas uruguaios foi retratado por americanos (Vivos) e que foi melhor uma versão com pessoas falando em espanhol. Ora, essas correias identitárias e suas contradições em termos. Dos EUA não pode, mas da “visão colonial” pode? O filme podia ser avaliado em outros contextos, como a sua provocação: A Academia dará o Oscar para a direita? Sim. Acho que vencerá Zona de Interesse. Lembremos que Israel está em guerra contra o Hamas.
8) Há 40 anos, “Memórias do Cárcere” foi lançado no cinema brasileiro por Nelson Pereira dos Santos. Não seria esse um bom desafio para que tenhamos um filme competitivo para o Oscar 2025 - algo que não ocorre desde a animação “O Menino e o Mundo” (2016) que perdeu para “Divertida Mente”?
O problema é que desde os anos 2010 o que vemos é a multiplicação de tratados sociológicos. O cinema brasileiro tem ótimos atores, extraordinários diretores de fotografia, melhorou o som, mas o que falta na comparação com os argentinos? Roteiro. Um roteiro para além do gueto, para além dos Festivais internos. A comédia de costumes ocupa a maior parte do nicho do consumo interno. Por quê? Porque fala para a classe média. E os subalternos gostam de se ver como tal? Joãozinho Trinta falou algo sobre isso. Paulo Gustavo dava uma reviravolta nos extremos. Como filmes de um homem vestido de mulher falando sobre o universo gay com dezenas de palavrões conseguia chegar aos conservadores? É necessário lembrar da nossa literatura com carinho. Há uma tradição em uma Rachel, num Jorge Amado, num Graciliano. É possível fazer rir, ser universal, ser crítico? Oduvaldo Vianna Filho e Armando Costa em plena ditadura fizeram A Grande Família. Nelson Pereira dos Santos adaptou o conservador Nelson Rodrigues e filmou a trajetória de Milionário e Zé Rico. Um pouco de “centrismo” não faz mal a ninguém.
O Oscar é a festa de roliúde.
ResponderExcluirgenial!
ResponderExcluiro Oscar apesar de ter sua importância inegável no mercado cinematográfico, realmente tornou-se um jogo político.
Acho que acerta tudo novamente, Pablo. Abraços.
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