domingo, 9 de julho de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 019 - OS SEIS MESES DO GOVERNO LULA/ALCKMIN

Um desejo de esperança

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

As contas públicas da Presidência podem ser um cenário muito bom para os governos aumentarem seu apoio aos cidadãos. Para isso, devem conseguir transmitir um tom republicano e democrático, uma vontade de construir acordos nacionais e internacionais, mostrar empatia com as prioridades do povo e nunca adotar um estilo briguento. Para que esse efeito não seja efêmero e se dilua em pouco tempo, deve ser seguido de ações reais e devem ser evitadas medidas que neguem suas palavras. A sanção da Lei Nº 14.611, de 3 de julho de 2023 que assegura a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens parece ter causado boa impressão na população, o que se refletiu em uma melhora na avaliação do governo em praticamente todos os aspectos. Isso reafirma que as pessoas não querem viver no meio de um fio político sem fim e que querem que sejam alcançados acordos que melhorem sua existência e não sofram as ilusões de grupos opositores.

Para alcançar resultados que durem no tempo, porém, o governo sempre deve traçar com clareza o sentido de suas ações, sua visão estratégica sobre os rumos que pretende dar ao país e a forma como esse desenho é executado. Nas palavras de Maquiavel, sua "virtù" para lidar com a sua "fortuna" ou nas palavras de Max Weber a melhor maneira de combinar suas "convicções" com sua "responsabilidade".

O discurso da Presidência na abertura da 17ª reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) de 6 de julho consegue conter essa dimensão ao seu modo, através de alguns traços visíveis em um longo oceano discursivo. Convém, portanto, observar com serenidade quais foram seus méritos e limites.

Apresenta uma visão louvável no que diz respeito a um maior entendimento da ação governamental. Podem criticar ou elogiar, mas é a fala de uma Presidência que carrega o peso de sua responsabilidade e que está à frente da grande maioria das Presidências da região, tanto em assuntos nacionais quanto internacionais, mesmo um com longa experiência. o retorno ao poder nessa quadra tem mostrado ao seu modo um amadurecimento que acentua ora os seus defeitos e ora os seus talentos e senso de realidade.

Não foi um discurso desprovido de visão autocrítica e expressa longos passos positivos de uma reconstrução original rumo à busca da governabilidade republicana e democrática.

Esse discurso da Presidência foi pacífico, evitou um tom sectário ou intolerante e a sua retórica foi cuidadosa e cheia de boa vontade, até amável em várias passagens. A sua autocrítica nuclease, com razão, na mãe de todos os seus erros, nas aventuras ausentes de rotina como ilustrou certa vez Gilberto Freyre.


É ilustrativo disso que tenha mobilizado o saudoso Franco Montoro na sanção da lei que trata sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres afastando publicamente os disparates para o necessário desenvolvimento democrático e republicano do país que tinham transparecido em outrora através de certos transbordamentos identitários, de particularidades tribais e com o nefasto efeito do afastamento dos problemas reais da população.

Como bem sabemos isso está de acordo a rejeição maciça das tristes cenas de 8/1, como também aumentou o bom senso do povo, o distanciamento e a desconfiança em relação às minutas escabrosas de mudanças da institucionalidade democrática que acabou se expressando em um poderoso apoio a boa moderação.

O discurso da Presidência destaca, naturalmente, as conquistas sociais obtidas e que se almejam bem como afirma a necessidade de fortalecer as instituições e a aplicação da lei e sublinha a necessidade de uma visão real da questão industrial. Além disso, aponta sua disposição para o diálogo sobre a reforma tributária com a salutar consciência de angariar o apoio necessário a poucas horas de sua apreciação no plenário da Cãmara dos Deputados, o que acabou por refutar que não há relatividade para os caminhos das reformas na democracia, mas apenas um o da própria democracia.

O seu verbo ainda saldou seu leal concorrente José Serra (parceiro de ensaios com Maria da Conceição Tavares na luta contra os autoritarismos planetários), abrindo a esperança do abandono das ambivalências, de ouvir os silêncios perante aqueles que dizem apoiá-lo, mas contradizem-no diariamente. Por outro lado, é muito legítimo que ressalte que na sua aprendizagem mantém os seus princípios, afinal o que é decisivo na política são antes os fins.

Os eixos explicitados para o governo são muito louváveis, o problema é que não são programáticos, pois ainda não sustentam uma visão estratégica para entregar soluções de longo prazo para avanços sociais, ambientais, civilizatórios e cidadã, porque não se combinam com uma visão límpida de crescimento económico, que em conjunto com a mudança tributária e a manutenção da responsabilidade no arcabouço fiscal assegurem a sustentabilidade de um processo de mudança.

A ausência desta visão estratégica enfraquece o desenvolvimento futuro, porque muita das promessas feitas com franqueza pode virar-se contra a gestão se não for cumprida num país onde a desconfiança e as desilusões se espalharam demasiadamente no ultimo quadriênio, onde as pessoas vivem momentos difíceis, o medo da estagnação presente nos primeiros números do Censo 2022, que seus empregos não durem e que, consequentemente, seus direitos sociais acabem não se refletindo em seu cotidiano.

O "logos" dessa conta pública sem dúvida melhora, mas isso deve ser acompanhado de experiência prática, garra para resistir às pressões cruzadas de um setor reacionário reforçado e de seus próprios supostos apoiadores, entre os quais, não poucos, são prisioneiros de sonhos doutrinários, que os cegam para perceber a realidade.

Nesse espírito, os 6 meses indicam que poderemos concluir com sucesso o primeiro ano. O sucesso da apreciação no plenário da Cãmara dos Deputados da reforma tributária aponta o acerto que se fez na sinalização feita ao Centro político. Embora a discussão tenha sido acalorada em alguns momentos, havia muita vontade de chegar a um acordo, deixando para trás o espírito de turras que reinava no quadriênio anterior.

Isso possibilitou a construção de um projeto mais do que aceitável com bases republicanas, abordando questões típicas do atual momento de saída da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, com uma estrutura política e jurídica de bom tom e a abertura para uma ampliação dos direitos sociais sem se tornar um programa partidário em relação ao desenvolvimento futuro.

Aliás, não se pode pedir aos Senadores e Senadoras que substituam a discussão por uma aclamação, mas sim que não quebrem o espírito de trabalho que se abriu e que mantenham o predomínio do bom senso e da abertura em favor da sua aprovação e encerramento. O Brasil deve concluir esse processo e acordar um padrão tributário mínimo aceitável para uma maioria consistente de nossa convivência democrática e republicana.

 

9 de julho de 2023



[1] Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.





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