quarta-feira, 8 de março de 2023

OSCAR 2023 - ENTREVISTA COM O PROFESSOR PABLO SPINELLI


Nada de Novo na Frente

Em 60 dias do nosso “Capitólio”, a cultura política no país não estabeleceu um meio de se fazer estabelecer a superação das contradições num Governo que ainda não se apresentou como de “transição”. O “3”, mesmo que tenha características diferentes já se coloca na linha de uma continuidade como se não tenhamos vivido 2013, 2016, 2018 e se esquecem das sequelas da pandemia de COVID 19. Nada de novo na Frente é uma temeridade diante do vazio a se pensar o Brasil no contexto das novas tendências da cultura.

Nosso objetivo nessa entrevista é situar o leitor nesse momento de crise das instituições da Democracia e fazer com que se possam perceber suas referências na produção cinematográfica. Algumas sugestões apontadas nas respostas abaixo demonstram o quanto a fratura da política de frente democrática no contexto global diante de uma Guerra que se prolonga na Europa exige que tenhamos uma melhor formação para a juventude. No ano passado alertávamos que a "privatização" da criatividade poderia atomizar ainda mais nossa sociedade. Estamos cada vez mais vulneráveis ao imediatismo.

Não podemos deixar de lado a República e a Democracia. Não se convida apenas para a leitura, mas que essa entrevista seja uma possibilidade de debate de como melhor entender nosso mundo contemporâneo. E VOTO POSITIVO, mais uma vez, publica uma entrevista com o Professor Pablo Spinelli que faz do cinema uma trincheira para tentar resgatar muitos jovens que saem do senso comum para melhor compreender os impactos do pensamento iliberal nas redes sociais.



1) A Edição do Oscar 2023 sugere alguma mudança em seu conteúdo de opinião ou haverá o aprofundamento de tendências anteriores?

Creio que houve uma mudança da academia por conta da perda de audiência e da importância da premiação para criação de um público. O Oscar era uma bússola para assistir aos filmes indicados, os jornais publicavam as indicações com destaque e ficar fora dessa conversa era ser um “alienado”, especialmente nas camadas sociais com maior formação educacional.

O discurso da bolha da costa leste americana, com certa influência das patrulhas acadêmicas identitárias e em resposta à América “profunda” (a mesma que foi mobilizada desde o 11 de Setembro até o ataque ao Capitólio) acabou por fazer perder o apoio do “homem comum”. Nos anos de Tik Tok e netflixação do olhar, o que representou o chatíssimo “Nomadland”? A refilmagem de sessão da tarde “No Ritmo do Coração”? O polêmico e fraco “Green Book”? E o identitário “Moonlight”? E “Argo”superou o gosto do público de “Django Livre”? O Oscar tem sido o apoio a um estudo antropológico ou etnográfico para dizer que os EUA do Afeganistão, do Iraque e que não quer a paz no conflito europeu atual é legal com toda a humanidade. Virou um prêmio mais étnico do que por mérito. O que vemos agora? Uma necessidade de dialogar com o público. Os jovens foram convocados em “Nada de Novo no Front” e em “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. Os liberais conservadores dos anos Reagan estão felizes por “Top Gun: Maverick”. Mulheres estão presentes no libelo “Entre Mulheres” que fala da religião e misoginia que agradará os coletivos, talvez não o coletivo e em “Tar”. A pauta ambientalista – um dos grandes temas contemporâneos – está em “Avatar 2”. A esquerda do século passado pode se encontrar no “Triângulo da Tristeza”, uma piada pronta. Europeus estão em “Os Banshees de Inisherin”. E Hollywood se premia com o pupilo que dialeticamente a destruiu, Spielberg, no filme autobiográfico e com um dos ícones mais importantes do século passado, “Elvis”, do injustiçado Baz Luhrmann.

