Oppenheimer
fora da Geladeira
Por Pablo Spinelli
Para camarada
Ana Cláudia, Presente!
Bastam os dez primeiros
minutos de “Oppeheimer” para ser perceptível que não só está ali um filme
tecnicamente perfeito – o casamento entre imagem e som, o que caracteriza o
cinema – como humanamente brilhante – seja o denso roteiro com mais de 100
personagens com diálogos, seja o excepcional elenco – há muito não se via algo
similar em Hollywood, ou ainda, a habilidade, a destreza, a segurança de
Christopher Nolan, diretor de “O cavaleiro das trevas”, “A origem” e os
esquecidos mas excelentes “Amnésia”, “Insônia” e “O grande truque”.
O filme enfoca o físico
Robert Oppenheimer desde a sua formação acadêmica até seus últimos anos como
professor, sempre lembrado como “o pai da bomba atômica”, definição que alude à
glória da ciência do século passado e à possibilidade da destruição da
humanidade pelo uso de um poder bélico jamais visto a partir da fissão do átomo
de urânio. O filme perpassa dos anos 1930 a 1950 não só a trajetória do
personagem título como parte da história americana – do combate ao nazismo na
Frente Política com a URSS ao momento sórdido da caça às bruxas do macarthismo.
Dessa pequena biografia americana, Nolan, adaptador do livro que deu origem ao
roteiro tem alguns pontos a destacar.
O primeiro, uma
homenagem, uma elegia à ciência. Fica clara pelo enfoque à herança educacional
herdeira do renascimento do biografado. Seu vasto conhecimento para além da
física é de um curioso autodidata – cujo ego vai se permitir lembrar-se disso
assim como o diretor, que nunca fez faculdade de cinema. Em um momento que
vivemos uma pandemia que houve uma retórica histérica, ignorante e de má-fé, o
filme faz justiça ao mundo científico. O segundo, que mesmo tendo esse olhar
para a academia, não priva de críticas ao seu funcionamento – professores e
pesquisadores vaidosos, teias de competição e de cumplicidade para o bem e para
o mal, carreirismo, defesa de uma ciência neutra diante da política. O terceiro
ponto é que o filme faz algo que é raridade nos dias de Marvel e DC. Exige uma
participação reflexiva do espectador. O dilema moral do “Prometeu americano” é
algo que exige do espectador reflexões acerca do pragmatismo do uso da bomba
contra o nazismo e dos seus efeitos deletérios, pois quando a técnica não é
mais da academia passa a ser do Estado e das forças militares. O quarto ponto,
não menos importante, é a estrutura da história - multidimensional e sobreposta
como a física quântica, o universo da ascensão de Oppenheimer e a destruição de
sua moral a partir de sua relação - e não interação como frisada pela
personagem vivida por Emily Blunt – com o comunismo. O quinto ponto, é possível
criar uma frente contra o fascismo? Liberais, democratas, socialistas
conseguiram se unir para além de compartimentações - termo defendido pelo
surpreendente Matt Damon – e o que isso tem a nos dizer nos dias atuais?
Foi criada uma patética
dicotomia entre esse filme e Barbie. O mercado e a crítica não esperavam que
esse encontro criasse fusão ao invés de fissão. Ambos são complementares na
forma de fazer um filme assim como são convergentes por defenderem uma política
democrata raiz – e não a sua forma degenerada que tomou vigor nos anos 1970 em
diante que dessa montanha foi parido um Trump. Não é à toa a citação a John
Kennedy ao fim decisivo do filme. Ambos os filmes saem de guetos identitários.
Barbie faz uma frente política com os Kens contra a Mattel, tal qual os
cientistas judeus, não-judeus, de centro, de esquerda, homens, mulheres – uma
mulher traída manda seu marido parar de chorar a morte da amante porque tem uma
bomba para terminar -, militares se uniram contra a besta fascista. A percepção
de Oppenheimer que o mundo novo que viria prescindia de uma governança global
em termos rooselveltianos e que haveria uma corrida armamentista que abalaria a
democracia encontra ecos nos capítulos do historiador Eric Hobsbawm em “A Era
dos Extremos”: o equilíbrio do Terror. Oppenheimer sabia que havia criado a
chancela para o Terror e que o mesmo jamais vive em equilíbrio. Ele vive da
combustão incendiária de irresponsáveis e de omissos na ação política. Em
tempo: Cillian Murphy, em sua espetacular atuação (que em nada parece o cigano
ex-comunista e ex-combatente da série Peaky Blinders) e Robert Downey Jr (que
tem sua melhor performance desde o fantástico Chaplin que criou) ganharão o
merecido Oscar, tal qual o diretor do maior elenco estelar do século.
Não sou experto em cinema, mas gostei da análise do filme, a análise comparatoria com filme contemporâneo e sua inserção nos momentos em que o filme impacta a história. Maravilha. Parabéns!!!
ResponderExcluirVagner, interessante sua visão sobre o filme, sobretudo, os fatos da época.
ResponderExcluirLi a análise logo após assistir ao filme, impecável como sempre em elencar os elementos que não devemos ignorar no longa. Concordo sobre a avaliação inical de que tecnicamente Nolan foi impecável, certamente o campeão de estatuetas do ano. Seguido pelo Scorsese, claro!
ResponderExcluirGostei. Recomendo essa leitura!
ResponderExcluirGostei do texto, da análise criativa.
ResponderExcluirA homenagem a Ana Cláudia foi tocante, fiquei emocionado.
Abraço forte.
Paulo Baía
Gostei! Ótimo texto!
ResponderExcluir