O
necessário despertar para um novo tempo
Marcio
Junior[1]
Para
Marco Aurélio Nogueira
São fatos recentíssimos a onda de calor que é sentida pelos argentinos,
tal como foi e será por nós, assim como o aumento exponencial de detecção de
determinadas doenças em populações que não conviviam com elas, principalmente por
conta do clima ser um elemento importante no que diz respeito aos seus vetores
de transmissão, como no caso da dengue.
A questão ambiental é central neste mundo turbulento, pois
ela nos desafia a fazer, em poucos anos, um esforço que normalmente faríamos em
muitos. A rotação do planeta, aquela que é, para Joaquim Nabuco, a verdadeira
força de mudança, precisa ocorrer em um ritmo mais acelerado a fim de darmos
conta da tarefa que a boa ciência tem nos colocado como necessária para a
sobrevivência e o bem-estar das gerações futuras.
Logo, se impõe a pergunta: isso ocorrerá ou é necessário
trabalhar compreendendo que este ritmo é mesmo lento? Respondê-la demanda um
exercício histórico criterioso; não é porque há coisas que devem ser feitas, mas
exigem um prazo maior para caminhar que não há outras, relacionadas a elas. Tão
mais urgentes e precisam de resposta imediata. “De grão em grão a galinha enche
o papo”.
O longa The Age of Stupid, A Era da Estupidez na
tradução brasileira (2009), na prática é um documentário composto por gravações
de várias partes do mundo mostradas coordenadamente por um personagem do
futuro, um arquivista que guarda os registros de um mundo humano que não
sobreviveu por conta das mudanças climáticas, nos põe um desafio já em seu
título: a terminologia utilizada na tradução, se confrontada com a da língua
inglesa, põe em choque duas escalas utilizadas para medir o tempo pela
geologia, e nesta cronologia as "eras" contém em si um tempo muitíssimo
maior do que as "idades", e para um geólogo esta seria uma confusão em
cima de um conteúdo básico. Paralelamente a isso, nada impediu que Hobsbawn
visse eras no interior da modernidade ou até mesmo que William Blake
escrevesse, no prefácio do excepcional Milton (1810): Rouze Up O Young Men
of the New Age, extraordinariamente bem lido pelo Prêmio Nobel de
Literatura de 1994 Kenzaburo Oe, o qual um de seus livros se intitulou, em
português, Jovens de um novo tempo,
despertai (2006), tradução que é também cabível ao verso de Blake.
A dificuldade de lidar com essas diferenças também de
cronologias, mais relacionadas à compartimentalização histórica das ciências e
disciplinas do que ao problema ambiental em si, não é bem enfrentada tamanha a (im)possibilidade
de recepção e debate bem feito deste mundo antropocênico pelas Humanidades, principalmente
do que é produzido pelas geociências e não só, terminando por insular as ditas
ciências humanas fora das discussões mais avançadas e torna-las incapazes de
produzir um conhecimento sobre o tema que esteja em conformidade com nosso
tempo, tornando os intelectuais impermeáveis à compreender que, apesar de se
acreditar que os conhecimentos de diversas áreas não tem relação entre si, existem
caminhos pelos quais podem conversar e formar agendas com um foco comum. Deriva
disso que as Humanidades acabam fazendo falta, pois, mesmo com imensos avanços
nos estudos ambientais e climáticos, as sociedades são dinamicamente complexas de
modos muito particulares. E levar pouco em conta as várias formas que operam
pelo mundo afora cria uma grande lacuna; afinal, a força sui generis que é o
tecido social em que os indivíduos estão interligados entre si está intimamente
relacionada com o fato do homo sapiens ser o grande dominador que é.
As consequências são várias, mas a que de fato importa é que isso
nos atrasa politicamente no que diz respeito à formulação de um pensamento
democrático e republicano para a mudança molecular em direção à consciência e
mitigação do que nós e nossas atividades causam aos ecossistemas, assim como na
contenção de mercados operando soltos e desregulados, cujo fetiche pelo
crescimento sem freios esgota os recursos planetários a ponto de alterar suas
dinâmicas de forma irreversível. Nada mais inadequado para este enfrentamento
do que um liberalismo sem freios.
A política climática pressupõe, assim, uma frente democrática
pelo bem-estar das espécies planetárias calçada em ação que convoque o que
temos de mais avançado em matéria civilizatória, mas estudada e percebida de
maneira inseparável à todas as formas de vidas e dinâmicas ambientais, unindo,
como no caso da Agenda 2030 das Nações Unidas, Estados nacionais, empresariado
e todo tipo de organização, elucidando os possíveis conflitos para que possa
ser possível media-los e avançar. Afinal, ao contrário de sopas em afrescos, a
luta pela Casa Comum pressupõe tanta seriedade, dedicação, estudo e lucidez
quanto qualquer outra tentativa de tornar a vida melhor e mais digna. Talvez,
além da produção de conhecimento e ciência de mais alta qualidade, seja
necessário também um despertar para um novo tempo, tarefa sobretudo educacional
provocada pelos literatos.
Estou perplexo demais pra comentar.
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