Em suma, desde 2013, quando o filme vencedor faz parte de uma média de quantas vezes foi citado entre os primeiros lugares houve aquilo que Tocqueville nos sinalizou sobre a América: o paraíso da mediocridade no sentido do termo. Apesar de todas as minhas rabugices a lista de indicados sempre tem filmes acima do que temos ao longo do ano. A premiação caminha para o Nobel de Literatura. É bacana, mas ninguém atualmente lê um autor por conta do prêmio como no passado assim como ninguém – além de certos nichos – verá um filme por conta de um Oscar, mas pelo que os algoritmos e um website como o desprezível Rotten Tomatoes (propriedade da Warner) indicam.

 

2) Na sua opinião, a dupla indicação de Nada de Novo no Front (Melhor Filme – Melhor Filme Estrangeiro) o coloca como favorito para derrotar Argentina, 1985? Ou há algum filme “correndo” por fora?

Sim. O tema da guerra está na pauta. O historiador Hobsbawm em vários livros nos disse que tivemos no século passado poucos momentos de paz, muito pequenos. E que não via algo diverso para esse. O modo de guerrear talvez seja diverso. De qualquer forma, para uma juventude que tem fetiche pelo militarismo e armamentos a pergunta é óbvia: quer estar lá? O filme alemão também de forma sutil nos aponta que a carne mais barata do mercado é a da classe subalterna.

O filme argentino ganhar seria uma benção para o governo como foi a Copa. Para nós o entendimento que “sem anistia” é não ter julgamento justo e equilibrado, portanto, a ausência da instituição democrática, diverso do que o filme argentino expõe. Os roteiros argentinos deveriam ser mais estudados nas faculdades de cinema e de letras no Brasil. Eles não fazem tratados sociológicos. Eles contam uma boa história. Caso o sul do mundo vença será interessante. O terceiro prêmio para a Argentina sobre o mesmo tema. Começou com A História Oficial (1985). Veio depois O Segredo dos Seus Olhos (2009). E nós aqui vamos de “Marighella”.

3) Na categoria animação, avalia a possibilidade da vitória de Pinóquio?

Sim. É o melhor dos filmes. Deveria ter sido indicado como principal. Um trabalho artesanal do Guillermo Del Toro, premiado pelo “A Forma da Água” (2017), já resenhado nesse blog democrático e não visto com bons olhos. Espero que a fábula tristíssima que mostra o fascismo para crianças e adultos tenha melhor fortuna. Curiosamente, um dos filmes mais vistos no Brasil no ano passado e pouco debatido. Estranho. Talvez uma fábula nigeriana ou senegalesa tivesse mais impacto aqui. O filme mostra a importância da Frente Democrática para os momentos que vivemos. O Gato de Botas 2 é um filme muito divertido, anárquico, resgatou a linha do Shrek e trata do difícil tema da morte com muita leveza. Mas Pinóquio anti-Disney é o melhor.

4) Quais seriam suas “apostas” para Melhor Roteiro Adaptado e Original?

O melhor roteiro original para mim seria Triângulo da Tristeza ou Glass Onion, ambos com ferinas ironias ao mundo contemporâneo. Temos a luta de classes no primeiro, as Big Techs e o banditismo dos Jobs, Zuckemberg e Musk da vida, no segundo. Mas creio que “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” vença. O que não seria de todo o mal, visto que ele abordou com muito melhor acabamento e maturidade a ideia do multiverso que fracassou na Marvel (Disney) e “Travessia” (Globo). Quanto ao Roteiro Adaptado, um destaque para o escritor premiado com o Nobel, Kazuo Ishiguro, o que dá um verniz mais autoral para a indicação. A indicação a Top Gun: Maverick é uma gentileza sentimental ao último grande astro do cinema, Tom Cruise. Caso seja a esquerda que não vota para presidente nos EUA, ganha “Entre Mulheres”, caso contrário, “Nada de Novo no Front” ou “Living”.


5) A categoria Melhor Direção poderá ter alguma surpresa?

