domingo, 4 de fevereiro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - SOBREVIVÊNCIA DO PLANETA

O necessário despertar para um novo tempo

 

Marcio Junior[1]

 

Para Marco Aurélio Nogueira

 

São fatos recentíssimos a onda de calor que é sentida pelos argentinos, tal como foi e será por nós, assim como o aumento exponencial de detecção de determinadas doenças em populações que não conviviam com elas, principalmente por conta do clima ser um elemento importante no que diz respeito aos seus vetores de transmissão, como no caso da dengue.

A questão ambiental é central neste mundo turbulento, pois ela nos desafia a fazer, em poucos anos, um esforço que normalmente faríamos em muitos. A rotação do planeta, aquela que é, para Joaquim Nabuco, a verdadeira força de mudança, precisa ocorrer em um ritmo mais acelerado a fim de darmos conta da tarefa que a boa ciência tem nos colocado como necessária para a sobrevivência e o bem-estar das gerações futuras.

Logo, se impõe a pergunta: isso ocorrerá ou é necessário trabalhar compreendendo que este ritmo é mesmo lento? Respondê-la demanda um exercício histórico criterioso; não é porque há coisas que devem ser feitas, mas exigem um prazo maior para caminhar que não há outras, relacionadas a elas. Tão mais urgentes e precisam de resposta imediata. “De grão em grão a galinha enche o papo”.

O longa The Age of Stupid, A Era da Estupidez na tradução brasileira (2009), na prática é um documentário composto por gravações de várias partes do mundo mostradas coordenadamente por um personagem do futuro, um arquivista que guarda os registros de um mundo humano que não sobreviveu por conta das mudanças climáticas, nos põe um desafio já em seu título: a terminologia utilizada na tradução, se confrontada com a da língua inglesa, põe em choque duas escalas utilizadas para medir o tempo pela geologia, e nesta cronologia as "eras" contém em si um tempo muitíssimo maior do que as "idades", e para um geólogo esta seria uma confusão em cima de um conteúdo básico. Paralelamente a isso, nada impediu que Hobsbawn visse eras no interior da modernidade ou até mesmo que William Blake escrevesse, no prefácio do excepcional Milton (1810): Rouze Up O Young Men of the New Age, extraordinariamente bem lido pelo Prêmio Nobel de Literatura de 1994 Kenzaburo Oe, o qual um de seus livros se intitulou, em português, Jovens de um novo tempo, despertai (2006), tradução que é também cabível ao verso de Blake.

A dificuldade de lidar com essas diferenças também de cronologias, mais relacionadas à compartimentalização histórica das ciências e disciplinas do que ao problema ambiental em si, não é bem enfrentada tamanha a (im)possibilidade de recepção e debate bem feito deste mundo antropocênico pelas Humanidades, principalmente do que é produzido pelas geociências e não só, terminando por insular as ditas ciências humanas fora das discussões mais avançadas e torna-las incapazes de produzir um conhecimento sobre o tema que esteja em conformidade com nosso tempo, tornando os intelectuais impermeáveis à compreender que, apesar de se acreditar que os conhecimentos de diversas áreas não tem relação entre si, existem caminhos pelos quais podem conversar e formar agendas com um foco comum. Deriva disso que as Humanidades acabam fazendo falta, pois, mesmo com imensos avanços nos estudos ambientais e climáticos, as sociedades são dinamicamente complexas de modos muito particulares. E levar pouco em conta as várias formas que operam pelo mundo afora cria uma grande lacuna; afinal, a força sui generis que é o tecido social em que os indivíduos estão interligados entre si está intimamente relacionada com o fato do homo sapiens ser o grande dominador que é.

As consequências são várias, mas a que de fato importa é que isso nos atrasa politicamente no que diz respeito à formulação de um pensamento democrático e republicano para a mudança molecular em direção à consciência e mitigação do que nós e nossas atividades causam aos ecossistemas, assim como na contenção de mercados operando soltos e desregulados, cujo fetiche pelo crescimento sem freios esgota os recursos planetários a ponto de alterar suas dinâmicas de forma irreversível. Nada mais inadequado para este enfrentamento do que um liberalismo sem freios.

A política climática pressupõe, assim, uma frente democrática pelo bem-estar das espécies planetárias calçada em ação que convoque o que temos de mais avançado em matéria civilizatória, mas estudada e percebida de maneira inseparável à todas as formas de vidas e dinâmicas ambientais, unindo, como no caso da Agenda 2030 das Nações Unidas, Estados nacionais, empresariado e todo tipo de organização, elucidando os possíveis conflitos para que possa ser possível media-los e avançar. Afinal, ao contrário de sopas em afrescos, a luta pela Casa Comum pressupõe tanta seriedade, dedicação, estudo e lucidez quanto qualquer outra tentativa de tornar a vida melhor e mais digna. Talvez, além da produção de conhecimento e ciência de mais alta qualidade, seja necessário também um despertar para um novo tempo, tarefa sobretudo educacional provocada pelos literatos.



[1] - Doutorando em Ciências Sociais em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ.

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