A surpresa será o Spielberg – que agradece a presença do público na sala de cinema pessoalmente – ganhar. A dupla Daniel Kwan-Daniel Scheinert deve levar por “Tudo em Todo o Lugar”. A Academia foi feliz na escolha dos diretores. Todd Field corre por fora por “Tár”. Os outros são azarões.

6) Em relação aos atores coadjuvantes, tanto feminino quanto masculino, como avalia as nomeações?

Bem, nessas categorias mais visíveis ao público há uma demonstração da diversidade étnica decorrente do aumento dos votantes espalhados pelo mundo. É uma premiação que quer ser mais internacional, portanto, há a atriz negra, a asiática, a europeia. Curiosamente, a premiação está entre duas veteranas que já fizeram trabalhos melhores, a rainha de Wakanda, Angela Basset concorre com a eterna irmã de Michael Myers, de “Halloween”, Jamie Lee Curtis, que teve uma boa atuação no esquecido (e bom) “True Lies”. Há algumas semanas tendia para Basset, que viveu uma grande Tina Turner num filme que deveria ser revisitado. Creio que ganhe a filha do ator Tony Curtis. Para ator coadjuvante há uma lei que diz que dois atores do mesmo filme divide o prêmio. A minha preferência, mesmo assim, seria Brendan Gleeson por Os Banshees de Inisherin. O trabalho de Bryan Tyreen Henry em “A Passagem” deve ganhar – por mérito.

 

7) Na categoria Melhor Atriz, será o ano de Cate Blanchett, quase 10 anos após vencer na atuação em Blue Jasmine, uma vez que ganhou o BAFTA e o Globo de Ouro?

A atriz ganhou um Oscar por um diretor cancelado, sem anistia. O Oscar nunca ligou para o BAFTA, infelizmente. E o Globo de Ouro passou a ser pateticamente maldito. Mesmo assim, a sucessora de Meryl Streep deve ter uma disputa acirrada com Michelle Yeoh, uma atriz malaia-chinesa que foi esquecida após O Tigre e o Dragão (2000), que hoje os jovens devem achar que seja um filme velho. Como há dois anos, apostaria um pedaço de picanha na chinesa. Destaco a intensa atuação da ótima e carismática Ana de Armas, a sucessora de Penélope Cruz, como outro ícone pop, no sofrido e desgastante “Blonde”, uma biografia romanceada sobre Marilyn Monroe.

 

8) Na categoria Melhor Ator, parece que teremos uma disputa mais “apertada” ou há um favorito?

Hollywood gosta de redenções. Brendan Fraser é a encarnação desse modelo. Ele sempre foi um bom ator, subestimado por alguns filmes que fez mais jovem. Quem o viu no filme que “revelou” Ian McKellen (Magneto/Gandalf) para os EUA, chamado “Deuses e Monstros” (1998), não é uma surpresa seu favoritismo. Ele interpreta com os olhos e com o peso da maquiagem um professor com obesidade mórbida, cardiopata, bissexual, que quer reconquistar sua filha. Impossível não ganhar. Austin Butler carregou com coragem a interpretação de Elvis. Seria um grande favorito se não fosse o Fraser. Colin Farrel corre por fora, mas seu passado rebelde ao sistema hollywoodiano talvez não o coloque com a estátua careca nas mãos. Bill Nighy é um ótimo ator quando bem dirigido e Paul Mescal fez um excelente trabalho em Aftersun.

9) Por fim, na sua opinião quem merece ganhar o Oscar por Melhor Filme?

O termo foi merecer. Gostaria de Nada de Novo no Front. A produção foi muito caprichada, igual ou melhor do que “1917”. Seria muito bom ter um Spielberg de volta, mas parece que ele terá seu nome lembrado em deferência à Nova Hollywood dos anos 1960-1970 como o Scorsese. Creio que vá dar um filme que aborda uma pessoa com problemas com a Receita Federal, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, um misto de aventura, ficção científica e surrealismo. Foi o filme mais visto nos EUA depois de Avatar e Top Gun: Maverick, logo, o reencontro do prêmio com o público.


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